Folha de S. Paulo


Funcionários do Yahoo comparam chefe a Evita Perón e pedem demissão

Marissa Mayer, a glamorosa (e um tantinho nerd) executiva do Google contratada para reverter a crise do Yahoo em 2012, costumava inspirar a força de trabalho de sua nova empresa simplesmente ao visitar o refeitório, para tomar sorvete e conversar com o pessoal.

Agora, o moral da empresa caiu a tal ponto que alguns funcionários do Yahoo se referem a Mayer, presidente-executiva da companhia, como "Evita", em alusão a Eva Perón, primeira-dama da Argentina cujo ego superdimensionado e ascensão ao poder e riqueza são relatados no musical homônimo.

Embora muitos trabalhadores do Yahoo estejam optando por manter o silêncio e simplesmente cumprir suas funções, outros perderam a fé na liderança de Mayer, de acordo com conversas com mais de 15 atuais e antigos funcionários de todos os escalões da companhia, que concordaram em falar sob garantia de anonimato, por causa de laços continuados com o Yahoo e das severas normas da empresa contra vazamento de informações.

Mais de um terço dos funcionários da empresa se demitiram nos últimos 12 meses, dizem pessoas informadas sobre os números. Preocupada com a fuga de cérebros, Mayer vem aprovando pacotes de remuneração generosos, em alguns casos com valor de milhões de dólares, para persuadir executivos a rejeitar ofertas de emprego de outras companhias. Mas essas bonificações têm o efeito colateral de gerar ressentimento entre outros funcionários do Yahoo que mantiveram a lealdade e não saíram em busca de emprego.

Apenas 34% dos funcionários acreditam que as perspectivas do Yahoo estejam melhorando, de acordo com pesquisas conduzidas pela Glassdoor, empresa que recolhe dados sobre empregos e empregadores. Isso se compara a 61% de funcionários otimistas no Twitter e 77% que veem um futuro brilhante para o Google, antigo empregador de Mayer.

"Basicamente, isso mostra que os funcionários estão perdendo a fé em Marissa Mayer e no Yahoo", disse Scott Dobroski, porta-voz da Glassdor que analisou os dados.

O Yahoo se recusou a comentar sobre o moral de seus trabalhadores, mas disse que giro alto de mão de obra é comum nas empresas do Vale do Silício. Embora milhares de pessoas tenham deixado a companhia, outros milhares foram contratados, compensando muitas das perdas; "Continuamos contratando, e o número de candidato a emprego aqui continua forte", afirmou o Yahoo em comunicado.

Uma funcionária do Yahoo que foi entrevistada disse que estava rezando por ser demitida, para que pudesse receber a indenização e levar a vida adiante. Outros afirmaram estar buscando emprego ativamente - tarefa tornada mais difícil por conta do cheiro de fracasso que alguns potenciais empregadores podem detectar em alguém associado a uma empresa em crise.

"Marcas são importantes, para os empregadores", disse Nick Parham, orientador de carreiras em San Francisco que tem diversos clientes no Yahoo. "Eles vão considerar com mais atenção pessoas do Facebook ou Salesforce, companhias que têm estratégias vencedoras".

A fé dos funcionários em Mayer começou a se esvair em agosto de 2014, quando o Yahoo iniciou uma série de demissões camufladas, dizem fontes bem informadas sobre a situação da empresa, então e agora. Por meses, os executivos chamavam pequenos grupos de trabalhadores a cada semana e os demitiam. Ninguém sabia quem seria o próximo, e o medo constante paralisou a empresa, de acordo com pessoas que acompanharam o processo.

Em março do ano passado, Mayer informou ao pessoal em uma reunião com todos os funcionários que os cortes estavam enfim encerrados. Pouco mais tarde, ela mudou de ideia e exigiu novas demissões. No total, quase 1,1 mil pessoas perderam o emprego como resultado dos cortes.

Um fator que contribuiu para o desencanto do pessoal foi a demorada deliberação de Mayer quanto a uma reorganização da empresa, que resultou na perda de alguns subordinados cruciais e dissolveu a muito alardeada "equipe móvel" da companhia, o que levou muitos engenheiros cuja especialidade são os aparelhos móveis a buscar outros empregos.

Pendendo sobre tudo isso estava a incerteza quanto ao plano da empresa de criar uma companhia separada para administrar sua participação acionária de US$ 26 bilhões no grupo chinês Alibaba, anunciado no ano passado mas abandonado um mês atrás pelo conselho da companhia devido a preocupações tributárias.

