Folha de S. Paulo


Não há quem lidere retomada do país, diz presidente da FecomercioSP

Adriano Vizoni/Folhapress
Abram Szajman, presidente da FecomercioSP

"Não vejo nesses políticos que estão aí nenhuma condição de protagonizar mudanças. Devemos chegar a 2018 sem fazer alterações, o governo tende a remendar até lá."

É o que prevê Abram Szajman, presidente, desde 1985, da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo do Estado de São Paulo). A organização congrega 157 sindicados patronais e administra o Sesc, o Senac e o Sebrae.

Segundo ele, a crise econômica afugentou qualquer tipo de consumo. "As pessoas não querem se endividar mais e estão desconfiadas."

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

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Folha - Como o sr. vê a situação da economia, as muitas lojas para alugar em SP, o comércio machucado...?
Abram Szajman - As vendas do comércio varejista paulista permaneceram negativas em outubro -e caíram 10,2% na comparação com o mesmo mês de 2014, com faturamento de R$ 46,1 bilhões, a menor receita para o mês desde 2010.
Diria que nas grandes capitais, o grande e o médio estão menos estabilizados que os pequenos. No campo, mesmo com problemas, parece que a renda está se mantendo. Os pequenos se adaptam com mais velocidade.

E como fica o índice de confiança dos consumidores e dos produtores? E a questão do deficit do Estado?
O governo não tem força política, não existe alguém que tenha condições de aglutinar forças e organizar uma reforma do Estado brasileiro. A crise de confiança é grande tanto do lado do consumidor como do lado do produtor.
Bola de cristal não existe, mas de qualquer modo rachou o cristal -e não adianta querer consertar.
No período 2015/2014, os índices de confiança dos empresários caíram -e as famílias estão endividadas, com a renda caindo. Não vejo o que fazer -e, não, não quero ser ministro da Fazenda!
Já disseram, no âmbito do governo federal, que não há coelho para tirar da cartola. E, de fato, hoje, não dá mesmo para fazer mágica.

Mas como vai ser, daqui para frente, o comportamento fiscal dos governos? Digo, dos municípios, dos Estados e do governo federal?
O governo federal não tem força para reestruturar o Estado, não existe hoje a entidade executiva, não há alguém capaz de protagonizar reformas estruturais.
Em resumo, no país, o Estado não cabe hoje no PIB, não há condições de se fazer uma reforma da Previdência. Cortes teriam de ser feitos para ter superavit fiscal: numa época se falava de 3% ou 4%, agora falam de 0,5%. Aliás, duvido que se consiga economizar 0,5% do PIB.
Em resumo, conseguiram afugentar todo mundo que poderia comprar alguma coisa. As pessoas não querem se endividar mais e estão desconfiadas; e tem a questão da manutenção do emprego.

Além da falta de liderança, o sr. acha que o governo tem instrumentos de política monetária para enfrentar a crise econômica e a inflação?
O problema não é monetário, é fiscal. Isso vai até 2018 tapando buraco e o deficit vai para 70% do PIB, o que é inviável. Sei que vamos ter problemas pela frente.
De todo o modo, por conta da dinâmica da economia, acho que a inflação ainda vai abaixar um pouco nesse ano. Estamos repetindo problemas estruturais de 1984, 1985, e quando não se resolve o problema, ele volta.
A pergunta é se vamos ter um líder capaz de promover uma reforma constitucional, que seja capaz de aprovar coisas nesse Congresso. E eu não vejo ninguém.

Como o sr. vê a questão do aumento de tributos e o mercado financeiro?
O governo federal está num ponto que consegue pensar em aumentar impostos. E a alta carga tributária torna o país inviável. Com relação ao Ibovespa, vejo a Bolsa caindo até 30.000 pontos [fechou sexta-feira (5) em 40.592 pontos]. Estamos regredindo e vejo o Ibovespa num patamar de 2008, na crise do subprime.
Hoje, mesmo com o dólar alto e com a BM&FBovespa barata em dólares, os estrangeiros não estão correndo para comprar ações brasileiras.
E a BM&FBovespa encolheu, só as ações da empresa norte-americana Google comprariam toda a Bolsa e ainda dariam um troco de US$ 200 bilhões.

E as agências internacionais de classificação de risco, o país deve amargar mais rebaixamentos?
Pode esperar agora o downgrade da terceira agência de risco, a Moody's, que não tem porque não dar uma nota menor para o Brasil.
A velocidade das coisas hoje é enorme e se a China desacelerar, se os juros nos EUA andarem para cima numa velocidade rápida, pior para nós.
O Brasil tem que abrir novos mercados. Se ficar olhando para o Mercosul e para a Venezuela e se não mirar o mundo civilizado, que é o comprador, vamos ter uma situação dramática.

Apesar do clima de pessimismo, o Brasil sairá melhor da Lava Jato?
A Lava Jato, do ponto de vista ético e legal, é muito positiva. Está havendo uma mudança de comportamento nas empresas, porque melhora os sistemas de governança.
Porém, estamos atravessando um período em que a política está interferindo muito na economia.

