Folha de S. Paulo


Companhias aéreas dos EUA permitem que passageiros compartilhem milhas

Danny Johnston/Associated Press
Programa de milhagem conjunta permite que passageiros compartilhem milhas com outros passageiros
Programa de milhagem conjunta permite que passageiros compartilhem milhas com outros passageiros

No mundo dos programas de fidelidade, é quase automático que as coisas só piorem. Cada mudança que uma companhia de viagens ou varejo descreve como melhora na verdade significará, ao que parece, que o consumidor receberá menos pontos, precisará de mais pontos para obter recompensas ou terá menos flexibilidade em seu uso.

Por isso, é hora de pararmos para considerar um esforço que atraiu pouca atenção, de parte de algumas das companhias de aviação norte-americanas de menor porte, e que ajuda passageiros a obter passagens grátis com muito mais rapidez do que costumavam, e sem cobrá-los pelo privilégio.

Conhecido como programa de compartilhamento de milhagem ou de milhagem conjunta, ele permite que os passageiros da Hawaiian Airlines, Sun Country Airlines e JetBlue Airways ofereçam milhas de seus programas de fidelidade a outros passageiros, ou se unam para ganhar passagens gratuitas mais rápido.

Famílias, por exemplo, podem combinar todas as suas milhas de modo a que um grupo de quatro pessoas ganhe uma passagem grátis muito mais rápido. E crianças que poderiam demorar cinco a 10 anos para ganhar uma passagem gratuita por sua conta agora podem contribuir para um programa conjunto que ajuda sua família a economizar dinheiro com menos demora.

Grandes companhias de aviação como a American, Southwest e United não oferecem coisa alguma de comparável. Para tentar entender por que não o fazem, e se a situação pode um dia mudar, leia abaixo os detalhes das ofertas das companhias de menor porte.

O programa ShareMiles, da Hawaiian Airlines, foi o primeiro a surgir, em 2001. Embora os participantes possam transferir a quem quer que queiram a quantidade de milhas que desejem, o destinatário precisa ser portador de um cartão de crédito ou débito da Hawaiian, e ser o titular desse cartão.

Em 2013, a Sun Country começou a oferecer um sistema de pontos compartilhados. A companhia de aviação, que realiza muitos voos entre Minneapolis-St. Paul e as partes ensolaradas dos Estados Unidos, permite que até 10 pessoas formem um grupo e contribuam com parte ou o total de seus pontos de milhagem para ele.

Larry Chestler, vice-presidente executivo de desenvolvimento de negócios na Sun Country, trabalhou para empresas de maior porte no setor e contrasta sua operação com a das companhias de aviação que costumam mimar os viajantes de negócios regulares.

"Somos uma companhia de aviação muito orientada ao lazer", ele disse. "Nossa intenção ao criar os pontos compartilhados era reconhecer que muitas viagens de lazer envolvem famílias, e podem não ser tão frequentes. Estamos reconhecendo uma forma muito diferente de fidelidade".

A JetBlue, a maior das três companhias de aviação que permite livre compartilhamento de pontos, também tem muitos negócios em mercados de lazer e clima quente. Seu serviço de compartilhamento de pontos para famílias permite grupos formados por até dois adultos e cinco crianças, ainda que a companhia tenha dito que pretende expandir o número de adultos, no futuro.

Quando a JetBlue começou a permitir esses grupos, três anos, atrás, também foi muito explícita em informar aos clientes que poderiam definir "família" como quisessem. Namorados e namoradas, melhores amigos —todos seriam bem-vindos.

"Não queríamos impor muitas regras", disse Scott Resnick, diretor de marketing de fidelidade da empresa. "Quem somos nós para dizer? Não posso supor que eu é que sei que cara deve ter a sua família".

Pais ardilosos podem ver esses programas como maneira excelente de confiscar a milhagem dos filhos, trazer parentes para tomar conta deles e depois viajar de férias sem as crianças. Nada de errado nisso. As companhias de aviação reportam outras formas comuns de uso: grupos formados por avós e netos, ou pais que usam os pontos acumulados para as viagens de seus filhos de e para a universidade.

Tudo parece muito bacana, e como membro de um programa familiar conjunto da JetBlue, posso confirmar que não há grandes ressalvas aparentes, desde que você se mantenha em contato com o seu "parente". Assim, como defender o egoísmo dos programas de milhagem das grandes companhias de aviação?

Tim Winship, norte-americano que trabalhou no setor de aviação antes de começar a comentá-lo, o que ele agora faz no site smartertravel.com, acredita que exista um elemento cultural em ação. Milhas compartilhadas, ele disse, são mais comuns em companhias de aviação sediadas fora dos Estados Unidos.

"Não temos tanto foco na unidade familiar, e em adicionar valor a esse status, da forma que parece acontecer em países da Europa e da Ásia", ele disse.

RECOMPENSAS

As normas que proíbem compartilhar milhas também estão relacionadas ao esforço de equilibrismo que há muito atormenta os executivos de marketing de fidelidade.

Por um lado, qualquer empresa com um programa de recompensas precisa distribuir recompensas suficientes para manter o interesse dos clientes (e, no caso das companhias de aviação, para garantir que as companhias de cartões de crédito continuem a desembolsar bilhões de dólares anuais comprando milhas para presentear aos clientes que portem cartões com marcas das companhias de aviação).

