Folha de S. Paulo


análise

Cortar juros não basta para melhorar situação das empresas

Marcos Santos/USP Imagens
Cortar juros não basta para melhorar situação das empresas
Cortar juros não basta para melhorar situação das empresas

Uma das características da estabilidade é a maior disposição –devido à expectativas positivas de ganhos futuros e diminuição na percepção de risco– para assumir dívidas.

Os recursos são aplicados em ativos aumentando, dessa forma, a exposição ao risco e à fragilidade financeira. O setor privado brasileiro, em particular as empresas não financeiras, adotou uma atitude deficitária. Ou seja, as empresas gastaram mais do que receberam desde 2007.

Esse comportamento prosseguiu e se agravou nos anos seguintes, com exceção de 2009, devido aos efeitos das políticas anticíclicas para combater a crise global.

Os dados do IBGE mostram que, entre 2010 e 2013, o deficit médio das empresas foi de cerca de 3,5% do PIB.

A deterioração dos balanços das empresas foi agravada com a introdução do ajuste fiscal em 2011 –que levou a uma forte desaceleração do investimento público.

A estagnação da economia global no período pós-crise, junto com o fim do boom de commodities e o ciclo de aperto monetário pelo BC iniciado em abril de 2013, deteriorou ainda mais o quadro.

Isso fez com que as estruturas de ativos e passivos do setor privado se tornassem insustentáveis.

Dessa forma, os lucros retidos das empresas sofreram uma queda brutal já a partir de 2010, juntamente com uma forte queda do retorno sobre os ativos em 2011. Com a queda dos retornos realizados e esperados, o investimento foi a grande variável de ajuste, empurrando a economia para a recessão iniciada em 2014.

O que explica, porém, a longa duração da crise atual? Os retornos sobre os investimentos permanecem negativos ou abaixo do retorno mínimo exigido pelos empresários.

Esta crise foi agravada em 2015 com a implementação de um forte ajuste fiscal. Os dados do BC mostram que houve um queda real das despesas do governo central ao longo de 2015 em pleno ciclo de desalavancagem do setor privado. Soma-se a isso o aperto monetário do BC e o brutal choque dos preços administrados e temos uma situação no qual o fluxo de caixa de empresas e famílias (que já estavam comprometidos) deterioram-se ainda mais.

Temos agora uma crise generalizada de solvência que já contamina os ativos do sistema financeiro. Com a crise e crédito escasso, os pedidos de falência e calotes estão em alta. As empresas estão com balanços deteriorados e usam o seu fluxo de caixa para honrar compromissos. Sem recursos, até mesmo para honrar despesas com juros, a situação patrimonial não melhora, em razão da queda dos lucros ou dos prejuízos.

O setor privado não será capaz de investir se o problema da deterioração dos balanços das empresas e famílias não for resolvido. Entretanto, as políticas adotadas atualmente são exatamente o contrário do recomendado para períodos de crises de solvência.

A crise agora será profunda e prolongada, e a simples redução dos juros, embora necessária, não será suficiente para reverter esta situação.

FELIPE REZENDE é ph.D. e professor-assistente do departamento de economia de Hobart e William Smith Colleges (Suíça)


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