Folha de S. Paulo


Meirelles é 'realista' ao sinalizar alta de impostos, diz Armínio Fraga

Mauro Pimentel/Folhapress
Armínio Fraga, economista e ex-presidente do Banco Central
Armínio Fraga, economista e ex-presidente do Banco Central

O novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é "pragmático e realista" ao sinalizar que pode elevar impostos.

Mas, para o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, seria mais sábio centrar esforços em reformas (como a previdenciária e a trabalhista) e na desvinculação de receita para que o Brasil volte a crescer.

"Eu, pessoalmente, não gosto da CPMF, acho que seria um aumento pequeno. O melhor seria focar na reforma da Previdência e [seguir] o caminho da desvinculação do orçamento", disse nesta segunda (16), após café da manhã promovido pela Câmara de Comércio Brasil-EUA, no Harvard Club, em Nova York.

"Isso sim teria um impacto enorme, inclusive abrindo espaço para se criar governo mais eficiente. Aí é ganho-ganho, não ganho-perde."

Fraga —que recebe nesta terça-feira (17), na Câmara de Comércio, o Prêmio de Personalidade do Ano— se disse preocupado com o Plano Nacional da Educação aprovado pelo Congresso, que adicionará cinco pontos extras ao PIB (Produto Interno Bruto). "Creio que é um número absolutamente inviável. Não há CPMF que resolva isso."

Ele já havia criticado a proposta educacional minutos antes, a uma plateia de economistas e investidores. "Do ponto de vista orçamentário, isso é louco."

Afirmou esperar que centrais sindicais cedam e apoiem mudanças na legislação que mexam com questões trabalhistas —como impor idade mínima para aposentadoria. "Os sindicatos precisam olhar esses números com cuidado e pensar no futuro do país, nas próximas gerações, em seus filhos e netos. Espero que apoiem [as reformas], isso é muito sério."

"Reconstruir" a Petrobras também será vital para estancar a crise econômica —e, para o sócio da Gávea Investimentos, isso pode incluir "vender áreas de negócios que não são parte do business principal da empresa".

Fraga criticou o comportamento do setor privado no governos Lula e Dilma. "Boa parte embarcou nessa canoa furada e foi parceira" de um "Estado que oferece favores".

"Empresariado tem que ficar na fábrica, e não em Brasília tentando obter vantagens", disse.

Em sua opinião, a Presidência interina de Michel Temer pode colher frutos em breve. "Se o governo largar bem, já é possível no segundo semestre a economia dar alguns sinais de vida."

Fraga era um dos nomes mais cotados para assumir a Fazenda. Não quis. "Não acreditava que eu era a pessoa certa, que era a hora pra mim", afirmou.

"Não penso tão longe no futuro, não descarto nem considero [ser ministro]. Não é objetivo de vida voltar ao governo, mas pode ser que ocorra mais adiante."

VAI, BRASIL

Fraga passou 18 dos 22 minutos de sua palestra traçando um panorama caótico do Brasil, para uma plateia que incluiu Zélia Cardoso de Mello, ex-ministra da Fazenda de Fernando Collor.

Por um momento parecia que o Brasil daria certo, disse. Quando, por exemplo, Lula assumiu a Presidência e, "de forma surpreendente, ignorou o programa do seu próprio partido e seguiu o modelo [econômico] do antecessor". Hoje, a economia está "quebrada, na loja de conserto".

Força motriz da gestão Dilma Rousseff, a nova matriz econômica teria apostado as fichas num modelo errado, de "intervenção, subsídios, uso pesado de bancos estatais, protecionismo contra a concorrência internacional", o que "desconectou o país do planeta".

E o problema não é só econômico, afirmou. Uma "série de gigantescos escândalos de corrupção" ajudou a afundar o país, e o atual "talvez seja o clímax" numa longa fila puxada pelo impeachment de Collor, os anões do orçamento e o mensalão.

O processo de impeachment contra Dilma Rousseff, segundo Fraga, pode ser "desagradável", mas fará bem "para o futuro do país". "Uma vez que isso passe, é provável que tenhamos outro Brasil."

Ele elogiou a iniciativa do agora presidente interino Temer em divulgar, em 2015, a "Ponte para o Futuro", documento com diagnósticos sobre a economia brasileira.

Viu lá "muitas ideias importantes" com potencial de parar "esse desastre que estamos experienciando".

Da plateia, veio a pergunta: acreditava que as reformas que defende, como a previdenciária e a trabalhista, teriam apoio da sociedade? Para o economista, "não há opção agradável no momento", mas esse seria o caminho menos desconfortável.

Fraga também criticou um "comportamento esquizofrênico" adotado nos últimos anos: o Banco Central tentava baixar a inflação, mas o governo continuava expandindo crédito e estimulando a economia.

Ex-presidente do BC e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas, Carlos Geraldo Langoni também falou à plateia e saudou: "Bem-vinda de volta, privatização".

"Finalmente, estamos falando essa palavra de novo, e dessa vez sem vergonha."

O modelo ocupou espaço nas últimas campanhas presidenciais, nas quais o PT tentou colar no PSDB a pecha de "vendedor do patrimônio público".

Langoni arrancou risadas da plateia ao dizer que a política brasileira é tão surpreendente que faz 'House of Cards' parecer uma série da Disney".


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