Folha de S. Paulo


Idoso japonês reincide no crime para fugir do custo de vida e voltar à prisão

Ko Sasaki/The New York Times
(NYT59) ONOMICHI, Japan -- Nov. 2, 2007 -- JAPAN-ELDERLY-PRISONERS -- Inmates return to their cells on Sept. 26, 2007, from the exercise yard at Onomichi Prison in Onomichi, Japan, which has a special ward for older prisoners. Japanese 65 years old and over now make up the fastest-growing group of criminals. (Ko Sasaki/The New York Times) ORG XMIT: NYT59 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Detentos idosos japoneses retornam a suas celas em penitenciária em Onomichi, no Japão

O sistema penitenciário do Japão foi arremessado a uma crise orçamentária por motivos demográficos, pelas deficiências da previdência e por um novo tipo de vilão, especialmente pernicioso: o aposentado reincidente. E os malfeitores grisalhos, dizem acadêmicos, estão loucos para obter uma sentença de prisão.

As estatísticas sobre crime mostram que 35% dos delitos de furto em lojas são cometidos por pessoas com mais de 60 anos. Nessa faixa etária, 40% dos bandidos reincidentes cometeram o mesmo crime mais de seis vezes.

Mesmo o roubo de um sanduíche de 200 ienes (R$ 6,50) pode valer sentença de prisão de dois anos, dizem acadêmicos, a um custo de 8,4 milhões de ienes (R$ 270 mil) para o Estado. Existem bons motivos, concluiu um relatório, para suspeitar de que a onda de furtos em lojas, especialmente, represente um esforço dos condenados para serem encarcerados -já que penitenciárias oferecem comida, acomodações e serviços de saúde grátis.

A matemática da reincidência é sombriamente convincente, para o potencial condenado. Mesmo com uma dieta frugal e a acomodação mais barata disponível, um aposentado japonês que viva sozinho enfrenta custo de vida cerca de 25% mais alto que a magra aposentadoria que recebe do Estado, da ordem de 780 mil ienes (R$ 25 mil) por ano, de acordo com um estudo sobre os aspectos econômicos dos crimes dos idosos conduzido por Michael Newman, da Custom Products Research, sediada em Tóquio.

A onda de crime geriátrico está se acelerando, e os analistas apontam que o sistema penitenciário japonês –que acaba de ser expandido e tem índice de ocupação de 70%– está sendo preparado para décadas de crescimento no número de condenados. Entre 1991 e 2013, ano mais atual para o qual há dados publicados pelo Ministério da Justiça, o número de idosos encarcerados por repetir o mesmo crime seis vezes subiu 460%.

A disparada no número de crimes dos idosos disfarça uma tendência mais sombria que o simples desdém pela lei, dizem economistas e criminologistas. O crime entre os aposentados está avançando mais rápido que a participação dos idosos na população, que em 2060 verá mais de 40% dos japoneses acima dos 65 anos.

Akio Doteuchi, pesquisador sênior de desenvolvimento social no NLI Research Institute, em Tóquio, acredita que o número de reincidentes deverá continuar a subir.

CRIMES NECESSÁRIOS

"A situação social do Japão forçou os idosos a cometer crimes por necessidade", diz. "O número de pessoas que vêm recebendo assistência pública é o maior desde o final da guerra. Cerca de 40% dos idosos vivem sós. Quando saem da prisão, por não terem família nem dinheiro, voltam-se imediatamente ao crime."

As estatísticas sobre o crime, ele acrescenta, expõem o lado negativo dos gastos insuficientes do governo com as previdência, à medida que a população da segunda maior economia do planeta envelhece. A prisão, não importa o que digam as planilhas, é uma maneira terrivelmente ineficiente, para o governo, de dirigir verbas previdenciárias aos japoneses que mais precisam delas.

Tentativas de encontrar maneiras de libertar antecipadamente os prisioneiros idosos esbarraram em obstáculos legais intransponíveis, diz Doteuchi, e o sistema penitenciário terminará superlotado de prisioneiros idosos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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