Folha de S. Paulo


Governo deveria vender só 'osso' da dívida, diz procuradora da Fazenda

Ruy Baron/Valor
A gestora da dívida ativa, Anelize Almeida; ela afirma não querer vender o 'filet mignon' da dívida
A gestora da dívida ativa, Anelize Almeida; ela afirma não querer vender o 'filet mignon' da dívida

Contrária ao projeto que transforma os créditos a receber pelo governo de empresas e cidadãos em títulos negociáveis no mercado financeiro, a PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), órgão do Ministério da Fazenda, quer permitir que sejam vendidas apenas as dívidas de pior qualidade.

O projeto, chamado de securitização da dívida ativa da União, é uma das fontes de receitas que permitirá ao governo do presidente interino, Michel Temer, cumprir a meta de para 2017, que prevê um deficit de R$ 139 bilhões.

Segundo a gestora da dívida ativa, Anelize Almeida, a PGFN não quer vender o "filé-mignon" da dívida, ou seja, a parte que poderia ser recuperada por meio da cobrança de empresas devedoras ainda em atividade. Uma importante parte da dívida é contra empresas falidas.

"A dívida ativa é um patrimônio da União", afirma. "O que não queremos é vender o filé-mignon dessa dívida. Se for para securitizar, seria o osso", disse Almeida à Folha.

Ministros próximos a Temer já reclamaram de uma avaliação do Ministério do Planejamento que indicava que somente R$ 60 bilhões, cerca de 4% da dívida, poderiam ser securitizados. No entanto, o Planejamento, à época, não destacou qual a qualidade dos títulos que poderiam ser vendidos.

Anelize afirma que o melhor para a União seria vender somente a dívida que é sabidamente irrecuperável, na forma de títulos "podres".

Isso porque, para conseguir vender os títulos no mercado, o governo precisa dar um desconto substancial para que investidores aceitem assumir o risco de não receber esses créditos. Assim, o governo ficaria com a dívida de maior qualidade, que, no longo prazo, tende a gerar receita para a União.

"Em outros países, há um grande mercado de títulos podres. Fazer isso acontecer aqui é difícil e pouco rentável. De antecipação de fluxo [a receita ganha com a securitização descontado o valor do título], ganharia R$ 1 bilhão."

A dívida ativa total está em R$ 1,6 trilhão, e a recuperação desse crédito é lenta. O governo consegue receber dos devedores menos 1% desse valor por ano, questão destacada por aqueles que defendem o uso desse tipo de recurso.

AVALIAÇÃO DA DÍVIDA

Anelize afirma que a PGFN não tem em mãos qual o percentual da dívida que poderia ser securitizado e o que poderia ser facilmente recuperado. Ela diz que o Ministério da Fazenda trabalha na criação de um programa de avaliação e classificação de risco dos créditos, algo como um sistema de rating.

Esse projeto deve ser concluído no final do ano e é uma exigência do TCU (Tribunal de Contas da União), que fixou também o prazo.

"Não posso dizer qual parte disso seria considerada 'triple-A' [nível mais alto de classificação]. O que temos são o preto e o branco. Falta definir todos os tons de cinza que os separam. Muitas das informações estão com a Receita, então não conseguimos fazer isso sozinhos", diz.

RESTRIÇÕES

Segundo Almeida, a PGFN não irá combater o projeto que tramita no Senado, de autoria do então congressista José Serra, atual ministro de Relações Exteriores. Mas a nova legislação deverá ter mecanismos para impedir a entrega total da dívida ao mercado financeiro, como é o desejo de parte do governo.

"O que nos dá alguma segurança nesse projeto é que não basta ele ser aprovado. Será preciso também uma regulamentação e a aprovação do ministro [da Fazenda, Henrique Meirelles]."

Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal impede a venda dos títulos a bancos oficiais. O entendimento é que a securitização pode configurar operação de crédito entre bancos estatais e Tesouro. Isso reduz o potencial do programa, pois apenas bancos privados participariam.


Endereço da página:

Links no texto: