Folha de S. Paulo


Mudança repentina nas regras traz tensão ao setor de petróleo, diz presidente da Shell no Brasil

Mauro Pimentel/Folhapress
RIO DE JANEIRO, RJ, 09.06.2016: RETRATO ANDRE ARAUJO PRESIDENTE DA SHELL - Entrevista com o presidente da Shell no Brasil, Andre Araujo, no prédio da empresa na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. (Foto: Mauro Pimentel/Folhapress, FSP-FOTO) ***EXCLUSIVO FOLHA***
Presidente da Shell no Brasil, Andre Araujo

Ao mesmo tempo em que consolida a visão de que o investimento privado é importante, o Brasil vem tomando medidas que podem inviabilizar projetos no setor de petróleo e gás. A opinião é do presidente da Shell Brasil, André Araújo, para quem a instabilidade política é um entrave menor do que mudanças repentinas na regulação do setor, como os aumentos de impostos no Rio.

"Essas discussões trazem muita tensão", diz. Araújo afirma que o setor de petróleo pode ajudar a tirar o país da crise e se apresentou como interessado em leilões do pré-sal caso o projeto de lei que flexibiliza as regras seja aprovado no Congresso.

Ele defende, porém, medidas de apoio ao setor, como a renovação do regime tributário Repetro, que isenta de impostos equipamentos petrolíferos, e mudanças nas regras de conteúdo local.

A companhia tem forte presença nos mercados de distribuição de combustíveis –com 11,3% dos postos no país– e produção de etanol e, após a fusão com a britânica BG, concluída neste ano, tornou-se a maior produtora privada de petróleo do Brasil.

Comandando a maior parceira da Petrobras no pré-sal, Araújo diz que a busca por mais independência da estatal em relação ao governo soa "como música".

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Folha - A Shell iniciou o processo de incorporação da BG em um momento conturbado do país. Como isso influencia o processo?
André Araújo - A instabilidade não é uma questão só do Brasil. Hoje, o que a gente mais tem no mundo é instabilidade. Nós temos 103 anos de Brasil e já vivemos momentos melhores e piores do que este. A gente sempre entendeu que, no fim do dia, o país encontra seu caminho e consegue retomar um ambiente favorável ao investimento.

O corte de investimentos anunciado pela empresa na semana passada afeta as operações brasileiras?
Estamos falando em limite de investimento anual, até 2020, entre US$ 25 bilhões e US$ 30 bilhões. É muito dinheiro. E o grande desafio é buscar os projetos que são mais atrativos e os países em que a atratividade é melhor.

O Brasil está entre os países mais atrativos?
Essa é uma mensagem que eu passo para o governo: da mesma forma que nós estamos fazendo o nosso exercício de eficiência e de redução de custos, todos os países procuram, cada vez mais, formas de atrair os investimentos. O Brasil é um país que a gente optou por investir, mas há sempre ajustes a serem feitos. Temos uma agenda junto com a indústria, de medidas que podem tirar qualquer dúvida em relação a estabilidade e previsibilidade.

Quais são?
A primeira é o regime [de isenção fiscal] Repetro, que vence em 2019, e precisamos ter a segurança de que será estendido.
Outro ponto é a questão da unitização de campos [quando uma reserva se estende além dos limites da concessão]. É importante entender como serão as regras.
E outro é a adequação do conteúdo local, em função da capacidade da indústria nacional de entregar sem comprometer os investimentos.

O governo interino tem falado que quer maior participação do setor privado na economia. O sr. espera mudança significativa no setor de petróleo?
Eu acho que há uma solidificação da importância de se atrair investimentos. E o que a indústria de óleo e gás pode oferecer para o país é uma rápida mudança nesse momento em que só se fala de crise. O nosso setor é um setor de commodities, que está menos relacionado com a crise no país, e tem investimentos de capital intensivo. Então o setor de óleo e gás pode rapidamente mudar, com aqueles pequenos pontos endereçados, o ambiente do país.

Mas o que vemos recentemente é o contrário: uma série de iniciativas para aumentar a arrecadação com o petróleo, como a criação do ICMS no Rio e a revisão do cálculo dos royalties...
São movimentos ruins, que criam aumentos de custos. Cada decisão dessas, de um novo imposto ou de modificação de regras, pode significar mais arrecadação, mas também impacta no resultado dos projetos.

Já calcularam se isso inviabiliza projetos da Shell?
Não vou colocar números específicos, mas sem dúvida nenhuma inviabiliza vários projetos. Essas discussões trazem muita tensão.
A Shell está em 80 países e, da mesma forma que eu levo para o grupo projetos de investimento, outros 79 presidentes da Shell de outros países também estão buscando atrair investimentos. E o valor do investimento global está limitado agora. É um ambiente de escolhas.

Com a eventual flexibilização das regras do pré-sal, a Shell vai disputar os leilões?
Respeitamos as escolhas do país, mas sempre fomos favoráveis a um ambiente de múltiplos operadores. Isso é bom para nós, porque nos dá flexibilidade, e é bom para o país, porque cria um ambiente no qual mais empresas podem trazer inovação e com mais compradores da cadeia de óleo e gás. Em um cenário de abertura, sem dúvida a gente vai buscar essa possibilidade.

Mas o pré-sal é viável ao preço atual do petróleo, de cerca de US$ 50 o barril?
Nossos investimentos são sempre analisados olhando o longo prazo. A gente não toma uma posição pensando num determinado patamar de preços. A gente olha o horizonte de 25 a 30 anos. E o nosso desafio é ter projetos cada vez mais sustentáveis a preços de petróleo baixos como estão hoje.

Após a fusão com a BG, a Shell é compradora ou vendedora de ativos no Brasil?
Nós vamos buscar novas oportunidades. Essa é a posição que o CEO da companhia [Ben Van Beurden] colocou quando esteve no Brasil.

Fora da área de exploração e produção também?
Sim. Águas profundas é o foco global do grupo e o Brasil tem potencial grande para isso. Mas a gente tem discutido potenciais projetos na área de gás natural. Acreditamos que o Brasil pode ser um ambiente também para forte crescimento no mercado de gás.

A ideia é importar gás?
Tanto faz. Nós temos uma posição privilegiada de gás natural na bacia do Atlântico e, com a aquisição da BG, temos produção de gás no país. Então, para nós, o país é sem dúvida uma oportunidade.

Como a Shell vê a situação atual da Petrobras, com a Lava Jato e a crise financeira?
A gente reconhece que a Petrobras está passando por um momento de grandes desafios. É um momento de bastante estresse. Mas as ações que a Shell tomou nesses últimos anos, particularmente com a aquisição da BG, demonstram nosso entendimento de que a Petrobras pode sair dessa crise melhor do que ela está hoje. Nós somos otimistas com a capacidade de resposta da Petrobras.

A troca no comando da estatal pode reduzir o risco de novas práticas ilegais?
A gente já vinha encontrando na Petrobras um ambiente em que, nas atividades em que a gente trabalha junto, a empresa vinha buscando se manter bastante independente, olhando seus interesses.
O que a gente sente dos primeiros sinais que estão sendo dados agora é exatamente seguir com o objetivo de manter a companhia independente, fortalecendo a capacidade técnica.
E isso tudo é música para os nossos ouvidos.


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