Folha de S. Paulo


Robôs e códigos de barra ajudam a evitar erros e desperdício de remédios

No terceiro subsolo de um hospital paulistano, Menina empacota cada unidade de comprimido ou ampola e aplica um código de barra.

Depois envia o remédio ao setor em que está o paciente a quem ele foi prescrito.

Por hora, ela é capaz de processar 453 unidades. Num mês, mais de 320 mil.

Menina é PillPick, um dos dois robôs de um sistema de R$ 8 milhões que gerencia remédios e suprimentos no Sírio Libanês, no centro de SP.

MENOS PERDAS
Tecnologia hospítalar

O outro é BoxPicker. Quando os 462 pacientes internados precisam de xarope, gotas ou pomadas, ele os localiza no estoque e libera na quantidade indicada.

Para a equipe da farmácia central, ele é o Menino, porque "só pega e guarda" -já Menina "é capaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo".

Quando o remédio chegar ao quarto, será preciso escanear o código de barras do remédio, a pulseira de identificação do paciente e o crachá do auxiliar de enfermagem.

Esse controle desde a caixa de medicamento até o paciente, chamado de beira-leito, é a etapa mais completa de um conjunto de máquinas, softwares e processos que evita perdas de remédio e insumos. Sem ele, o desperdício pode chegar a 20%, segundo a consultoria McKinsey.

A economia pode representar 1,4% do faturamento, segundo a mesma consultoria.

Num hospital de 200 leitos no Brasil sem unidade de oncologia, empresas do setor calculam uma economia anual de R$ 2,9 milhões.

Marcus Leoni - 24.ago.2016/Folhapress
Robô apelidado de Menino, que localiza medicamentos a granel e libera doses no Sírio Libanês

REDE PÚBLICA

O impacto é ainda maior nas redes públicas: 4 em cada 10 hospitais pesquisados pelo TCU em 2014 relatam desperdício de remédios por má gestão ou negligência.

Como o processo de compra é mais complexo e lento, é preciso formar estoques para muitos meses, o que também amplia as perdas por prazo de validade vencido, manipulação errada e furto.

Redes de saúde estaduais e municipais, que podem ganhar com a escala -em vez de dez operações para 50 leitos cada, fazem apenas uma para os 500-, são outro cliente promissor para o serviço terceirizado de logística.

Com alta regulação, forte investimento em tecnologia, sistema de segurança complexo e, principalmente, necessidade de know-how, o segmento tem "só uma meia dúzia" de empresas, diz Mayuli Fonseca, diretora de novos negócios da UniHealth, uma das maiores no país.

Os fornecedores de soluções costumam ser grupos que ganharam experiência com logística para a indústria farmacêutica. Com o crescimento da competição no setor de transportes, eles encontraram uma opção mais especializada e mais lucrativa na logística hospitalar.

A UniHealth vendeu sua transportadora e hoje opera só com soluções, para cem clientes. As concorrentes ainda conciliam as duas atividades, como a RV Ímola, que controla remédios e insumos para 5 de seus 80 clientes

Um deles é o hospital estadual de Vila Penteado (SP), com 198 leitos, que ganhou eficiência e agilidade, segundo o chefe da farmácia, Celso Vicente de Almeida.

Zanone Fraissat - 23.ago.2016/Folhapress
Remédios são fracionados e etiquetados no hospital estadual de Vila Penteado, em SP

Segundo a McKinsey, a digitalização economiza até 40% das horas de trabalho das equipes técnicas, o que permite ao hospital concentrar profissionais nos atendimentos a pacientes.

Boa parte desse tempo era perdida com recalls de produtos feitos pela Anvisa -segundo a agência, todos os dias há suspensão provisória ou definitiva de lotes de produtos ligados a saúde.

Com o controle digital, é possível saber exatamente onde está cada lote e, dependendo do caso, acompanhar pacientes que tenham recebido os medicamentos.

MENOS ERROS

Para os pacientes, o benefício mais relevante é que os controles digitais reduzem os erros de medicação, que não são incomuns. Podem ocorrer em até 80% dos procedimentos, segundo pesquisa da Northwestern University, de 2002, e afetar 20% dos pacientes, segundo a McKinsey.

