Folha de S. Paulo


Banco central dos EUA reafirma cautela por Brexit e desaceleração de contratações

Kevin Lamarque/Reuters
Presidente do Fed, Janet Yellen, observa o líder americano, Barack Obama
Presidente do Fed, Janet Yellen, observa o líder americano, Barack Obama

Atiçado pelo ano eleitoral, o Congresso americano fustigou a presidente do Fed (Federal Reserve, o banco central americano), Janet Yellen, sobre a decisão de adiar novamente a subida da taxa básica de juros —a última alta ocorreu em dezembro (de zero a 0,25% para 0,25% a 0,5%). Yellen foi sabatinada nesta terça-feira (21), em sua audiência semianual no comitê financeiro do Congresso.

A turbulência do mercado internacional, com o freio na expansão chinesa e o plebiscito do Brexit, são fatores que impactam a economia doméstica, disse Yellen, que defende a cautela.

Uma decepcionante adição de 38 mil trabalhadores, 24% do número inicialmente projetado para maio, também pesou na "postura cautelosa" do Fed.

Evolução da taxa de juros dos EUA, em % -

O ataque veio sobretudo da ala republicana, que faz oposição ao presidente Barack Obama.

O momento não era favorável a ela: uma semana antes, o Fed havia postergado mais uma vez o aumento dos juros.

Na ocasião, a chefe da instituição deu uma longa coletiva de imprensa sobre a deliberação do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês). Ela repetiu argumentos perante membros do Senado —nesta quarta (22), ela dará seu depoimento na Câmara dos Deputados.

Semanas antes, o Fed dera sinais que poderia subir a taxa "nos próximos meses".

ENTENDA

Juros baixos ajudam a movimentar o mercado interno, medida que prevaleceu durante quase uma década, na esteira da pior crise desde a Grande Depressão de 1929.

Elevá-los, contudo, seria um recado de que a economia já está suficientemente saudável, e a política monetária pode voltar a patamares passados.

Em sua última audiência no Congresso, em fevereiro, ela expressara otimismo: o desemprego estava sob controle, os EUA cresciam num ritmo modesto porém constante.

Dias depois, o banco elevou a taxa básica de juros (que equivale à Selic brasileira) de zero a 0,25% para 0,25% a 0,5%.

A medida foi vista como voto de confiança na economia doméstica, que se recuperava de quase uma década de crise, mesmo no meio de uma crise internacional.

O último aumento havia sido em junho de 2006, quando os juros escalaram pela 17 vez consecutiva, chegando a 5,25%.

Criação de vagas de emprego nos EUA - Em mil

INCERTEZAS

Como já fizera na semana passada, quando afirmou que não poderia mais estipular um cronograma, Yellen recalibrou seu discurso, indicando que o banco quer mais garantias de robustez econômica.

A mudança de tom veio após a criação de 38 mil postos de trabalho nos EUA em maio, 120 mil a menos do que o previsto.

Diante desse resultado, monitorado "para ver se é transitório como acreditamos que é", disse, "a abordagem cautelosa permanece apropriada".

Outras expectativas do Fed, como crescimento anual de 2% nos próximos três anos, inflação na casa dos 2% (hoje é a metade disso) e desemprego abaixo dos 5%, continuam valendo.

Desemprego nos EUA - Em %

BREXIT E CHINA

Yellen citou preocupações com a instabilidade internacional.

A desaceleração do crescimento chinês e o Brexit (Britain exit, saída britânica), plebiscito que decidirá nesta quinta (23) se o Reino Unido continua na União Europeia, são pontos que influenciam a política monetária do Fed.

A gestão Obama advoga pela permanência no bloco, e Yellen respondeu que uma vitória do Brexit poderia conduzir "a um período de volatilidade" nos mercados financeiros do planeta.

DESEMPREGO

O senador democrata Sherrod Brown (Ohio), cotado como possível vice da virtual candidata do partido à Casa Branca, Hillary Clinton, citou a demografia do desemprego no país.

Embora a média seja historicamente baixa (4,7%), alguns grupos são mais afetados.

Em abril, segundo o Departamento do Trabalho, cerca de 9,5% dos homens afroamericanos estavam fora do mercado, contra 4% dos brancos e 5% dos hispânicos.

Entre mulheres, o desemprego atingiu no mesmo mês sobretudo as negras (6,9%), contra 6,5% das hispânicas e 4% das brancas.

O que é FED

CINCO BANCOS

Outra senadora na lista de potenciais vices de Hillary, Elizabeth Warren (Massachusetts) questionou se o Fed pretende impor sanções caso cinco dos maiores bancos americanos falhem em revisar regras internas para falência.

J.P. Morgan Chase & Co., Wells Fargo & Co., Bank of America Corp., Bank of New York Mellon Corp. e State Street Corp têm até outubro para responder a órgãos reguladores se têm planos de liquidação extrajudicial que não prejudiquem seus credores.

A sabatinada se esquivou da pergunta: disse que o Fed só consideraria a punição adequada se as instituições não dessem respostas satisfatórias até o prazo estabelecido.

RECESSÃO

Yellen apontou como "muito baixa" a chance de novo recuo da economia americana, "que está indo bem".

Apesar da retração nos postos de trabalho, o consumo das famílias americanas recupera o fôlego, segundo a presidente do Fed.

"Continuo bastante otimista", afirmou. Sinais clássicos de recessão são mais comuns quando a economia está superaquecida, com inflação alta, o que não é o caso.

A confiança de Yellen, contudo, esbarra na do setor privado. Em sondagem do "Wall Street Journal", um em cada cinco economistas viram possibilidade de recessão.

DIVERSIDADE

Yellen, que em 2014 tornou-se a primeira mulher presidente em cem anos de Fed, disse que a instituição trabalha para ampliar a diversidade interna, sobretudo nas bancas regionais.

"Estamos fazendo algum progresso, mas quero um progresso maior", disse.

Segundo Yellen, minorias preenchem 24% do quadro de diretores, e mulheres são 30%.

A senadora Elizabeth Warren cobrou postura mais pró-ativa para assegurar uma liderança mais diversa no Fed.


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