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RAIO-X

  • Origem: nascido em São Paulo, capital, em 1939
  • Formação: cursou a Escola de Comércio Álvares Penteado entre 1954 e 1957
  • Cargo: Presidente da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo do Estado de São Paulo) desde 1985

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A MEMÓRIA EMPRESARIAL DE ABRAM SZAJMAN

Dono de uma memória vívida das transformações paulistanas, nascido no bairro do Bom Retiro, em 1939, "na rua Aimorés, perto da Estação da Luz", Szajman estudou na Escola de Comércio Álvares Penteado, no largo de São Francisco.

Filho de judeus poloneses e corintiano, concluiu o grupo escolar aos dez anos e começou a trabalhar como office-boy na loja do tio, onde ficou até completar 28 anos.

Depois, começou a atuar nos setores imobiliário e de turismo até que fundou, em 1977, a companhia de refeições conveniadas VR, empresa que vendeu para a concorrente francesa Sodexo em 2009 e que readquiriu recentemente, ganhando, segundo se diz, US$ 600 milhões.

Investidor na BM&FBovespa, colecionou ações e esteve por adquirir gigantes como o Mappin e o Banco Real, embora, afinal, não tenha obtido o controle de nenhuma dessas empresas.

Szajman diz viver a política pelo lado empresarial, sem se filiar a partidos, mas se considera na obrigação debater os problemas brasileiros.

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Da infância ao mundo dos negócios

"Meus pais, que eram judeus poloneses, chegaram ao Brasil em 1933.

Eu nasci em 1939, no bairro do Bom Retiro —e me lembro quando, aqui em São Paulo, meu pai, terminada a Segunda Guerra (1939-1945), eu devia ter uns cinco anos, me levou para ver desfiles dos "pracinhas" que voltavam da Itália e desciam na ladeira, na avenida São João.

Depois, quando acabei o grupo escolar, aos dez anos de idade, fui trabalhar com um tio.

Nesse meio tempo, aos 19, para fazer o serviço militar, entrei no CPOR; e estudei na escola de Comércio Álvares Penteado, no largo São Francisco, entre 1954 e 1957.

O comércio era uma "novidade antiga", era meio incipiente, mas já existiam o Mappin e a Mesbla.

O último capítulo do Mappin

Por coincidência, muitos anos depois, fui dono de 20% das ações do Mappin. A dona era a Cosette Alves e eu pensei em comprar a parte dela. Meus filhos já eram grandinhos, consultei-os, e eles acharam que não era o caso de entrar em varejo.

Aí, o empresário Ricardo Mansur se interessou pelo Mappin, e eu fui à Cosette e falamos em vender as nossas ações.

No dia seguinte, saiu uma foto do sr. [Lázaro de Mello] Brandão, do Bradesco, e deles assinando a venda.

E eu fiquei de lado... E para vender depois?

Fiquei dois anos atrás do Mansur. Afinal, ele acertou comigo, pelo preço que a CVM [Comissão de Valores Mobiliários] mandou. Disse que ia me pagar em 34 meses. Devia ser à vista, já que as ações eram cotadas na Bolsa.

Mas, eu topei. Até que ele pagou 17 prestações. Na 18ª, pifou!

Agora, eu vi que, a casa dele foi vendida na rua Costa Rica por R$ 39,7 milhões e que o dinheiro entrou no caixa da massa falida. Vou ver se me salvo mais um pouquinho!

Nessa altura, o Mappin não ia bem, já tinha a concorrência de empresas, como Eletroradiobrás, G. Aronson, Casas Bahia.

E o Mappin dava prejuízo, ficou vendendo bala e chocolate. O Mansur, que comprou a Mesbla depois, não conseguiu se segurar —e deu no que deu.

Comprar ou vender?

Cheguei a ter 20% do Banco Real, mas também vendi. Quando o controlador Aloysio de Andrade Faria decidiu negociar as ações dele com o banco holandês ABN Amro, tive a chance de vender as minhas por um checão.

Mas pensei, esses caras vão me diluir! E saí fora. Hoje, diria que foi um erro.

O Andrade Faria, que é médico, é um bom banqueiro. Falei com ele só uma vez na minha vida.

Ao vender, ele fez o Banco Alfa de Investimentos e os sorvetes La Basque.

Já sobre a VR, empresa de refeições conveniadas, conto que fundei a companhia em 1977, pois na época foi criado o programa de alimentação do trabalhador.

Meus concorrentes eram a Ticket, que era do grupo francês Accor, depois apareceram a Sodexo, também francesa como a Ticket. E já tinha a Alelo, ligada ao Banco do Brasil e ao Bradesco. Hoje, aliás, o primeiro lugar nesse segmento é da Alelo.

No começo, era difícil concorrer com o capital estrangeiro, tinha problemas com os selos que a gente colocava nas fachadas dos restaurantes e que eram arrancados.

No fim, foi bem, a VR cresceu muito —e eu vendi para a Sodexo, que atua também no ramo de plataformas de petróleo. Isso foi em 2009... mas eu voltei!"


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