Folha de S. Paulo


Financiamento coletivo e alta do dólar incentivam indústria de games no país

A indústria de games independentes —criados por pequenas empresas (com até 20 pessoas)— tem crescido no Brasil impulsionada pela alta cotação do dólar e pelo surgimento de modelos alternativos de financiamento, como o crowdfunding —em que fãs colaboram para tirar o projeto do papel.

Favorecido pelo momento promissor, o país recebe um dos maiores eventos de games independentes da América Latina, o BIG (Brazil Independent Game Festival), realizado entre 25 de junho e 3 de julho, em São Paulo.

Na última década, o número de pequenos estúdios aumentou. Em 2014, 75 das 120 empresas nacionais de games tinham menos de cinco anos de atividade, de acordo com pesquisa publicada pelo BNDES, a mais ampla já realizada sobre a indústria de games no país.

A pesquisa estima que o mercado de videogames movimenta mais de R$ 1 bilhão por ano no país. Entretanto, não existem dados precisos sobre a participação da indústria nacional de jogos nesse montante.

"No Brasil, a pirataria ainda rouba grande parcela do mercado, fazendo com que a maioria dos compradores dos games produzidos no país seja estrangeira, que paga em dólar", diz Bruno Campagnolo, coordenador do curso de desenvolvimento de jogos da PUC/PR. "Assim, a indústria nacional acaba se beneficiando dessa alta do dólar."

Divulgação/Aquiris Game Studio
O estúdio Aquiris, de Porto Alegre, é finalista do BIG Festival, maior feira de games independentes da América Latina
Estúdio Aquiris é finalista do BIG Festival, maior feira de games independentes da América Latina

Além disso, houve queda no preço das ferramentas de desenvolvimento dos games. O custo dos motores de jogo, softwares com os quais os games são construídos, caiu. "Nos anos 2000, um motor bom custava cerca de US$ 1 milhão. Hoje, um motor da mesma empresa [a Epic, que desenvolve o Unreal Engine] é gratuito", afirma o professor.

Para Campagnolo, a diminuição dos custos e a facilidade de colocar um produto no mercado fizeram surgir um público de nicho que busca experiências diferentes. Em apenas dois dias, por exemplo, é possível publicar um jogo para plataformas mobile na Google Play Store.

"Os games de grande porte têm a ambição de fazer um título para vender o máximo possível", diz. "Já o game independente tem essa pegada mais autoral, de refletir exatamente o que o desenvolvedor quer transmitir. Dá para fazer um paralelo com o cinema independente."

FINANCIAMENTO

Mais de mil pessoas trabalharam na produção de GTA 5, jogo desenvolvido em 2013 pelo estúdio americano Rockstar Games, que custou aproximadamente US$ 265 milhões. Em contrapartida, cinco estudantes de Brasília, sócios da start-up Behold Studios, trabalharam em Knights of Pen and Paper, de 2012. Eles se reuniam na cafeteria de uma livraria, sem nenhum investimento além de tempo livre.

O contraste revela a diferença entre dois segmentos da indústria dos games. Entretanto, ainda que distante das somas e infraestruturas envolvidas na produção de um jogo de grande porte, o desenvolvimento independente também requer investimento considerável, quando feito profissionalmente.

"O desafio [de trabalhar com orçamento limitado] é dar a impressão de que o jogo é complexo, quando na verdade é bem simples", afirma Saulo Camarotti, fundador do estúdio brasiliense Behold. Segundo ele, entre salários e outras despesas, o custo de produção de um jogo gira em torno de US$ 100 mil.

Entretanto, os fundos dos estúdios pequenos, muitas vezes, são escassos. A saída pode vir do apoio de fãs.

O último lançamento da empresa, Chroma Squad (2015), não foi viabilizado com recursos próprios, mas a partir de uma campanha de financiamento coletivo que arrecadou US$ 97 mil em cerca de um ano.

Consumidores interessados no conceito do jogo, baseado em séries japonesas como Power Rangers, podiam fazer pequenas doações para que o projeto saísse do papel. Quase quatro mil pessoas colaboraram.

Chroma Squad já arrecadou mais de R$ 3 milhões em vendas, de acordo com Camarotti.

A estratégia ajuda o Behold a se manter apenas com o trabalho de elaborar jogos autorais —algo improvável até o lançamento de Knights of Pen Paper, quando acumulavam outros empregos e produções por encomenda.

O estúdio paulistano Webcore Games, encontrou outro caminho. Em 2015, a empresa lançou o jogo My Night Job, para Playstation 4 e PC.