Mas os programas também precisam fazer sentido financeiramente, e nenhuma empresa quer ser mais generosa do que o mínimo necessário.

Quando pessoas sem muitas milhas desistem de registrá-las ou de acompanhar seu total de milhagem, e de tentar usá-la, o lucro para uma companhia de aviação pode ser grande. Afinal, ela vendeu algumas daquelas milhas a terceiros, que as conferiram a seus clientes, e a companhia de aviação jamais precisará resgatar as milhas em questão e pode ficar com o pagamento por elas, quando o passageiro abandona o programa de fidelidade.

Os programas de milhagem compartilhada tem o potencial de reduzir a proporção de pontos de recompensa que terminam abandonados, porque o compartilhamento torna mais fácil resgatá-los.

A JetBlue e a Sun Country, porém, disseram não ter visto grandes mudanças nos índices de desistência. Isso talvez aconteça porque poucas pessoas usam os programas conjuntos, ou porque os membros desses programas são o tipo de pessoa que jamais abandonaria sua milhagem.

Além disso, American, Delta, Southwest e United têm, todas programas que permitem transferência de milhagem, mediante o pagamento de uma tarifa. Essas empresas provavelmente relutam em abrir mão dessa fonte de faturamento.

A Delta permite que os membros de elite de seu programa de fidelidade compartilhem de suas recompensas de outra maneira, como upgrade de classe para um companheiro de viagem, se houver assentos disponíveis, ou autorizando os clientes que gastam mais a conferir um ano de benefícios do programa de elite a uma pessoa de sua escolha.

E muitas companhias de aviação permitem que as pessoas doem milhas a instituições de caridade ou as gastem em assinaturas. Por 3.200 milhas da American, por exemplo, uma pessoa pode assinar para receber 304 edições do "Wall Street Journal". Isso equivale a US$ 32, se você avaliar cada milha em um centavo de dólar, e a soma representa uma fração do que uma assinatura do jornal custaria.

Assim, existem diversas maneiras fáceis de extrair pelo menos algum valor das milhas e pontos acumulados, e a pessoa não precisa desistir deles. Mas os viajantes poucos frequentes que prefiram a passagem grátis tradicional continuarão a enfrentar dificuldades para obtê-la se voarem apenas nas grandes companhias de aviação.

Ou, talvez, poderíamos todos levar em conta o que está acontecendo, nesse caso, e votar com nosso dinheiro. Embora a JetBlue esteja reduzindo em alguns centímetros o espaço entre as fileiras de poltronas em sua classe econômica, as telas nas costas dos assentos e os salgadinhos que ela serve em voo fazem com que as viagens pareçam mais curtas. E quando minha família, com quatro pessoas, precisa gastar milhares de dólares em passagens para a Flórida, a milhagem compartilhada certamente me inclina a optar pela JetBlue de preferência à Delta.

Se número suficiente de passageiros começarem a tomar decisão semelhante, talvez as grandes companhias de aviação facilitem que sejamos mais generosos uns com os outros. Até lá, por favor me passem as batatinhas púrpuras.

REGRAS DO COMPARTILHAMENTO

Quer compartilhar as milhas de seu programa de fidelidade com um amigo ou parente? Isso pode custar alguma coisa. Eis as regras de compartilhamento de algumas das maiores companhias de aviação dos Estados Unidos. Algumas podem ter valores mínimos ou máximos de transferência, por transação ou por ano. E os impostos podem acarretar custo adicional.

Alaska Airlines: Os passageiros podem transferir milhagem pagando US$ 10 por mil milhas, e mais uma tarifa de US$ 25 por transação.

American Airlines: Os passageiros podem transferir milhagem pagando US$ 12,50 por mil milhas, e mais uma tarifa de US$ 15 por transação.

Delta Air Lines: Os passageiros podem transferir milhagem pagando US$ 10 por mil milhas, e mais uma tarifa de US$ 30 por transação.

Frontier Airlines: Os passageiros podem transferir milhagem pagando US$ 10 por mil milhas. Mas cuidado, porque as milhas da Frontier expiram depois de apenas seis meses de inatividade na conta.

Hawaiian Airlines: O programa ShareMiles da empresa permite transferência gratuita de milhas, desde que estas vão para o portador titular de um cartão de crédito ou débito com a marca da Hawaiian. Os passageiros também podem transferir milhagem pagando US$ 10 por mil milhas (com um mínimo de duas mil milhas), e mais uma tarifa de US$ 25 por transação.

JetBlue Airways: O programa de milhagem familiar compartilhada da empresa permite que até dois adultos e cinco crianças compartilhem sua milhagem, total ou parcialmente. Também permite transferências, ao preço de US$ 12,50 por mil milhas.

Southwest Airlines: Os passageiros podem transferir milhagem pagando US$ 10 por mil milhas.

Spirit Airlines: Os passageiros não podem transferir milhagem.

Sun Country Airlines: Até 10 pessoas podem formar um grupo de compartilhamento de milhagem, sem custos. Os passageiros podem combinar dinheiro e pontos (em qualquer valor) para comprar passagens.

United Airlines: Os passageiros podem transferir milhagem pagando US$ 15 por mil milhas, e mais uma tarifa de US$ 30 por transação.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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