O Brasil tem taxa de juros de 14,25% ao ano e mal consegue manter a inflação abaixo dos 10%. No restante do mundo, porém, a discussão é outra: como impedir que a deflação, que veio acompanhada da redução recorde nos preços dos combustíveis, leve a economia global a um colapso.
Desde a crise de 2008, os principais bancos centrais foram reduzindo, sucessivamente, as taxas de juros até chegar a zero com o objetivo de estimular as pessoas a consumir, e as empresas, a investir. Isso, previam as autoridades, impulsionaria a recuperação econômica.
Mas os esforços foram insuficientes, e as instituições passaram a liberar também o dinheiro que ficava nos bancos aplicado em títulos públicos. Agora, as autoridades lançaram mão do que parecia apenas a possibilidade teórica de juros negativos, em que é melhor ter o dinheiro debaixo do colchão do que aplicado no banco.
Os juros negativos já são realidade na Europa e no Japão (25% dos títulos de curto prazo têm taxa negativa, segundo o JPMorgan). E também se tornaram uma possibilidade "colocada à mesa" para os Estados Unidos, segundo Janet Yellen, presidente do Federal Reserve [Fed, o banco central americano].
Trata-se de uma medida heterodoxa (alguns consideram desesperada) e sem nenhuma garantia de que vai dar certo. Foi usada no passado, com certo sucesso, para defender as moedas de países como Suíça, Suécia e Dinamarca de uma valorização indesejada.
ABAIXO DE ZERO - Evolução das taxas de juros na Europa
BUG
A situação levou o mundo financeiro ao território do desconhecido. As implicações práticas vão desde o redesenho de planilhas e alteração nos contratos jurídicos até ajustes nos computadores, que foram comparados ao período conhecido como do bug do milênio. À época, temia-se uma pane nos computadores na virada para o ano 2000 –que acabou não se confirmando.
Os bancos relutam em repassar aos clientes o custo que têm quando deixam o dinheiro que não foi emprestado depositado no banco central –o juro negativo incide na transação entre as instituições financeiras e a autoridade monetária (veja quadro).
A orientação é manter remuneração zero para contas-correntes e de poupança, mas adotar tarifas de serviço que compensem esse custo adicional. Empresas e grandes clientes, no entanto, já pagam para ter o dinheiro guardado na Suíça e na Dinamarca.
Pouco se conhece sobre a eficácia de fazer pessoas e empresas gastarem mais antes que o dinheiro se esfarele no banco. Nos países nórdicos, por exemplo, as pessoas não passaram a guardar dinheiro em casa. Uma explicação é que a maioria das transações é eletrônica e pouco se usa o dinheiro em espécie.
Os piores efeitos colaterais conhecidos, até o momento, são a sobrevalorização dos imóveis em Estocolmo e em Copenhague.
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JUROS ABAIXO DE ZERO
EXEMPLO
Os títulos de dois anos do governo japonês valem hoje 100,3% do valor da dívida, o equivalente a juro de -0,15% ao ano
NA PRÁTICA
O investidor paga para o banco guardar o dinheiro, que, debaixo do colchão, valeria mais. A vantagem é a segurança
OBJETIVOS
Atividade econômica
A desvalorização esperada do dinheiro guardado ao longo do tempo estimula o setor produtivo a investir, e a população, a consumir
Mais crédito
Bancos preferem emprestar a maior parte do dinheiro para não ter custo ao aplicá-lo diariamente em títulos do BC
Reverter deflação
Na deflação, as pessoas adiam compras porque percebem que pagarão menos depois; o estímulo ao consumo tenta impedir esse processo
Desvalorização cambial
Depreciação da moeda afasta especuladores estrangeiros e estimula exportações, ajudando a atividade econômica
QUEM ADOTOU A POLÍTICA?
SUÉCIA
Primeiro país europeu a usar juros negativos, em 2009, contra a recessão. Depois, em 2014
DINAMARCA
Para impedir valorização da moeda em 2012 e estimular a economia em 2015
SUÍÇA
Contra a sobrevalorização do franco suíço, especialmente após país abandonar paridade em relação ao euro, em 2015. Desde os anos 1970, o país havia testado a política
JAPÃO
Com juro zero, país adotou taxa de -0,1% em janeiro para combater a deflação, que levou a economia japonesa a duas décadas sem crescimento
RISCOS CONHECIDOS
Bolha imobiliária
Suécia e Dinamarca tiveram forte alta nos preços dos imóveis
Calote
Estímulo demasiado?pode levar à concessão?de empréstimos de?alto risco
Desbancarização
Estímulo a transações fora dos bancos e enfraquecimento do sistema financeiro
Guerra cambial
Desvalorização de moedas alternativas ao eixo dólar-euro-iene pode estimular guerra cambial
Fonte: Bloomberg