Cerca de 70% do custo de produção do jogo, estimado em R$ 400 mil, foi bancado por um edital da Spcine, empresa de fomento à produção audiovisual ligada à Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

Um dos sócios da Webcore Games, é Fernando Chiaris, que também é presidente de Abragames (Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos). Ele acredita que o receio dos grandes investidores ainda é um entrave a ser superado pela indústria.

"Os investidores ainda têm receio de apostar em empresas de games. Falta um pouco mais de acesso à dinheiro", afirma.

FESTIVAL

No dia 16 de maio, foram anunciados os finalistas ao prêmio de melhor jogo do BIG. Entre eles, estão jogos da Suécia, Polônia, Nova Zelândia, Estados Unidos e um representante nacional.

Horizon Chase, do estúdio porto-alegrense Aquiris, é um jogo de corrida inspirado nos videogames dos anos 90, feito para celular.

O Aquiris destoa da maior parte dos desenvolvedores independentes do país. Cerca de 60 pessoas, entre funcionários e sócios, trabalham na empresa, fundada em 2007.

O grupo atingiu sucesso comercial ao desenvolver "advergames", jogos encomendados por companhias como forma de publicidade. Entre os clientes do grupo, está o canal infantil de televisão paga Cartoon Network. Para a elaboração de jogos autorais, com conceito próprio, contam com o apoio de um sócio-investidor.

Israel Mendes, um dos cofundadores do Aquiri, afirma que o mercado independente ainda é instável. "Apesar da evolução constante, o mercado carece de maturidade profissional, qualificação técnica, ídolos, incentivos, entidades fortes e atuantes. Mas quem souber resistir e fizer as escolhas certas, tem um grande futuro pela frente", diz.

RAIO-X - DESENVOLVEDORES INDEPENDENTES

AQUIRIS GAME STUDIO
CIDADE: Porto Alegre
ANO DE FUNDAÇÃO: 2007
SÓCIOS: 8
FUNCIONÁRIOS: 60
FATURAMENTO EM 2015: Não divulga
TRAJETÓRIA: A empresa começou como uma start-up que trabalhava em projetos de realidade virtual. Depois, passou a desenvolver jogos publicitários para empresas. Em 2015, lançaram o jogo de corrida para celulares Horizon Chase, que foi indicado para o prêmio de melhor jogo do BIG, o maior festival de jogos independentes da América Latina.

BEHOLD STUDIOS
CIDADE: Brasília
ANO DE FUNDAÇÃO: 2009
SÓCIOS: 5
FUNCIONÁRIOS: 15
FATURAMENTO EM 2015: R$ 2 milhões
TRAJETÓRIA: Em 2012, os cinco estudantes que fundaram a empresa lançaram o jogo Knights of Pen and Paper, produzido nas horas livres em uma cafeteria. Três anos depois, fizeram um projeto de financiamento coletivo para produzir Chroma Squad, game que arrecadou mais de R$ 3 milhões em vendas.

WEBCORE GAMES
CIDADE: São Paulo
ANO DE FUNDAÇÃO: 1999
SÓCIOS: 3
FUNCIONÁRIOS: 15
FATURAMENTO EM 2015: R$ 1,5 milhão
TRAJETÓRIA: Os três sócios fundaram a empresa quando ainda estavam na faculdade. Começaram oferecendo serviços como construção de sites e aplicativos, mas a partir de 2007 começaram a produzir jogos publicitários e, eventualmente, pequenos games voltados para o público infantil. Em 2016, lançaram My Night Job, jogo financiado parcialmente por um edital da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

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SERVIÇO

BIG - Brazil Independent Game Festival

ONDE Centro Cultural São Paulo – Rua Vergueiro, n° 1000, Paraíso, São Paulo

DATA E HORÁRIO
Dias 25 e 26 de junho, das 14h até 22h;
Dia 28 de junho, das 10h até 22h;
Dia 29 de junho, das 9h30 até 22h;
Dia 30 de junho, das 9h30 até as 19h30;
Dia 1° de julho, das 9h30 até 22h;
Dia 2 de julho, das 13h30 até 22h;
Dia 3 de julho, das 14h até 22h.

PREÇO A entrada para as palestras e para a mostra de jogos é gratuita. Para empresas que queiram participar das rodadas de negócios, o valor é de R$ 500.

SITE http://principal.bigfestival.com.br/2016/

E-MAIL contato@bigfestival.com.br


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