Folha de S. Paulo


Fundos de investimento imobiliário suspendem resgates após Brexit

Fundos de investimento em imóveis comerciais britânicos que administram mais de nove bilhões de libras em ativos de investidores suspenderam os resgates de suas cotas, dados os crescentes temores quanto ao impacto da votação em favor da saída britânica da União Europeia (Brexit) sobre o mercado imobiliário do Reino Unido.

O maior fundo de imóveis comerciais britânicos, o Property Portfolio, da M&G, com 4,4 bilhões de libras em carteira, anunciou nesta terça (5) que havia suspendido a negociação de suas cotas no dia anterior, depois de medidas semelhantes anunciadas por um fundo da Standard Life com 2,9 bilhões de libras em carteira, e por um fundo de 1,8 bilhão de libras administrado pela Aviva.

As decisões geraram preocupação de que uma venda forçada de imóveis pelos fundos de investimento possa servir como catalisador a uma queda profunda nos preços dos imóveis comerciais, como aconteceu durante a crise financeira de 2008.

"Um movimento geral de queda poderia surgir muito rapidamente no mercado", disse Robert Duncan, analista da Numis Securities.

Os anúncios, que começaram a surgir na noite de segunda-feira (4), causaram queda nos preços das ações das administradoras de fundos e de empresas expostas ao mercado imobiliário.

A Legal & General mostrava queda de 6% até a metade da tarde. As ações da Aberdeen Asset Management estavam em queda de 6,1% e a Standard Life recuou em 3,5%. A Land Securities, maior companhia imobiliária do Reino Unido, registrava queda de 4,3%.

As notícias também reforçaram a pressão de queda sobre a libra, que atingiu sua marca mais baixa pós-referendo, cotada a US$ 1,3052, uma queda de 1,8% na sessão, conduzindo-a a níveis vistos pela última vez em 1985, com relação ao dólar.

Elas surgiram quando a Autoridade de Conduta Financeira, uma agência regulatória britânica, promoveu uma reunião com administradores de ativos a fim de discutir o impacto do voto pela Brexit, ainda que a agência não tenha revelado detalhes sobre os tópicos em discussão.

A M&G declarou na terça-feira que "os resgates agora chegaram a um ponto no qual a companhia acredita que a melhor maneira de proteger os cotistas do fundo seja buscar uma suspensão temporária na negociação de cotas".

Mike Prew, analista do banco de investimento Jefferies, disse que as vendas forçadas de ativos "inevitavelmente" conduziriam a "um círculo vicioso de destruição de valor" que afetaria também fundos de investimento imobiliário com cotas negociadas em bolsa.

Um administrador de fundos que acompanha o fluxo de capital pelo mercado disse que os resgates desde o referendo haviam sido promovidos por administradores de patrimônio com liberdade de atuação que haviam optado por transferir o dinheiro de seus clientes para outras categorias de ativos.

Os resgates se haviam moderado a partir da sexta-feira da semana passada mas "se todos os investidores correrem para a saída por causa da Standard Life, isso bastará para forçar os fundos a suspender a negociação de suas cotas", disse o administrador de fundos, que pediu que seu nome não fosse citado.

Nem todos os fundos de imóveis britânicos estão restringindo os resgates. O Legal & General, que opera um fundo imobiliário de 2,5 bilhões de libras aberto aos investidores de varejo, disse não ter planos de suspender os resgates. "O fundo retém mais de 20% de seu valor líquido de ativos em forma de ativos líquidos, a maioria dos quais dinheiro vivo", a administradora anunciou.

Os fundos vistos como mais propensos a restringir resgates são os abertos a investidores de varejo - que podem exigir seu dinheiro de volta com aviso prévio curto - e que retinham proporção menor de posições líquidas, como dinheiro ou ações do setor imobiliário, no período do referendo.

No final de maio, a M&G tinha 7,2% de seus ativos em dinheiro, a Aviva 9,3% e a Standard Life 13,2%.

Fundos imobiliários sem limite de captação controlam cerca de 5% do mercado de imóveis comerciais do Reino Unido hoje, ante 2% em 2007, antes da crise financeira, disse Prew, o que pode aumentar seu impacto sobre o mercado mais amplo.

Ao contrário dos fundos limitados, que operam com um volume predefinido de capital, os fundos ilimitados podem emitir cotas em quantidade quase ilimitada, e elevar e reduzir seu capital à medida que os investidores aplicam e sacam seu dinheiro.

O Banco da Inglaterra conduziu conversações com administradores de fundos de imóveis antes do referendo de 23 de junho sobre a permanência ou não do Reino Unido na União Europeia, discutindo os potenciais riscos de uma corrida a essas instituições em caso de votação pela saída.

Andrew Bailey, o novo presidente da Autoridade de Conduta Financeira, disse na terça-feira que estava em "contato estreito" com empresas que operam fundos imobiliários sem limite de capital. Ele disse que o banco central precisaria "voltar e contemplar a questão do ponto de vista da conduta e estabilidade sistêmica".

A Henderson, outra administradora de ativos, informou não ter tomado decisão sobre restringir ou não os resgates de seu fundo de investimento imobiliário de quatro bilhões de libras, mas que estava "acompanhando de perto a situação".

Os analistas antecipavam uma queda no valor dos imóveis comerciais depois da votação pela Brexit, dada a perda de apetite por escritórios em Londres de parte de empresas que estão considerando transferir funcionários para outros locais da Europa. A maioria dos fundos acessíveis aos investidores de varejo já havia reduzido em 5% o valor de seus ativos imobiliários.

A decisão dos fundos de proibir resgates representa um dos sinais mais concretos de que o choque da Brexit está se expandindo dos mercados financeiros ao setor imobiliário britânico. O impacto pode ser amplo, porque os imóveis se tornaram uma das escolhas mais populares para investidores de varejo em busca de rendimento, em uma era de juros baixos.

Em outro sinal de desgaste, os fundos de investimento imobiliário com cotas negociadas em bolsa estão sendo negociados com desconto médio de 32% ante o valor líquido de seus ativos, de acordo com o Jefferies. O "Relatório de Estabilidade Financeira" do Banco da Inglaterra apontou que o investimento estrangeiro em imóveis comerciais britânicos caiu em 50% no primeiro trimestre do ano.


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