Folha de S. Paulo


China e Japão querem conquistar Cuba antes dos EUA

Chefes de governo chinês e japonês visitam Havana para tratar de economia e comércio. Eles querem conquistar posição na ilha, antes que o bloqueio americano seja suspenso e empresas dos EUA se instalem no mercado cubano.

Cuba está em alta. Depois da presença do presidente iraniano, Hassan Rohani, no início desta semana em Havana, será a vez dos primeiros-ministros do Japão e da China visitarem a ilha caribenha —sinal de um interesse crescente das grandes potências asiáticas por Cuba.

Nesta quinta-feira (22), Shinzo Abe inicia a primeira visita de um chefe de governo japonês a Cuba, abrindo um novo capítulo nas relações bilaterais, existentes desde 1929. Em maio do ano passado, o ministro do Exterior do Japão, Fumio Kishida, já havia visitado a ilha, pouco depois que EUA e Cuba deram início à política de aproximação.

Em junho deste ano, o vice-presidente cubano, Miguel Diaz-Canel, esteve em Tóquio. Como em muitos outros países, o realinhamento das relações entre EUA e Cuba, além da nova dinâmica que se instalou por meio da abertura econômica introduzida pelo presidente Raúl Castro, suscitou também no Japão o interesse pela ilha caribenha. Até agora, as relações estavam focadas, sobretudo, na cooperação para o desenvolvimento.

Enquanto a política de distensão avança mais lentamente que muitos esperavam —o bloqueio americano ainda está em vigor, e o resultado das eleições presidenciais em novembro nos EUA ainda é incerto— um forte parceiro econômico como o Japão viria na hora certa para uma economia cubana que entrou em dificuldades com a redução do fornecimento de petróleo por parte da aliada Venezuela.

Pontualmente para a visita de Abe, chegou-se a um acordo para a reestruturação da dívida de Cuba junto ao Japão no valor de € 1,5 bilhão.

O acordo faz parte das negociações de reescalonamento da dívida da ilha caribenha com o Clube de Paris, abrindo o caminho para empréstimos e investimentos japoneses. Além disso, no contexto da visita, Abe vai entregar equipamentos médicos aos cubanos, como informou o jornal japonês Nikkei. Intitulada oficialmente como ajuda de desenvolvimento, essa entrega é acompanhada da esperança de futuras encomendas para a exportação de tecnologia médico-hospitalar.

Deverá ser instalado um centro de treinamento para médicos cubanos, em que eles serão treinados na tecnologia japonesa. Junto ao turismo e a projetos de infraestrutura, a tecnologia médica é uma das áreas que deverão ser de particular interesse para empresas japonesas. "Mercado com potencial" A visita de Abe poderá abrir novas portas para firmas japonesas que querem fazer negócios na ilha.

Em julho, a empresa Mitsubishi abriu um escritório em Havana. "Tentamos encontrar novas oportunidades de negócios para realizar projetos de infraestrutura, como também novas oportunidades comerciais", afirma o vice-diretor de Estratégias Globais da Mitsubishi, Mitsuyuki Takada.

A chamada Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel, instituída há dois anos e meio na cidade portuária, onde são concedidos benefícios fiscais e outras vantagens a investidores estrangeiros, é interessante devido à sua localização estratégica no centro do Caribe, entre os EUA e o Canal do Panamá.

"Do ponto de vista logístico, o mercado caribenho tem um grande potencial de crescimento", diz Takada. Apesar dessas pequenas investidas diplomáticas, as relações entre Cuba e o Japão estão longe de ser tão boas quanto as entre Havana e Pequim.

REFORMAS

Mesmo que esteja bem atrás da Venezuela, a China é o segundo maior parceiro comercial de Cuba, sendo, de certa forma, um modelo para as reformas econômicas na ilha. Ideologicamente, os dois países estão próximos.

Depois de Abe, o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, está sendo esperado nos próximos dias em Cuba. A viagem já foi confirmada, embora ainda não haja uma data certa. Durante a visita do presidente Xi Jinping a Cuba em julho de 2014, foram fechados cerca de 30 acordos, elevando o nível das relações bilaterais, que neste ano completam 56 anos.

Foram acertadas cooperações nas áreas de saúde, biotecnologia, educação, agricultura, energias renováveis e turismo. Também a expansão da infraestrutura de internet está sendo colocada em prática com tecnologia chinesa.

Desde dezembro de 2015, há um voo direto entre Pequim e Havana. O comércio entre os dois países totalizou, no ano passado, quase US$ 1,6 bilhão —um aumento de 50% em relação a 2014. No entanto, existem somente algumas poucas joint-ventures cubano-chinesas, e os investimentos diretos chineses, avaliados em US$ 460 milhões (principalmente no setor de turismo), são relativamente baixos.

A tendência, porém, é crescente. China apoia Cuba principalmente através de empréstimos. Em fevereiro, foram acertadas duas linhas de crédito —elas permitem que Havana compre tratores chineses, que são utilizados na colheita do arroz, além de 240 vagões de trem para o transporte de passageiros. Com dinheiro chinês, o porto da segunda maior cidade da ilha, Santiago de Cuba, está sendo ampliado –fala-se em US$ 100 milhões.

Nas negociações de Keqiang em Havana, acordos econômicos e de cooperação deverão estar em primeiro plano. Assim como o Japão, a China quer conquistar uma posição na ilha, antes que o bloqueio americano seja suspenso, e as empresas dos EUA se instalem no mercado cubano.


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