Folha de S. Paulo


Pagamento de pedaladas é questionado por especialistas

A fórmula encontrada pelo governo para quitar no final de 2015 as pedaladas fiscais dos anos anteriores está sendo questionada por vários economistas e especialistas em finanças públicas.

O governo editou três medidas provisórias e vários decretos a fim de que o Tesouro pudesse utilizar recursos seus depositados no BC para quitar a dívida de R$ 72,4 bilhões com os três maiores bancos públicos e com o FGTS.

Foi necessário desvincular recursos carimbados para aplicação em áreas como saúde e educação. Ao perder o carimbo, o governo usou o dinheiro para quitar despesas "pedaladas".

De onde vieram os recursos para pagar as pedaladas*

Também é questionada a troca de títulos e recursos entre BC e Tesouro. Para alguns, a operação se baseia numa lei de 2008 que permitiu ao BC financiar o Tesouro, o que é proibido pela Constituição.

A desvinculação de recursos para pagar despesas correntes fora objeto de MP em 2014, que tratava também de repasse para o BNDES. O Congresso rejeitou a proposta de mudar a destinação do dinheiro, mas não obrigou o governo a desfazer a operação.

ROYALTIES

A maior parte da dívida foi paga com recursos de royalties de petróleo. São R$ 31,4 bilhões que teriam como destino obrigatório gastos com educação e saúde. Também foram desvinculados R$ 222 milhões de dinheiro das loterias, que tem destinações sociais. Outros R$ 13,8 bilhões são do Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações). O uso de recursos desse fundo para outros fins é alvo de investigação do TCU (Tribunal de Contas da União), órgão que condenou o governo pelas pedaladas.

"Era dinheiro que deveria ser aplicado em inclusão digital. Acabou indo para inclusão empresarial", afirma José Roberto R. Afonso, pesquisador do Ibre/FGV.

Para onde foi o dinheiro - Em R$ bilhões

Foram usados ainda R$ 6 bilhões da multa adicional do FGTS, dinheiro que já deveria ter ido para o fundo de garantia, e R$ 21 bilhões de emissões de títulos públicos.

Segundo Afonso, o uso dos recursos depositados no BC só foi possível porque o caixa do Tesouro foi abastecido com o lucro contábil do BC com a valorização das reservas.

Sempre que o dólar sobe e o valor das reservas aumenta, quando convertido para reais, o BC repassa esse "lucro" ao Tesouro. O problema é que o BC só teria lucro se vendesse as reservas. Portanto, está repassando um ganho que é apenas contábil.

"É como se o Tesouro estivesse pedindo ao BC que financiasse o deficit primário. Do ponto de vista econômico, isso é ruim. Demonstra a fragilidade em que a gestão do setor público se encontra", afirma o especialista em finanças públicas Raul Velloso.

Ele diz que a legislação brasileira não foi desenhada para lidar com a hipótese de deficit primários e deveria ser alterada para que haja separação maior entre BC e Tesouro.

Entenda as pedaladas

OUTRO LADO

A Fazenda informou que o mecanismo de vinculação ou desvinculação de receitas não é matéria orçamentária, portanto não se aplica a restrição ao uso de MP previsto na Constituição. Diz ainda que a MP 704, que trata do assunto, tornou possível cobrir despesas com pessoal, Previdência e saúde, sem precisar emitir títulos da dívida.

Também em nota, o Tesouro informou que R$ 70,9 bilhões foram pagos com recursos do caixa da instituição depositados no BC. Houve ainda emissão direta de títulos para o Banco do Brasil de R$ 1,5 bilhão. Em ambos os casos, os valores resultaram em aumento da dívida pública.

"O impacto na dívida bruta seria do mesmo montante se os pagamentos fossem realizados via emissão direta de títulos", diz o Tesouro.

Sobre a transferência dos ganhos do BC, o Tesouro diz que isso já era previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal.


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