Apesar de todos os problemas do Yahoo, muitos dos funcionários da companhia continuam a ter muito afeto por ela, cujos produtos serviram de porta de entrada à Internet para toda uma geração de usuários da Web e continuam populares, com mais de um bilhão de visitantes ao mês.

"Todos queremos causar o maior impacto possível, e aproveitar ao máximo as forças existentes no Yahoo", disse Austin Shoemaker, hoje encarregado dos esforços do Yahoo no ramo de mensagens instantâneas, depois que a startup que ele fundou, a Cooliris, foi adquirida pelo grupo em 2014.

A companhia vem há muito enfrentando dificuldade para superar dois grandes desafios: a queda setorial no faturamento de publicidade em formato convencional, por muito tempo sua principal fonte de receita, e a distração inerente ao esforço de tentar sucesso em muitas coisas diferentes, das notícias e ligas de esporte virtuais a buscas na Web e e-mail.

Jeff Bonforte, vice-presidente sênior de produtos de comunicação do Yahoo, afirmou que Mayer sempre havia dito ao pessoal que precisaria de três a cinco anos para que seus esforços para reverter a crise da empresa mostrassem resultado.

"Seria bom dar ao Yahoo alguma coisa que magicamente salvasse a companhia do dia para a noite", disse Bonforte em entrevista no mês passado, mas acrescentou que essa ideia não era realista. Mayer investiu em tecnologia, disse ele, "para dar ao Yahoo uma chance de ser parte incrivelmente integral daquilo em que a Internet está se transformando".

A equipe de Bonforte, por exemplo, dedicou boa parte dos dois últimos anos a reconstruir os serviços de e-mail e mensagens instantâneas do Yahoo do zero, com foco em recursos como melhores buscas de e-mails e a capacidade de retirar ou apagar mensagens instantâneas a qualquer momento. Embora os produtos reformulados tenham encontrado recepção modesta da parte dos usuários, ele disse que agora existia tecnologia para inovações mais rápidas.

Bonforte afirmou que Mayer é a melhor chefe que ele já teve, mas reconheceu que a crítica frequente de que ela economiza elogios e às vezes exibe uma aspereza que pode ser desmoralizante tem algo de verdade.
"Marissa é o tipo de chefe que faz com que você sinta a estar desapontando o tempo todo, e por isso sempre acho que estou a ponto de ser demitido", diz Bonforte, muito respeitado tanto por seu talento quanto por sua irreverência. "Ela nunca me procura para dizer 'muito bem, Jeff!'"

Bonforte disse estar orgulhoso do Yahoo e de sua equipe e que não tem planos de deixar a empresa. Mas outros executivos importantes partiram recentemente em busca de novas oportunidades, entre os quais Kathy Savitt, arquiteta da estratégia de vídeo que Mayer agora abandonou, e Jackie Reses, que comandava a estratégia de aquisições da companhia e administrava sua relação com a Alibaba, companhia chinesa de comércio eletrônico na qual o Yahoo detém 15% de participação.

A mais recente perda foi Prashant Fuloria, cuja empresa, a Flurry, foi vendida ao Yahoo em 2014. Mayer havia entregado a ele o comando da tecnologia de publicidade do Yahoo, uma área crucial, em janeiro de 2015, mas ele se demitiu em dezembro para trabalhar em novas ideias para startups.

Mayer vem tentando manter uma fachada positiva apesar de toda a agitação.

Na festa anual do Yahoo, realizada em 4 de dezembro no píer 48, em San Francisco, com os loucos anos 20 como tema, ela participou sentada em uma cadeira, visivelmente grávida das filhas gêmeas que nasceram uma semana depois, e tirou fotos com o pessoal. "Ela serviu como uma espécie de Papai Noel", disse um fã, que esperou em fila para tirar uma foto com Mayer.

Pouco antes da festa, Mayer e os demais membros do conselho da empresa decidiram abandonar o plano original de criar uma empresa separada para administrar a participação acionária do Yahoo na Alibaba, e em lugar disso vão enxugar e lançar como companhia independente as operações centrais do Yahoo.

Agora, todo mundo está esperando pelos detalhes desse plano, que Mayer prometeu delinear este mês, quando do anúncio dos resultados financeiros da empresa no quarto trimestre.

É improvável que o anúncio acalme a inquietação no Yahoo, porém, já que investidores ativistas como o fundo de hedge Starboard Value estão pressionando por um novo comando executivo, uma substituição de todos os membros do conselho e uma nova estratégia, que poderia incluir a venda dos negócios operacionais do Yahoo.

Bonforte disse que isso é uma força externa que está além de seu controle.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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