Folha de S. Paulo


'Infraestrutura precisa de alternativas ao BNDES', diz presidente da CPFL

Luis Ushirobira/Valor
Data: 30/09/2014 Editoria: Empresas Reporter: Rodrigo Polito Local: CPFL Renovaveis, Sao Paulo, SP Detalhe: foto do presidente da CPFL para materia sobre Planos da CPFL Renovaveis Setor: energia Personagem: Andre Dorf, presidente da CPFL Foto: Luis Ushirobira/Valor ***FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS***
Andre Dorf, presidente da CPFL

Andre Dorf assumiu no dia 1º a presidência da CPFL Energia, uma das principais empresas do setor no país. Antes disso, estava no comando da CPFL Renováveis, que é também uma das maiores geradoras do país a partir de fontes alternativas.

Para Dorf, o setor de renováveis foi menos afetado pela crise do que outros. Agora, num ambiente de excesso de oferta, em que deve haver menor contratação de geração nova, ele diz que o setor eólico tem o desafio de manter a cadeia de fornecedores e fábricas que se instalaram.

O executivo aponta três desafios para a retomada do crescimento: aumento da demanda, segurança no setor de transmissão e equacionamento de financiamento para a área. Dorf considera que o BNDES deve continuar no seu papel de grande financiador, mas diz que o Brasil e os setores de infraestrutura precisam de instrumentos alternativos ao banco estatal.

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Folha - Segundo relatório recente da agência ambiental da ONU, o setor energético que mais cresceu no mundo em 2015 foi de renováveis e a queda no preço dos equipamentos tem feito o custo ser mais competitivo. Essa é uma tendência para o Brasil também?

Andre Dorf - A gente teve um conjunção de fatores que levaram a essa tendência. Tivemos nos últimos anos, e agora mais ainda reforçada pela COP 21 [Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, que ocorreu em dezembro de 2015], algumas limitações para o desenvolvimento das energias que demandam combustíveis e fontes fósseis. O próprio preço do petróleo até pouco tempo atrás era um limitador importante. Ao mesmo tempo há isso que você comentou, que é o barateamento das tecnologias alternativas, basicamente a eólica e a solar.

A tendência de crescimento das energias renováveis vai permanecer no Brasil?

Essa tendência se traduz no Brasil de uma forma um pouco diferente. O Brasil já tem uma matriz muito limpa, quase 70% da nossa matriz elétrica já é composta por hidráulica. Ainda assim, a gente viu um movimento muito importante no avanço da eólica. A eólica nasceu no começo dos anos 2000 e foi impulsionada por um programa de incentivo a fonte alternativas. Mas o setor conseguiu criar condições para atrair os desenvolvedores, os tomadores de riscos, e que hoje são grandes companhias como a própria CPFL.

A gente conseguiu trazer estrutura de capital capaz de fomentar esses projetos, trouxe uma cadeia de fornecedores e a estrutura de leilões. Acho que é uma conjunção de fatores que fizeram com que a eólica se desenvolvesse muito rapidamente. A gente vê o mesmo movimento agora com a solar.

Ao mesmo tempo em que criamos condições para essas fontes se desenvolverem, nós também migramos de um modelo de mobilidade tarifária a qualquer custo para um modelo de otimização da matriz. Hoje os reguladores e o mercado olham muito mais a matriz com um viés de segurança do sistema, de otimização e também de custo, e não só de custo. Isso abre espaço para uma composição diferente da matriz.

Nosso potencial de grandes hidrelétricas é limitado, e as renováveis se apresentam como uma boa solução. Têm a vantagem social e ecológica, têm a vantagem do prazo de implantação. A gente consegue mobilizar recursos para que as usinas e os parques sejam implantados num prazo muito pequeno para esse tipo de empreendimento, de um ano e meio a dois anos e meio. E temos uma facilidade de licenciamento e de outorgas dada a simplicidade dos projetos.

Como a crise e a mudança no governo podem afetar o setor de renováveis? Mesmo com os resultados modestos dos últimos leilões, dá para dizer que o setor foi menos afetado pela crise?

