Folha de S. Paulo


Forte queda nas contratações dos EUA reduz chance de alta de juros em junho

Shannon Stapleton - 18.abr.2016/Reuters
Greve de um mês na Verizon deprimiu o crescimento de emprego em 34 mil vagas
Greve de um mês na Verizon deprimiu o crescimento de emprego em 34 mil vagas

Em um sinal perturbador de que a recuperação econômica pode ter sofrido uma pausa, mesmo que temporária, o governo dos Estados Unidos reportou na sexta-feira (3) que os empregadores do país elevaram sua força de trabalho em apenas 38 mil pessoas em maio. A queda significativa no número de contratações deve levar o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) a postergar um possível aumento de juros.

A taxa oficial de desemprego caiu de 5% para 4,7% no período, mas a queda foi causada principalmente por americanos que saíram da força de trabalho.

"Rapaz, esse é um péssimo resultado", disse Diane Swonk, economista independente radicada em Chicago. "As perdas foram maiores e tiveram base mais ampla do que esperávamos e, com a revisão para menos nos números de meses anteriores, o Fed deve pausar os aumentos de juros".

Criação de vagas de emprego nos EUA - Em mil

Os números do emprego em maio foram afetados pela greve que paralisou mais de 35 mil trabalhadores da Verizon, e que pelos critérios do Departamento do Trabalho foram considerados como desempregados no cômputo de maio. Com o retorno desses funcionários da Verizon ao trabalho, Swonk e outros analistas acreditam que o mês que vem registrará avanço adicional de entre 35 mil e 40 mil empregos.

"A única boa notícia é que os salários ficaram firmes", disse Swonk. O pagamento médio por hora voltou a subir, em 0,2%, com ganho acumulado de 2,5% no ano.

Desconsiderada a distorção causada pela greve da Verizon, o avanço médio no número de postos de trabalho em 2016 ficou bem aquém da média de quase 240 mil nos dois anos precedentes, um ritmo que vinha ajudando a estimular a economia e que reduziu à metade o desemprego registrado nos piores momentos da recessão.

Os números do emprego demonstraram enfraquecimento ainda maior com as revisões divulgadas na sexta-feira quanto aos cálculos para março e abril, que reduziram em 59 mil o número de postos de trabalho criados nesses dois meses. Nos três últimos meses, a criação de empregos média foi de apenas 116 mil postos ao mês. O avanço de maio representa o ganho mais baixo desde setembro de 2010.

Nas últimas semanas, dirigentes do Fed vinham sinalizando consistentemente a intenção de elevar os juros de seu patamar muito baixo, assim que estivesse claro que a economia tem força suficiente para absorver o aumento. Falando em um fórum em Cambridge, Massachusetts, na semana passada, Janet Yellen, presidente do Fed, disse que seria apropriado elevar os custos de captação "nos próximos meses" se o crescimento continuasse a ganhar impulso e se "o mercado de trabalho continuar a melhorar".

O comitê de política monetária do Fed tem suas três próximas reuniões regulares marcadas para a metade de julho, final de julho e setembro.

Desemprego nos EUA - Em %

"Eu diria que junho pode ser excluído", disse Carl Tannenbaum, economista chefe da Northern Trust, apontando que os dirigentes do Fed declararam repetidamente que sua posição "dependeria dos dados". Ele apontou para a criação lenta de empregos, para o declínio da participação na força de trabalho pelo segundo mês consecutivo e para o número de pessoas que estão trabalhando apenas em tempo parcial por razões econômicas, e disse que "isso tudo é decepcionante".

Os investidores descartaram completamente a possibilidade de uma alta dos juros em junho, depois dos mais recentes indicadores. A probabilidade de um aumento em junho, tal qual implicada pelos preços dos ativos, caiu de 21% para 6% nas operações iniciais do dia, de acordo com o CME Group. A probabilidade de um aumento em setembro caiu de cerca de 65% para 50%.

É como se o mercado estivesse escutando "See You In September", sucesso do The Tempos em 1959.

As contratações foram fracas em todos os setores, com declínios especialmente fortes na construção, indústria e mineração, além da queda registrada nos serviços de informação como resultado da greve na Verizon.
O governo Obama reconheceu que o ritmo mais lento de criação de empregos é decepcionante.

"Os números deste mês são um lembrete do importante trabalho que ainda resta fazer para sustentar um crescimento mais rápido do emprego e do salário, o que inclui investir em infraestrutura e treinamento profissional, implementar acordos de comércio internacional de alto padrão como a Parceria Transpacífico e elevar o salário mínimo", disse Jason Furman, o presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, em declaração postada no site da presidência.

Donald Trump, o virtual candidato do Partido Republicano à presidência, não demorou a reagir no Twitter, escrevendo: "Números terríveis reportados para o emprego. Só 38 mil postos criados. Bomba!"