Há pelo menos 12 tipos de falhas identificadas por vários estudos médicos: receitas erradas ou mal interpretadas, falta de prevenção a alergias ou interação medicamentosa, dosagens maiores ou menores, dadas em horário incorreto, por menos ou mais tempo que o prescrito.

Remédios ministrados na hora errada são o erro mais comum, e o sistema beira-leito -que registra quem foi o auxiliar de enfermagem que deu o remédio ao paciente- faz essa falha cair em 90%, segundo a UniHealth.

[REDUÇÃO ESTIMADA EM ERROS DE MEDICAÇÃO ] - Pacientes que deixam de ser afetados após maior controle, por ano

Não é necessário, porém, que o rastreamento dos remédios até o paciente seja digital para que o hospital receba um selo de qualidade das entidades acreditadoras.

O Brasil tem hoje 131 instituições particulares e públicas com notas máximas nas acreditações, segundo a ANS (Agência Nacional de Saúde). Contam-se nos dedos das mãos, porém, os que implantaram o sistema completo.

Um dos principais hospitais do país, por exemplo, o Albert Einstein (São Paulo), é acreditado desde 1998, mesmo sem beira-leito -que planeja implantar até o final deste ano- ou separação robotizada -prevista para 2017.

"O que se ganha com a informatização é agilidade", diz Nilson Malta, gerente de automação da instituição, que desde 2005 controla digitalmente o estoque de remédios.

O hospital também investirá nos crachás com chip e trocará todo o sistema de prontuário eletrônico, com investimento total de R$ 180 milhões. A meta é implantar o controle completo não apenas nos leitos de internação, mas em todas as unidades, incluindo pronto atendimento e centro cirúrgico.

PÍLULAS

Impacto na segurança do paciente

  • 100 milhões de pacientes são afetados por erro de medicação em todo o mundo, segundo o estudo "Strengh in Unity", da McKinsey, feito em 2012
  • 39% dos erros de medicação acontecem na prescrição, o tipo mais comum, segundo a McKinsey; os outros são administração do remédio (26%), envio ou preparo dentro do hospital (21%) e transcrição da receita (14%).
  • 80% das administrações de medicamento continham erro, segundo estudo feito em hospital universitário de 600 leitos, publicado em 2002 no "American Journal of Health-System Pharmacy"; foram 12 tipos de falha: receitas erradas ou mal interpretadas, falta de prevenção a alergias ou interações entre remédios, dosagens maiores ou menores que o necessário, dadas em horário incorreto, ou por menos ou mais tempo que o prescrito.
  • 30% foi o índice de erros em medicação endovenosa em 5 hospitais universitários avaliados pela USP em 2010
  • 77,3% dos erros de medicação computados em estudo da USP eram de horário errado; 14,4% de dose errada, 6,1% de via errada, 1,7% de medicamento errado e 0,5% de troca de pacientes
  • 75% foi a redução nos erros de medicação em hospitais holandeses após a introdução de códigos de barra, segundo a McKinsey; estudo de 2011 em unidade psiquiátrica do Hospital Johns Hopkins apontou redução de 88% nos erros
  • 43 mil vidas seriam poupadas no mundo com o controle informatizado de remédios, calcula a McKinsey, extrapolando globalmente um percentual de 50% de redução nos erros
  • 94% é a redução no número de remédios dados em hora errada com o controle controle digital, segundo a UniHealth: queda de 32% para 2% nos horários errados de administração nos leitos, de 4% para 0,75% na admistração de remédios não prescritos, de 24% para 0,6% nos horários de administração em UTIs e de 3,5% para 0,26% na administração de não prescritos em UTIs.
  • 3,6% dos 31.786 erros registrados na área de saúde no Brasil em 2015 envolvem medicamentos, segundo dados do Sistema de Notificação em Vigilância Sanitária (Notivisa); a Anvisa, que classifica os erros como "eventos adversos associados à assistência à saúde", considera que há forte subnotificação

