Os últimos governos do Brasil e da Argentina acertaram ao adotar políticas econômicas desenvolvimentistas, mas erraram na governabilidade, afirma Aldo Ferrer, um dos principais economistas argentinos. Para ele, os países não podem desequilibrar as contas nem manter a moeda sobrevalorizada.
Ex-ministro de Economia da Argentina (1970-1971), Ferrer foi influenciado por pensadores como Raúl Prebisch (autor intelectual das ideias da Comissão Econômica para América Latina, a Cepal), de quem foi aluno.
Aos 88 anos, afirma que a deterioração na relação comercial entre Brasil e Argentina é decorrente dos problemas internos de cada país, e não de medida protecionista.
Ferrer é autor de "A Economia Argentina" e foi um dos elaboradores do Plano Fenix, desenvolvido nos anos 2000 como alternativa ao modelo econômico liberal. Leia trechos da entrevista à Folha.
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Folha - Os governos de Cristina Kirchner e de Dilma Rousseff adotaram políticas econômicas desenvolvimentistas. Agora, mudou: na Argentina, o novo presidente, Mauricio Macri, é mais liberal e, no Brasil, há diminuição da participação do Estado. Houve erros na implantação das políticas desenvolvimentistas?
Aldo Ferrer - Sim, problemas de execução. Os objetivos sociais –programas como Bolsa Família– e o desenvolvimento do nacionalismo e da soberania foram corretos. O problema foi a governabilidade.
Há dificuldade em fazer o que é preciso e manter a casa em ordem. Acabam mexendo no orçamento e na taxa de câmbio, começam a se desequilibrar e geram condições que levam novamente a uma armadilha. Isso aconteceu conosco. Nenhum dos governos impulsionou a transformação industrial.
A indústria ainda é a melhor ferramenta para impulsionar o crescimento?
Claro. A industria é que processa o avanço científico e tecnológico. Um país sem indústria é um país atrasado.
A ex-presidente Kirchner criou barreiras que reduziram o comércio entre Brasil e Argentina. Como analisa essa política? A abertura que o presidente Macri deve fazer pode prejudicar a Argentina?
Temos aí uma velha questão: cada país tem seus problemas e quer resolver seu mercado interno. O comércio está determinado pelas suas estruturas. Para termos um grande comércio bilateral, temos que ter uma transformação nas economias, com projetos de investimento conjuntos. As estruturas estão associadas aos EUA e à Europa, não à relação bilateral.
O problema é que, se não nos industrializamos, manteremos sempre a relação periférica. Não podemos melhorar a relação se não resolvermos os problemas internos.
Como avalia as políticas adotadas até agora por Macri?
O governo é neoliberal. [Para ele], dá no mesmo que a economia seja desenvolvida por empresa nacional ou estrangeira. Como a ciência e a tecnologia são o motor do desenvolvimento e as filiais das estrangeiras trabalham com a tecnologia das matrizes e não inovam, essa atitude posterga o protagonismo do empresariado nacional.
A desvalorização do peso e o fim do limite de compra de divisas, duas políticas de Macri, foram positivas?
O governo anterior combateu a inflação com a sobrevalorização do peso. Isso gerou uma incerteza, estimulou a fuga de capitais e fez com que o governo adotasse o controle de divisas. Tudo isso precisava ser normalizado.
A quebra de paradigma está em plena transição e é preciso esperar uns meses para a decolagem total da política. Dado os meus preconceitos com o neoliberalismo, creio que as perspectivas não são boas. Podemos cair outra vez no endividamento.
A tendência do novo governo é tomar dívida no exterior...
Investimento estrangeiro é útil quando é complementário. Tem de ser sustentável, segundo a capacidade de pagamento do país. Isso não foi o que aconteceu nas experiencias neoliberais anteriores, em que os países se endividaram até o limite da insolvência.
Além da sobrevalorização do peso, quais foram os problemas da política econômica kirchnerista?
Houve problemas como o dólar barato e o deficit fiscal, mas nunca se chegou a uma situação de descontrole total. Houve fase de sucesso no período Kirchner, que foi a época de superavit e preços internacionais muito bons. Foi quando conseguimos recuperar a soberania.
O desafio de um país hoje é ter a soberania mantendo as contas em ordem –superavit fiscal, taxa de câmbio competitiva, bom nível de reservas. Aí se pode trazer dinheiro complementário de fora.
O crescimento do país nesse período kirchnerista não foi favorecido pelo preço das commodities?
Os países cresceram pelo preço das commodities em toda a América Latina. A Argentina aproveitou pagando sua dívida com esse dinheiro, mas não avançou na reforma estrutural. A indústria alcançou nível de pleno emprego, mas a estrutura não mudou.
O que é preciso ser feito hoje na Argentina?
Melhorar a qualidade do gasto do setor público, fazer política de ordenamento fiscal, não de ajuste, e manter um câmbio competitivo. É preciso resolver o problema da falta de dólares, não com endividamento, a partir da transformação, com políticas industriais na área automotiva e eletrônica, por exemplo.
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RAIO-X Aldo Ferrer
Origem
nasceu em Buenos Aires em 15 de abril de 1927
Formação
doutor em economia pela Universidade de Buenos Aires
Carreira
ministro da Economia, de 1970 a 1971, embaixador na França, de 2011 a 2013, e professor emérito da Universidade de Buenos Aires