Folha de S. Paulo


Privatização não é panaceia, afirma ex-diretora do FMI

Jefferson Dias/Valor/Folhapress
Data: 10/03/2009 Editoria: Financas Reporter: Maria Christina R Carvalho Local: Sao Paulo, SP Empresa: * Setor: financeiro Pauta: Palestra sobre a crise Personagem: Teresa Ter-Minassian, Economista e Consultora Especial do Diretor-Presidente do FMI (Fundo Monetario Internacional). Foto: Jefferson Dias/Valor ***FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS***
Teresa Ter-Minassian, foi responsável por negociar, pelo FMI, socorro ao Brasil nos anos 1990

O Brasil precisará enfrentar alguns tabus se quiser voltar a crescer, diz a italiana Teresa Ter-Minassian, 72.

Precisará rever a obrigatoriedade dos gastos em educação e saúde, reduzir –e não aumentar, como defendem empresários– o teto do Simples. Na lista, não está uma nova rodada de privatizações, saída encontrada pelo Brasil para crises do passado.

Responsável por negociar, pelo FMI, socorro ao Brasil nos anos 1990, ela diz que com medidas críveis o país ficará longe do Fundo. Ter-Minassian vem ao Brasil nesta semana para discutir a situação fiscal do Brasil em seminário organizado pela FGV e FMI.

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Folha - Por que retirar a obrigação de gastar um percentual do PIB em saúde e educação?

Teresa Ter-Minassian - Quando o crescimento do gasto está assegurado pelo crescimento do PIB, não há estímulo para, com o mesmo nível de gasto, melhorar o desempenho dos programas.

É bastante raro ter esse tipo de requerimento, seja em países desenvolvidos, seja em países em desenvolvimento. Por exemplo, no Chile, a lei veda qualquer fixação desse tipo. Em outros países, como o Equador, onde havia o requerimento, a legislação foi alterada.

No médio prazo, será necessário ainda reformar a administração pública.

Que tipo de reforma? Uma nova rodada de privatizações?

Privatizações não são uma panaceia. No Brasil, as privatizações dos anos 1990 funcionaram bem, mas depois podemos notar que houve uma reversão, haja vista o grau de interferência do governo nas empresas públicas, como Petrobras e Eletrobras. Melhorar a governança dessas empresas é fundamental.

Para alguns economistas é inevitável aumentar impostos. Os empresários são contra, mas a população pede mais serviços públicos. Como resolver o impasse?

Há muito a fazer melhorando a qualidade dos serviços públicos sem aumentar os gastos. Pode ser necessário, no curto prazo, ter um pequeno, porém não muito forte, aumento da carga tributária. Mas o que seria importante para reduzir o deficit primário é fazer os gastos acompanharem a receita.

Também seria importante que medidas de aumento de arrecadação fossem acompanhadas de racionalização do sistema tributário. Um exemplo é o Simples. Foi uma boa iniciativa no princípio, mas reduzir o teto seria uma boa medida, geraria recursos e, ao mesmo tempo, eliminaria os incentivos de as empresas se manterem pequenas.

Há previsões de que a dívida poderá chegar, nos próximos anos, a 90% do PIB [hoje é de 67%]. Existe risco de calote?

Não é um risco de curto e médio prazo. No curto prazo pode se fazer alguma coisa, como a CPMF e cortes de gastos discricionários [voluntários], mas não é suficiente para chegar ao equilíbrio.

Nos próximos dois ou três anos, será necessário ter um programa que restabeleça o superavit primários, que permitiria a redução das taxas de juros e estimularia o crescimento econômico.

Mais importante do que o nível [da dívida], são as perspectivas de médio prazo. Se elas são de que a dívida vai continuar crescendo, sem inflexão, os juros não vão se reduzir, provavelmente vão continuar a aumentar, e isso cria uma situação explosiva.

Existe risco de o Brasil voltar a pedir ajuda ao FMI?

Tenho visto artigos que o Brasil deveria ir ao FMI para recuperar credibilidade. Eu acho que, se o governo anunciar medidas críveis nos próximos anos, não precisará de apoio do FMI, tampouco de apoio financeiro.

As ajudas do Fundo são principalmente para crises de balanço de pagamentos, e o Brasil, até agora, tem bastante dinheiro nas reservas e a dívida externa não é elevada; a conta- corrente está ajustada. A limitação é interna.

Não vejo problemas aí, vejo problemas de falta de crescimento. E, para resolver isso, é necessário um ajuste fiscal, que permita uma perspectiva de longo prazo, e não simplesmente viver como se está vivendo, de um dia para outro, porque isso desestimula as pessoas e as empresas a tomarem riscos e investir.

As crises dos balanços de pagamentos eram recorrentes no passado. Hoje não temos essa crise, mas a recessão é mais profunda. É pior?

A crise de 1998/99 foi resolvida rapidamente, com pouco custo na atividade. Era mais fácil, porque estava claro que o problema fundamental era de competitividade.

O governo fez um ajuste fiscal porque havia menos rigidez e havia mais espaço para subir a carga tributária.

O triste é que o Brasil não aproveitou o período de vacas gordas. Os anos 2000 foram de forte crescimento mundial, havia espaço para fazer reformas que ajudariam a economia a crescer sem os gargalos que acabaram gerando inflação.

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RAIO-X TERESA TER-MINASSIAN, 72

FORMAÇÃO

Direito na Universidade de Roma e economia em Harvard

CARREIRA

Banco Central da Itália (1967-78) e FMI (1971-2008), onde foi vice-diretora para o Hemisfério Ocidental e diretora do departamento de assuntos fiscais. É consultora


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