Impacto na economia

  • 20% dos remédios de um hospital são desperdiçados pro má-gestão, segundo a consultoria McKinsey, em estudo de 2012
  • 39% de 116 unidades públicas de saúde pesquisadas pelo TCU em 2014 relatam desperdício ocasionado por práticas inadequadas ou negligentes
  • US$ 50 bilhões por ano são desperdiçados em remédios com validade vencida, segundo estudo de 2011 da McKinsey, que calcula que 20% dos estoques nos hospitais caducam
  • até 35% dos custos hospitalares podem ser cortados com a implantação de sistemas de controle, segundo a McKinsey. A digitalização permite reduzir até 40% da mão de obra necessária para acompanhar recall, 20% do custo financeiro do estoque, 15% do custo de gestão de estoque, até 55% do custo com prazo de validade vencido e 45% do custo com registros
  • 1,4% do faturamento pode ser poupado pelo controle informatizado de medicamentos, segundo estimativa da McKinsey feita em 2013 com um hospital de 300 leitos, 20 mil pacientes/ano e receitas anuais de US$ 300 milhões (perto de R$ 1 bilhão). A economia seria de até US$ 4,3 milhões por ano
  • 28% dos remédios e materiais deixaram de ser desperdiçados entre abril de 2014 e abril de 2015 pela rede de saúde de Juiz de Fora, segundo a UniHealth, com economia de R$ 6,2 milhões
  • até 25% é a redução no consumo de medicamentos e insumos, após a digitalização, segundo a UniHealth

Impacto na eficiência

  • 20% dos recursos de saúde pública são gastos com logística, segundo avaliação do Banco Mundial feita em 2007, que a aponta como causa principal de ineficiências e perdas da área
  • 78% de 116 unidades públicas de saúde pesquisadas pelo TCU em 2014 relataram que procedimentos médicos deixaram de ser feitos por falta de medicamentos ou outro insumo -21% com grande frequência
  • 71% dos municípios brasileiros apresentavam "controle de estoque ausente ou deficiente", segundo estudo feito pela Controladoria Geral da União entre 2004 e 2006; 39% tinham "condições inadequadas de armazenamento" e 23% tinham falta de medicamento
  • 58% de 1.314 municípios pesquisados em 2012 pelo Ministério da Saúde não controlavam o estoque de medicamentos; quase metade não tem climatização nem controla a temperatura, apenas 16% controlam umidade, só 12% têm Comissão de Farmácia e Terapêutica; apenas um terço fazia controle informatizado da dispensação
  • 20 vezes é o aumento do custo-benefício em dez anos estimado pela consultoria, promovido pelo aumento de eficiência e a liberação de funcionários para cuidar dos pacientes
  • 40% é o aumento da produtividade de equipes técnicas, segundo a UniHealth; estudo da McKinsey aponta que a digitalização economiza 40% das horas antes destinadas a rastreamento manual

Números sobre os sistemas

  • 453 unidades/hora é quando o robô PillPick separa, empacota e etiqueta
  • 9.000 produtos medicamentosos diferentes são produzidos no Brasil, num total de 22 mil apresentações, segundo relatório do TCE-MT
  • R$ 800 mil por mês gasta com medicamentos e insumos um hospital de 200 leitos sem unidade de oncologia; o valor é cerca de 40% do custo total
  • 2.000 itens diferentes passam pelo estoque do hospital estadual de Vila Penteado
  • 647.650 unidades de comprimidos, cápsulas, ampolas e frascos são registrados por semestre no sistema de controle do hospital estadual de Vila Penteado
  • R$ 1.000 é o que pode custar uma única ampola de medicamento de alta complexidade; uma única caixa de 1 m3 chega a custar R$ 15 milhões
  • 50 mil unidades podem ser armazenadas no sistema robotizado do hospital Sírio Libanês
  • 550 mil unidades por mês são consumidas no setor de internação do Sírio todos os meses
  • 0,3% de perda de medicamentos é a meta do hospital Sírio Libanês

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