Sem dúvida. Olhando para trás, a gente pode dizer que especificamente a eólica faz parte do Brasil que deu certo, nós do setor soubemos aproveitar as oportunidades que existem aqui, construímos uma base sólida, uma cadeia produtiva de empreendedores capazes de seguir nessa toada de crescimento. Porém, olhando para a frente, vemos desafios importantes, alguns em razão da crise. O primeiro que eu destacaria é o da "financiabilidade" do setor. Como qualquer área de infraestrutura, o setor depende ainda muito de BNDES. Esse é um desafio para toda a infraestrutura e também para o setor eólico.

Você acha que a nova direção do BNDES pode ter dificuldades em continuar o financiamento para o setor?

Ainda é cedo para dizer, mas tudo indica que infraestrutura é uma das prioridades para este governo, como vinha sendo e acredito que continuará sendo qualquer que seja o governo. O Brasil ainda tem muita carência. E faz parte da essência do BNDES fomentar esse tipo de projeto, seja do ponto de vista social, seja do ponto de vista econômico e estrutural. Independentemente disso, o Brasil e os setores de infraestrutura precisam de instrumentos alternativos ao BNDES. Seja qual for a posição do BNDES, hoje há uma carência no mercado de crédito em geral e especialmente para financiamentos com esse perfil.

O segundo desafio é a transmissão. A gente ainda tem o desafio de ter linhas de transmissão que nos tragam a segurança de vender essa energia e construir as usinas e parques contando com linhas de transmissão implantadas no mesmo período. Um terceiro [desafio], este sim afetado pela crise, é a questão de demanda estrutural. Há pouco tempo a gente falava de eventual racionamento. Em pouco tempo passamos para o extremo oposto, que é o de sobra de energia por alguns anos.

Isto aconteceu em razão da entrada em operação de diversos projetos em várias fontes, mas também pela queda da demanda, principalmente no segmento industrial.

A pergunta que se coloca é com que velocidade isso se recupera e quando nós teremos de novo necessidade de construção de nova capacidade de geração de energia.

O desafio que se impõe para o setor eólico é manter uma cadeia de valor: fabricantes, prestadores de serviço que se prepararam, se estruturaram, implantaram fábricas num ambiente de pouca contratação e de menor número de projetos entrando em operação.

Em relação ao mercado de fusões e aquisições, a queda do real em relação ao dólar significa novas oportunidades para o setor? A CPFL tem planos nessa área no curto prazo?

O mercado de eólicas e de renováveis em geral ainda é muito fragmentado. Então há, sim, oportunidades. Nós mesmos estamos avaliando algumas alternativas com muita disciplina. A grande questão quando se fala de aquisição é a "financiabilidade", porque aqui as empresas precisam realmente ter crédito corporativo para fazer aquisições. Não é mais financiamento de projetos, não é BNDES, é realmente o crédito corporativo, que hoje está caro e escasso. Então são apenas empresas com boas condições de balanço e de crédito que conseguem eventualmente recursos para fazerem uma aquisição.

Entre os segmentos de renováveis, eólicas já tiveram grande baixa de custos e praticam preços competitivos. Solar permanece a nova fronteira de crescimento?

Ainda estamos na curva de otimização das duas fontes, na eólica e na solar. Se pensarmos que a tecnologia que desembarcou aqui para as eólicas é desenvolvida para o perfil de vento e de clima dos países do hemisfério Norte e que faz muito pouco tempo que a gente tem tropicalizado essa tecnologia, ainda há uma curva de otimização.

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RAIO-X ANDRE DORF

Nascimento
São Paulo, em 27 de março de 1973

Formação
Graduado em administração de empresas pela Fundação Getulio Vargas

Cargo
Assumiu como presidente da CPFL Energia em 1º de julho deste ano

Carreira
Foi diretor-presidente da CPFL Renováveis de 2013 a 2016. Na Suzano Papel e Celulose, atuou como presidente da Suzano Energia Renovável (2010 a 2013), entre outras funções


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