Folha de S. Paulo


Cinco perguntas sobre o corte de gastos anunciado pelo governo

O governo anunciou nesta sexta-feira (19) novas medidas de ajuste fiscal para tentar reequilibrar as contas públicas - que há dois anos estão no vermelho.

A proposta mais inovadora foi a criação de um teto anual para as despesas públicas e a previsão de uma série de mecanismos para evitar o crescimento dos gastos que seriam automaticamente disparados em caso de desrespeito desse limite (entenda melhor abaixo).

O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, disse que pretende enviar até o final de março para o Congresso um projeto de lei com essa proposta, que é inspirada em ação semelhante adotada recentemente pelo governo dos EUA.

Como medida imediata para este ano, foi anunciado um corte de R$ 23,4 bilhões nas despesas, que vão atingir principalmente os ministérios de maior orçamento, Educação e Saúde, as obras de infraestrutura do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e as emendas parlamentares.

Gastos considerados essenciais, como o programa Bolsa Família e as medidas de combate à epidemia de zika, não serão afetados, garantiu o ministro do Planejamento, Valdir Simão.
Entenda o anúncio desta sexta:

Por que o governo anunciou novas medidas de ajuste fiscal?

O governo vem enfrentando nos últimos anos queda na arrecadação de impostos, um reflexo direto do encolhimento da economia. Com isso, desde 2014, as contas públicas estão no vermelho, o que levou as agências internacionais de classificação de risco a rebaixarem a nota de crédito do Brasil.

Essas notas são usadas por investidores na hora de avaliar o risco de comprar títulos brasileiros –sua queda tende a tornar mais cara a captação de recursos para o governo e, indiretamente, para empresas. A instabilidade também costuma afetar a taxa de câmbio, tornando o dólar mais caro.

Dessa forma, as medidas fazem parte do esforço do governo para reequilibrar as contas públicas e retomar a confiança do mercado. Na visão de economistas mais liberais, essa retomada de confiança é fundamental para a recuperação do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Já economistas de visão desenvolvimentista consideram que os cortes de gastos aprofundam a crise econômica ao diminuir os investimentos em obras e serviços públicos.

Por que criar um limite de gastos para o governo?

Atualmente, ao enviar sua proposta de orçamento para o Congresso, o governo deve fixar uma meta de quanto pretende economizar no ano (superavit primário).

A ideia é que administração federal passe também a ter uma meta de gastos, que será fixada em proporção ao PIB (total de riquezas produzidas no país). A previsão para 2016, por exemplo, é de que serão gastos R$ 1,181 trilhão, o equivalente a 19,1% do PIB, mas não se trata de um patamar obrigatório.

Segundo Barbosa, essa é uma medida de longo prazo que busca dar maior previsibilidade das contas públicas. "Mesmo que a meta de superávit primário seja cumprida, suponha que eu tenha uma grande elevação de receitas, ainda assim eu não posso usar para elevar o gasto além do limite fixado", explicou o ministro da Fazenda.

Economistas liberais criticam o governo Lula (2003-2010) por ter feito isso. Seu governo experimentou um período de forte expansão da arrecadação, que foi acompanhado por forte aumento de gastos também. O problema é que, depois que os gastos são elevados, torna-se difícil cortá-los quando a arrecadação recua –daí a ideia de criar um mecanismo que evite esse fenômeno.

Como funcionaria o limite de gastos?

A proposta de Barbosa é que a nova legislação torne obrigatório o corte de gastos caso as despesas estejam crescendo acima do previsto no ano.

Na hipótese de isso não ser suficiente para atingir a meta no ano, a nova lei deve prever uma série de mecanismos –divididos em três etapas– para congelar o aumento dos gastos nos anos seguintes, como, por exemplo, suspender o aumento para servidores e até mesmo do salário mínimo.

Na primeira etapa, seriam suspensos: a concessão de novas desonerações (cortes de impostos para determinados setores); a realização de concursos; os aumentos reais (reajuste acima da inflação) para servidores; e o crescimento real das despesas de custeio.

Se essas medidas não forem suficientes para trazer os gastos para dentro do limite, na segunda etapa seriam suspensos: os aumentos nominais (reposição da inflação) para servidores; o crescimento nominal das despesas de custeio; e a ampliação dos subsídios (por exemplo, para baratear empréstimos a empresários ou a beneficiários do Minha Casa, Minha Vida).

Se nada disso funcionar, seriam acionados mecanismos mais drásticos na terceira etapa: redução dos benefícios para servidores (auxílio moradia, por exemplo); demissão de servidores temporários ou sem estabilidade; e suspensão do aumento real do salário mínimo.

Os cortes serão suficientes para reverter o rombo fiscal em 2016?

O próprio governo sinalizou que não, já que a continuidade da retração da economia vai afetar a arrecadação também neste ano.

A meta inicial do governo é de que todo o setor público (União mais estados e municípios) faça uma economia em 2016 equivalente a 0,5% do PIB, o que representa cerca de R$ 30 bilhões. Essa economia, o superavit primário, serve para pagar juros da dívida pública, evitando seu crescimento descontrolado.

A maior responsabilidade é do governo federal, que teria que economizar R$ 24 bilhões. No entanto, Barbosa também anunciou hoje que o governo pedirá ao Congresso autorização para fechar o ano com um deficit de até R$ 60,2 bilhões (0,97% do PIB).

Se isso se confirmar, será o terceiro ano seguido de deficit nas contas federais. Em 2014, houve rombo de R$ 17,2 bilhões. Já no ano passado, com o pagamento das pedaladas fiscais (repasses em atraso para bancos pagarem benefícios e subsídios públicos), o deficit saltou para a cifra recorde de de R$ 114,9 bilhões.

O que mais o governo quer fazer para equilibrar as contas?

Além de cortar despesas, o governo Dilma Rousseff vem aumentando impostos. Sua principal proposta para este ano –bastante impopular– é a volta da CPMF, uma taxa sobre operações financeiras.

Estima-se que uma alíquota de 0,38% poderia trazer aos cofres públicos cerca de R$ 70 bilhões ao longo de um ano, recursos que seriam divididos com Estados e municípios.

Outra proposta, cujo impacto tende a ser de mais longo prazo, é fazer a reforma da Previdência. A iniciativa também é impopular e depende da aprovação dos parlamentares.

O governo ainda está discutindo quais serão as mudanças sugeridas, mas entre as medidas polêmicas em debate está o aumento da idade mínima para aposentadoria.

A Previdência Social fechou 2015 com rombo de R$ 85 bilhões e, com o crescente envelhecimento da população, a tendência é que esse deficit aumente nos próximos anos.

Movimentos sociais e centrais sindicais criticam cortes de gastos e a proposta de reforma da Previdência. Eles defendem que a melhor solução para equilibrar as contas públicas é aumentar impostos sobre os setores mais ricos da população, por exemplo com a volta da taxação de lucros e dividendos distribuídos a acionistas de empresas.


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