Folha de S. Paulo


Desaceleração econômica da Argentina afeta redutos tradicionais do país

Luciana Dyniewicz/Folhapress
Livraria Adan Buenosayres, em Buenos Aires, está liquidando todos seus livros para fechar
Livraria Adan Buenosayres, em Buenos Aires, está liquidando todos seus livros para fechar

Pequenos mas tradicionais serviços e estabelecimentos da Argentina estão ameaçados pela desaceleração econômica. Símbolos da cultura do país, como milongas e livrarias, sofrem com a queda do consumo, que ficou em 2,3% no acumulado dos quatro primeiros meses deste ano ante o mesmo período de 2015.

A alta de até 500% na luz e no gás elevaram os gastos dessas pequenas empresas e acentuaram seus problemas. Diante desse cenário, a livraria Adan Buenosayres anunciou o fim de suas atividades depois de dez anos funcionando na avenida Corrientes, em Buenos Aires.

A via é o mais tradicional reduto do país de sebos e livrarias que vendem em atacado. Ali, os estabelecimentos ficam abertos até as 2h, o que eleva a demanda (e a conta) de luz.

Na Adan, as vendas caíram à metade desde o início do ano. Para o dono, David De Vita, a inflação, que começou a acelerar em janeiro, fez a população perder o poder de compra e passasse a adquirir só bens essenciais. Há 20 dias, ele anunciou uma liquidação para poder pagar os funcionários e fechar o ponto.

A notícia teve repercussão nos jornais, a população se comoveu e filas começaram a se formar na porta. Com o sucesso da promoção, De Vita pensa agora em transformar o local em uma cooperativa.

Na frente da Adan Buenosayres, a Edipo, aberta há 30 anos, também registrou recuo de 50% nas vendas. A conta de luz, que antes do reajuste das tarifas vinha a cada dois meses e ficava em 3.000 pesos (R$ 665), agora é mensal e está em 6.000 pesos.

"Só não fechamos porque o lugar é nosso e não pagamos aluguel", diz Humberto Lettieni em uma tarde de sexta sem nenhum movimento.

Os organizadores das clássicas milongas (estilo de música e dança) também reclamam do panorama econômico. Julio Bassan, presidente da Associação de Organizadores de Milongas, conta que, em média, o público caiu 30% e o preço do aluguel dos espaços subiu 20%. "Quem antes saía três noites por semana agora só sai uma."

Em programa de TV, o diretor da fábrica de doce de leite Vauquita (uma das mais tradicionais da Grande Buenos Aires), Luís Cuzmán, disse estar preocupado com a operação. A fatura de gás passou de 32 mil pesos (R$ 7.000) para 132 mil pesos (R$ 29 mil).

Em meio às reclamações, o governo de Mauricio Macri anunciou que dará um desconto nas contas de luz e gás para pequenas empresas e clubes de bairro. Nesta quarta (29), a Câmara dos Deputados deverá votar projeto que facilita o crédito e permite que essas empresas paguem o IVA (equivalente ao ICMS) de três em três meses.

O economista Mariano Lamothe, da consultoria Abeceb, diz que a demanda deverá subir no segundo semestre, atenuando a crise dos pequenos negócios. "O pior passou."

Lamothe lembra que essas empresas costumam sofrer mais em períodos de desaceleração econômica por terem uma margem financeira menor. Por outro lado, também são mais flexíveis e podem tentar mudar de mercado mais rapidamente que as grandes empresas.


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