Folha de S. Paulo


Crítica

Coletânea traduz debate fiscal que desafia governo brasileiro

"No fundo, o debate fiscal deve ser entendido como a discussão sobre a capacidade de o Estado executar as prioridades da sociedade".

Especialistas em contas públicas, Felipe Salto e Mansueto Almeida traduzem dessa maneira o debate que tomou conta da economia e da política desde que Michel Temer assumiu interinamente a presidência da República, prometendo colocar nos trilhos as contas do governo sem elevar impostos.

Respectivamente assessor econômico do ministro José Serra (Relações Exteriores) e secretário de acompanhamento econômico do Ministério da Fazenda, os dois economistas são os organizadores de livro de artigos sobre os principais pontos deste debate, "Finanças Públicas, da Contabilidade Criativa ao Resgate da Credibilidade" (Record).

Apesar dos avanços institucionais nas últimas décadas, descritos pelo ex-ministro Maílson da Nóbrega, os dados apresentados no livro demonstram que o Brasil parece não saber bem escolher suas prioridades.

Um exemplo diz respeito aos gastos com pessoal, que geram despesas obrigatórias e têm sua parcela de responsabilidade no deficit crescente da previdência.

Em seu artigo, Pedro Jucá Maciel, hoje subsecretário do Tesouro Nacional, mostra que 72% da recente deterioração fiscal dos Estados é explicada pelo aumento das despesas, predominantemente as com pessoal, que representam 88% desse aumento, ante os 12% restantes com investimentos.

O resultado dessa escolha está todos os dias nos jornais: afogada em dívidas, boa parte dos Estados hoje não consegue pagar sequer fornecedores e aposentados, e vários serviços foram interrompidos.

Marcos Mendes, assessor especial do ministro Henrique Meirelles (Fazenda), mostra no artigo "A Política de Pessoal do Governo Federal" que as despesas com funcionalismo consomem quase um terço dos gastos do governo federal (sem contar os juros da dívida), atrás apenas dos gastos com previdência.

Segundo ele, os gastos com pessoal cresceram num ritmo acelerado entre 1997 e 2013. Isso contrasta com a qualidade dos serviços prestados, evidentemente muito aquém do esperado.

Mendes questiona leis que, embora consolidadas, podem estar por trás do problema: a estabilidade ampla e irrestrita dos servidores, que não podem ser demitidos independentemente da função que exercem; e a autonomia orçamentária de Judiciário e Legislativo, que definem contratações e reajustes muitas vezes em dissonância com a realidade econômica.

A incapacidade dos governantes em administrar seus gastos com pessoal faz com que, por consequência, as despesas totais também fiquem constantemente fora de controle, o que produz resultados negativos explorados em outros artigos.

O cientista político Sérgio Praça observa que os Orçamentos federais, idealmente previstos para executar planos traçados cinco anos atrás, são refeitos do zero a cada exercício, sem que subsista planejamento de longo prazo e sobre ingerência do Executivo na conveniência de executar (ou não) certas despesas.

Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central, analisa como a desorganização das finanças estatais interfere na política monetária, o que acaba por contagiar o crédito e os preços da economia.

O próprio Mendes, em um segundo artigo, aborda a disputa, às vezes conflituosa, dos Estados por recursos no torto pacto federativo brasileiro, em que cada um tenta puxar para si parte do quinhão, o que inviabiliza investimentos conjuntos que poderiam melhorar a vida de todos.

José Roberto Afonso, especialista em contas públicas, mostra como as inúmeras tentativas de reformar o sistema tributário emperraram no medo dos governantes de perder recursos e, em última instância, de perder poder de definir no quê e quanto gastar.

Os recursos são limitados, não faz falta repetir. E se a prioridade aparentemente eleita é elevar os gastos com pessoal e com previdência, sem que a qualidade dos serviços evolua, não sobra dinheiro para investimentos. E isso amarra o crescimento da economia.

Os autores têm sucesso ao oferecer informações atuais e de qualidade aos leitores, embora os artigos tenham sido escritos entre 2013 e 2015. Os textos são escritos por nada menos do que três integrantes da atual equipe econômica.

A maioria dos artigos pode ser lida por não iniciados no debate fiscal, mas com alguma irregularidade. Há textos mais técnicos, cuja interpretação pode ser difícil, mas a mensagem no geral é bem absorvida.

O livro peca, porém, na oferta do contraditório. Concentra opiniões críticas ao modelo econômico do PT, sobretudo da presidente afastada Dilma Rousseff, e não poupa referências às gestões e propostas de políticos tucanos.

FINANÇAS PÚBLICAS – DA CONTABILIDADE CRIATIVA AO RESGATE DA CREDIBILIDADE
AUTORES Mansueto Almeida e Felipe Salto (org.)
EDITORA Record
QUANTO R$ 42,90 (308 págs.)
AVALIAÇÃ bom


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