Folha de S. Paulo


Governo Obama impede US$ 370 bi em fusões e aquisições entre empresas

Gary Cameron/Reuters
U.S. President Barack Obama delivers remarks on the economy in the White House press briefing room in Washington April 5, 2016. REUTERS/Gary Cameron ORG XMIT: WAS106
Barack Obama critica mudança de empresas americanas para outros países

Companhias norte-americanas abandonaram US$ 370 bilhões em transações de grande porte desde que o presidente Barack Obama assumiu o poder, em 2009. Isso porque as autoridades regulatórias de seu governo bloquearam um número sem precedente de transações em defesa da competição, do emprego e da base tributária dos Estados Unidos.

As grandes empresas norte-americanas reagiram com desalento na terça-feira (5) a novas regras propostas pelo Tesouro dos Estados Unidos, que buscavam pôr fim às transações de inversão tributária, usadas por empresas norte-americanas para se transferirem a jurisdições de tributação mais baixa.

A medida levou ao cancelamento da tomada de controle da Allergan, sediada em Dublin, pela Pfizer, em uma transação que somaria US$ 160 bilhões –US$ 190 bilhões incluídas as dívidas. A companhia farmacêutica norte-americana, fabricante do Viagra, transferiria seu domicílio tributário para a Irlanda, onde está registrada a fabricante do Botox, a fim de escapar a bilhões de dólares em impostos.

Foi a mais recente de uma série de intervenções por diferentes ramos do governo Obama, que bloqueou mais fusões e aquisições de alto valor do que nas eras Clinton e Bush filho somadas, de acordo com uma análise feita pelo "Financial Times" de transações abandonadas no valor de mais de US$ 10 bilhões.

OUTROS CASOS

Em 2014, a AbbVie desistiu de sua tomada de controle da irlandesa Shire, por US$ 55 bilhões –outra "inversão" que teria permitido que a empresa baixasse sua carga tributária nos Estados Unidos– depois de uma proposta semelhante de mudança de regras por parte do Tesouro americano.

O governo também bloqueou diversas grandes transações no setor de telecomunicações, em um esforço para proteger a competição. A Comcast retirou sua proposta de US$ 71 bilhões pela aquisição da Time Warner Cable, no ano passado, depois que o Departamento de Justiça sinalizou que tentaria bloquear a transação, que atraiu forte oposição de ativistas. Segundo eles, a ação criaria um monopólio no setor de banda larga e prejudicaria a "neutralidade da rede".

A AT&T também abandonou uma oferta de US$ 39 bilhões pela T-Mobile US em 2011, depois que o Departamento de Justiça abriu processo para tentar bloquear a união, e a tentativa da Nasdaq de tomar o controle da Bolsa de Valores de Nova York, por US$ 11 bilhões, foi prejudicada por questões antitruste.

Em contraste, o governo de George W. Bush bloqueou apenas uma grande transação, a tomada de controle da Hughes Electronic pelo grupo de TV via satélite EchoStar, por US$ 27 bilhões.

Duas grandes fusões ou aquisições foram impedidas no governo de Bill Clinton: a aquisição da fabricante de equipamento bélico Northrop Grumman pela Lockheed Martin, uma rival de maior porte, por US$ 12 bilhões, e a oferta de US$ 125 bilhões que a MCI WorldCom apresentou pela operadora de telefonia móvel Sprint.

"RETÓRICA ESQUERDISTA"

A postura intervencionista despertou a ira de Wall Street. Um grande investidor no ramo de ciências biológicas, que tem ações na Pfizer, Allergan e AbbVie, disse que o governo estava "construindo uma prisão artificial para as companhias farmacêuticas, em lugar de enfrentar a questão subjacente", em referência aos impostos relativamente altos para as empresas norte-americanas.

Um executivo de banco de investimento disse que a transação mostrava até que ponto a Casa Branca sucumbiu à "retórica esquerdista" que ganhou força depois da crise financeira e terminou personificada na campanha de Bernie Sanders à presidência.

No entanto, representantes do governo argumentam que a era da Obama coincidiu não só como uma série de inversões tributárias, mas com um nível sem precedentes de atividade no ramo de fusões e aquisições. Eles acreditam que alguns setores correm o risco de se tornarem não competitivos, depois de décadas de consolidação.

Em discurso na noite de quarta-feira (6), Loretta Lynch, secretária federal da Justiça dos Estados Unidos, disse que o Departamento de Justiça "não permitirá que os gestores elevem o valor para os acionistas à custa do consumidor individual".

Ela acrescentou que "a consolidação entre importantes competidores –especialmente em setores já concentrados– desperta sérias questões quanto a aumentos de preços, queda de produção, perda de qualidade e desaceleração na inovação".

O governo dos Estados Unidos mencionou preocupações antitruste, essa semana, ao abrir um processo para bloquear a tomada de controle acionário da Baker Hughes, uma companhia de serviços petroleiros, por sua rival Halliburton, por US$ 25 bilhões.

Debbie Feinstein, diretora da divisão de competição na Comissão Federal de Comércio (FTC) norte-americana disse ao "Financial Times" que "não há dúvida de que vamos ser agressivos contra a conduta de fusões que prejudiquem a competição e os consumidores. Esse é o nosso trabalho e o encaramos com muita seriedade e realizaremos com cuidado. Não temos medo de recorrer à Justiça".

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Negócios de empresas americanas que não foram adiante após ações do governo

BARACK OBAMA

Acordo de US$ 160 bi entre Pfizer e Allergan
Motivo para a desistência: benefícios fiscais com mudança de sede da empresa

Oferta de US$ 71 bi da Comcast pela Time Warner Cable
Motivo para a desistência: sinais de que EUA vetariam negócio por motivo de monopólio

Acordo entre AbbVie e a irlandesa Shire, por US$ 55 bilhões
Motivo para a desistência: benefício fiscal com mudança na sede da empresa

Proposta de US$ 39 bi da AT&T pela T-Mobile
Motivo para a desistência: questões antitruste

Acordo de US$ 11 bi de Bolsa de NY e Nasdaq
Motivo para a desistência: questões antitruste

GEORGE W. BUSH

Acordo de US$ 27 bi entre Hughes Electronic e o grupo de TV via satélite EchoStar
Motivo para a desistência: questões antitruste

BILL CLINTON

Oferta de US$ 125 bi da MCI WorldCom pela Sprint, de telefonia
Motivo para a desistência: questões antitruste

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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