As preocupações quanto à economia são refrão muito repetido entre os partidários de Trump, bem como pelos adeptos restantes da pré-candidatura do senador Bernie Sanders à indicação presidencial democrata.

Patrick O'Keefe, diretor de pesquisa econômica da CohnReznick, uma consultoria tributária e contábil, argumentou que 5% de desemprego hoje são um indicador diferente da capacidade ociosa do mercado de trabalho do que um índice de desemprego de 5% teria sido antes da recessão, em 2007.

Se a economia tivesse mantido índice de participação na força de trabalho semelhante ao que existia antes da crise, haveria mais nove milhões de pessoas em busca de emprego hoje.

"O fato de que pessoas tenham optado por sair da força de trabalho por se sentirem desencorajadas não significa que elas não estejam disponíveis para trabalhar", ele disse. "Significa apenas que a economia não está gerando empregos com nível suficiente de remuneração para atrai-las de volta".

Um indicador mais amplo de desemprego, que incluiria as pessoas que desistiram de procurar emprego e aquelas que se acomodaram a postos de tempo parcial por não conseguirem encontrar empregos de período integral, se manteve inalterado em 9,7%. Esse indicador vem se mantendo abaixo mas próximo de 10% há seis meses.

Embora a aposentadoria da geração baby boom (os norte-americanos nascidos entre 1946 e 1964) deva trazer como resultado uma participação inferior na força de trabalho nacional, O'Keefe se declarou especialmente preocupado com o declínio significativo na participação entre as pessoas em idade produtiva plena.

"Para suas decisões de política monetária, o Fed continua a se concentrar em um indicador mal ajustado, que não reflete a realidade da economia atual", disse O'Keefe, antigo vice-secretário assistente no Departamento do Trabalho.

Em todas as gerações ativas, muita gente continua a não participar da força de trabalho da maneira que havia planejado. "Muitos podem estar trabalhando na economia informal, fazendo serviços aqui e ali mas sem um emprego sustentável", ele disse.

Os trabalhadores do setor público —carteiros, motoristas de ônibus, professores e policiais— tampouco recuperaram o terreno perdido durante a recessão. Se acrescentarmos às perdas o crescimento natural do emprego que teria sido necessário para acompanhar a expansão populacional, o emprego do setor público está 1,8 milhão de postos abaixo do que deveria, disse Elise Gould, economista do Instituto de Política Econômica, uma organização de pesquisa de orientação trabalhista em Washington.

Dan Finnigan, presidente-executivo da Jobvite, uma empresa de recrutamento de pessoal que atende companhias iniciantes, disse que "a ansiedade dos candidatos a emprego quanto ao mercado de trabalho está crescendo", e a maioria dos pesquisados por sua empresa expressou preocupação de que seus empregos venham a ser eliminados por avanços na tecnologia.

Ainda que a criação de empregos se tenha mantido firme em toda a plataforma da Jobvite, Finnigan disse ter observado queda perceptível na abertura de empresas de tecnologia na Califórnia e em Nova York.
"Acredito que haverá uma fuga para a segurança", ele disse, com trabalhadores capacitados para empregos tecnológicos sendo atraídos por empresas maiores, capazes de oferecer salários melhores e mais segurança, em lugar de optarem pela perspectiva de uma maior recompensa futura, mas acompanhada por maiores riscos.

Nem todo mundo vê fraqueza nas contratações, até o momento. Tom Gimbel, presidente-executivo da LaSalle Network, uma companhia de recrutamento de pessoal em Chicago, disse que "em uma economia fraca, os primeiros cortes e as primeiras suspensões de contratações acontecem nos postos executivos - pessoas com salários de entre US$ 75 mil e US$ 125 mil por ano -, e ainda não vi esse tipo de corte. O mercado continua forte. Ainda tenho clientes que estão contratando".

No extremo mais baixo da escala salarial, porém, Gimbel diz que os empregadores vêm pensando sobre como serão afetados pela recente decisão do governo Obama de ampliar as faixas salariais com direito a pagamento adicional por horas extras. "Eles estão preocupados quanto a contratar pessoas em determinados patamares", disse o recrutador. A partir de 1º de dezembro, as empresas terão de pagar horas extras de 150% do valor base para a maioria dos funcionários com remuneração anual de até US$ 47.476, ante o limite de US$ 23.660 que vigora por enquanto.

Aumentos do salário mínimo já entraram em vigor em alguns lugares e podem ser responsáveis pela alta na remuneração por hora de trabalho.

Uma pesquisa entre 220 executivos conduzida no primeiro trimestre pela grupo de auditoria e consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC) constatou que a maioria deles planejava elevar seus quadros de pessoal em 2016, mas a proporção foi inferior à registrada em 2015.

"O declínio na confiança dos empresários era perceptível, no primeiro trimestre", disse Shawn Panson, sócio da PwC.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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