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Há razão para apatia com economia global, diz diretor do Banco Mundial

Tomas Munita/The New York Times
 Construction of the King Abdullah Financial District in Riyadh, Saudi Arabia, May 5, 2015. Saudi Arabia has switched focus from the price of crude oil in the global markets to delivering fuel to its growing economy. (Tomas Munita/The New York Times) - XNYT40
Construção no centro financeiro de Riad, capital da Arábia Saudita

Até junho do ano passado, o Banco Mundial estimava que 2016 traria uma melhora para a economia mundial e o Brasil. Ao lançar seu relatório global em janeiro, porém, a perspectiva de crescimento no Brasil havia sido substituída por recessão, e a projeção de crescimento do mundo sofreu um corte significativo.

"A ideia de que este ano poderia ser melhor que o passado virou de cabeça para baixo", diz o diretor do Banco Mundial Ayhan Kose, que chefia a equipe responsável pelo relatório semestral Perspectivas Econômicas Globais, uma das referências no assunto.

Para Kose, há motivos para o atual pessimismo em relação ao desempenho da economia mundial, mas não há sinais de uma recessão global à vista. Segundo ele, os principais riscos são a desaceleração das economias emergentes e o estresse nos mercados financeiros. Leia trechos da entrevista de Kose à Folha.

Folha - O pessimismo sobre a economia mundial continua piorando. Por quê?

Ayan Kose - As economias avançadas não estão indo bem como esperávamos. Nos emergentes, liderados pela China, há uma desaceleração desde 2010, com o crescimento menor a cada ano. Nesse ambiente, as notícias são importantes e os mercados tornam-se sensíveis.

O desafio gerado pela China não é pela desaceleração em si, mas em como a composição do crescimento muda. Eles não vão mais importar commodities e bens como antes, porque vão deixar de construir tantos imóveis e fábricas. Isso tem consequências para o resto do mundo. Acho que há razão para o pessimismo. Vemos fraqueza em quase todas as grandes economias, exceto a Índia.

Há um motivo comum para a desaceleração mundial?

De um lado, há acomodação na política monetária, que não gerou inflação nem atividade econômica como se esperava nas economias avançadas. De outro, o ambiente externo é desafiador para os emergentes. Além disso, há razões idiossincráticas, que os brasileiros conhecem bem. Nas economias avançadas, os bancos centrais estão muito ativos tentando apoiar a atividade econômica e criar inflação, mas as pessoas veem com desconfiança a eficiência dessas políticas. Nas emergentes, a atividade está desacelerando.

Se pensarmos nos três fatores que sustentam os emergentes –preços de commodities, comércio e fluxos financeiros–, 2015 foi o pior ano desde a crise financeira de 2008. Sem falar nas commodities. Das 46 matérias-primas que acompanhamos, 42 caíram de preço em 2015.

O preço baixo do petróleo poderia ser uma boa notícia, mas não reduziu o pessimismo. Por quê?

Há múltiplas razões para isso. Em primeiro lugar, o legado da crise. As pessoas podem ir ao posto e gastar menos com gasolina, mas há dívidas e elas preferem economizar. Nos EUA, o nível de poupança cresceu. Na zona do euro, também há muito endividamento.

Além disso, o benefício que tínhamos no passado por meio de acomodação [da política monetária] quando havia um colapso no preço do petróleo não existe hoje.

A terceira razão é que o investimento, que era muito importante, caiu nos EUA e nos emergentes. A questão não é só o preço das commodities, não há mais investimento.

Colocando tudo junto, na verdade o declínio nos preços do petróleo ajudou o consumo nos EUA e na Europa, mas não houve o tipo de impacto que esperávamos, de 0,6% a 0,7% de aumento no PIB global.

Há uma fraqueza geral na economia global. O que realmente nos preocupa é a fraqueza nos emergentes e como ela tem sido contínua nos últimos cinco anos. E vai continuar neste ano.

Das grandes economias emergentes, Brasil e Rússia estão em recessão. A China desacelera. Na África do Sul, o crescimento é fraco. Só a Índia vai razoavelmente bem. Quando essas economias desaceleram, há impacto em outros países emergentes, e ele é considerável.

A rapidez da deterioração brasileira foi uma surpresa?

De um lado, o Brasil enfrenta o ambiente externo, com a queda das commodities. A China, um grande parceiro, está desacelerando. No plano interno, há os óbvios desafios para o governo. Essa combinação, com espaço limitado para a política fiscal e monetária, torna muito complexo o desafio do governo para delinear políticas. Há desafios nos dois cenários. Um período de crescimento baixo é inevitável.

No mais recente relatório do Banco Mundial, o Brasil foi destaque negativo, apontado como um dos fatores para o corte na previsão de crescimento global. O país tornou-se um risco?

Quando as economias emergentes estão fracas –eu sou da Turquia–, todos são afetados. Sim, estávamos otimistas em relação ao Brasil. Mas, quando há esse ambiente externo, é preciso haver investimentos no plano doméstico. No Brasil, os investimentos foram afetados. Pode haver consumo, mas, quando os investimentos começam a ser adiados, é um problema. Até junho, esperávamos crescimento de 1,1% no Brasil em 2016. Em janeiro, a estimativa caiu para contração de 2,6%.

A China é um fator de risco?

Há uma desaceleração gradual na China e, por enquanto, ordenada. Vai continuar assim. As autoridades estão tomando medidas para tornar o câmbio mais baseado no mercado. Há um crescimento robusto do setor de serviços. A indústria desacelera, mas isso é o que eles queriam. Há desafios, reformas estruturais a serem feitas, mas estamos confiantes em que virão. Não vejo o "fator China" entre as preocupações.

Há risco de recessão global?

Recessões globais não acontecem com tanta frequência. Houve apenas quatro desde a Grande Depressão. Em 1975, 1982, 1991 e 2009. Uma recessão global acontece quando há contração no PIB per capita global e um colapso do comércio mundial, do fluxo financeiro, da produção industrial, do emprego e do consumo de energia. É preciso um grande choque na economia global, que leve a nocaute um número de grandes economias. Estamos reduzindo nossas previsões de crescimento, mas uma recessão global não está em nossas projeções.

Quais são os maiores riscos para a economia mundial?

O primeiro é uma desaceleração mais profunda nos emergentes. O segundo é estresse nos mercados financeiros. E esse estresse pode ser gerado por vários fatores. Pode ser pela política monetária das economias avançadas ou pelo aumento da aversão ao risco. É o que houve nas primeiras semanas do ano. A combinação entre desaceleração nos emergentes e estresse financeiro gera queda no PIB global entre 0,9% e 1,2%.

Quem tem um negócio e vê que o crescimento será menor fica pessimista e reduz o investimento, o que afeta a capacidade de expansão econômica. É um problema.


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