Folha de S. Paulo


Serviço de reparos de calçados e roupas cresce com a crise econômica

Não se ajeitou com a roupa nova? O tênis furou? Nada de comprar outros. O modelo de consumo fácil a que os brasileiros se habituaram nos anos de expansão da economia e do crédito mudou.

Com o aumento do desemprego e a renda corroída pela inflação, já não é possível manter o ritmo de compras. No lugar, cresce até 60% a procura por serviços que ajudam a reaproveitar aquilo que se tem, do brinquedo ao carro, de sapatos e tênis caros à casa própria.

A disposição dos paulistanos para consumir atingiu no final de 2015 os menores valores da série histórica (iniciada em 2010) do indicador da Fecomercio-SP. "As pessoas estão deixando de comprar para remodelar e reutilizar", diz o assessor econômico Guilherme Dietze.

Na rede de costura Linha e Bainha, a procura por serviços de conserto e ajustes cresceu 30%, segundo Joseane Gomes, gerente da marca -que possui 21 lojas no país.

"Nossos clientes reaproveitam peças com rasgos, furos, aquelas que ficaram muito tempo guardadas. Quando o estrago é grande, aproveitam o tecido ou tingem", afirma.

No Hospital do Tênis, uma pequena loja no bairro de Pinheiros, em São Paulo, a espera pelo serviço chega a um mês. "Desde novembro, tivemos aumento de 60% no trabalho", diz o funcionário Vinicius Esteves.

A loja se especializou no reparo de calçados esportivos de marcas da moda, como Adidas, Mizuno e Nike. Alguns dos modelos levados pelos clientes custam R$ 1.000.

É o caso do par de tênis da Asics do autônomo Marcelo Regis, que procurou o Hospital do Tênis por indicação de outro sapateiro. "Preciso economizar dinheiro, não posso comprar outro agora", diz Regis, que vai ter o calçado consertado por menos de R$ 50.

A estratégia de reaproveitamento também atinge os presentes infantis. Com Dia das Crianças e Natal, Leandro Capelo, proprietário do Hospital das Bonecas -que, apesar do nome, restaura todos os tipos de brinquedos-, aponta aumento de 50% no número de clientes.

USADOS

A mudança no padrão de comportamento do consumidor na crise foi alvo de pesquisa realizada pela agência de publicidade nova/sb.

De acordo com os dados, cresce o número de pessoas que se encaixam no perfil chamado de "smart buyer" (consumidor inteligente, em tradução livre), hoje em 49%.

"As pessoas passaram por um momento forte de consumo nos últimos anos, e agora temos o refluxo: elas não querem perder qualidade de vida, mas o dinheiro está curto, então é preciso racionalizar", diz Sérgio Silva, diretor de planejamento da agência.

Entre esses consumidores, ganha força a tendência "Do it yourself" (faça você mesmo), afirma Silva. Em vez de contratar serviços, eles aprendem a executá-los, para poupar com a mão de obra.

O uso de sites de usados também cresce, tanto para comprar produtos de segunda mão quanto para vender o que não se utiliza mais.

"Agora é a hora do desperdício zero. Antes, se uma roupa não ficava boa, ficava encostada no armário. Se a geladeira ficasse velha, era dispensada e trocada. Hoje, essas coisas são vendidas."

Considerada uma "smart buyer", a advogada Fabiana Batista diz que a oferta de usados é especialmente atraente no setor de móveis.

"Meus armários são de segunda mão, eu mesma fiz pátina e troquei os puxadores."

Setores como o de material de construção e o de autopeças também se beneficiam.

"Com a queda no financiamento imobiliário, houve aumento nas reformas de imóveis, porque ficou difícil trocar por um novo", diz Cláudio Conz, presidente da Anamaco (associação de lojas de material de construção).

Além disso, segundo ele, os problemas enfrentados pela construção civil aumentam a disponibilidade de mão de obra para esses serviços, permitindo maior negociação no orçamento.

A mesma lógica se aplica ao consumo de autopeças. Sem dinheiro para trocar de carro, os motoristas acabam optando por arrumar os veículos que já possuem. Dados da Fecomercio-SP de 2015 (até novembro) apontam alta de 14,2% no setor.


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