Folha de S. Paulo


Uber fracassa na Alemanha com estratégia agressiva de expansão

Benjamin Kilb - 18.dez.2015/The New York Times
Hasan Kurt, dono de empresa de táxi em Frankfurt que se recusou a trabalhar com o Uber
Hasan Kurt, dono de empresa de táxi em Frankfurt, Alemanha, que se recusou a trabalhar com o Uber

O Uber está expandindo rapidamente seus serviços de carros para percursos curtos em todo o mundo. Mas em Frankfurt, uma cidade de 690 mil habitantes —população inferior à de San Francisco, sua cidade natal—, a companhia fez algo de incomum: bateu em retirada.

No começo de novembro, o Uber fechou seu pequeno escritório no centro secular da cidade de Frankfurt, depois de apenas 18 meses de operação, e suspendeu as atividades da plataforma online que vinha permitindo que as pessoas da cidade chamassem carros por meio de um app em seus smartphones.

A retirada foi causada em parte por motoristas como Hasan Kurt, proprietário de uma empresa local de táxis licenciados, que se recusaram a trabalhar com o grupo norte-americano.

Com mais de 20 anos de experiência como operador de táxis, Kurt disse que não havia gostado da maneira pela qual o Uber chegou a Frankfurt, no começo de 2014, usando primordialmente motoristas não licenciados, que não passavam pelos exames técnicos e médicos que os taxistas licenciados precisam realizar.

O serviço de baixo custo da empresa, UberPop, semelhante ao UberX operado nos Estados Unidos, enfrentou contestações judiciais e terminou sendo classificado como ilegal pelas autoridades regulatórias alemãs, em março.

O Uber então tentou recrutar operadores licenciados como Kurt a fim de ampliar seus serviços dentro dos limites da lei. Mas Kurt não cedeu.

"Não é parte da cultura alemã fazer o que o Uber fez", disse Kurt, 45, que estava tomando um chá durante uma pausa em sua frenética rotina da temporada de festas, no mês passado. "Nós não gostamos disso, o governo não gosta disso, e os clientes não gostam disso".

A retirada do Uber de Frankfurt é apenas um dos múltiplos recuos que a empresa —hoje avaliada em US$ 62,5 bilhões— realizou na Europa nos últimos meses.

Em novembro, o Uber também se retirou de Hamburgo e Düsseldorf, depois de menos de dois anos de operações em cada uma dessas cidades alemãs. Em Amsterdã, o Uber recentemente deixou de oferecer o serviço UberPop.

E em outras cidades europeias, o Uber enfrenta a perspectiva de ser forçado a recuar —ou pelo menos a de ver sua expansão contida. Em Paris e Madri, o Uber teve de enfrentar oposição muitas vezes violenta de operadores locais de táxis, enquanto em Londres as autoridades regulatórias estão estudando mudanças que poderiam prejudicar significativamente as ambições do Uber na cidade.

Laetitia Vancon - 22.dez.2015/The New York Times
Fikrey Pepic, motorista de Uber, em Munique, na Alemanha, onde a empresa ainda opera
Fikrey Pepic, motorista de Uber, em Munique, na Alemanha, onde a empresa ainda opera

BARREIRAS CULTURAIS E JURÍDICAS

Frankfurt oferece um bom exemplo do que pode forçar o Uber a recuar em dado mercado mesmo quando continua a se expandir em outros.

A cidade é um centro financeiro próspero e abriga uma população cosmopolita, e por isso parecia um lugar ideal para que o Uber operasse e crescesse. Mas a companhia se viu forçada a abandonar o mercado local por uma mistura de tropeços culturais e jurídicos.

Especificamente, o Uber calculou mal como obter o apoio dos moradores locais, céticos e pouco acostumados a táticas duras para conquista de mercados, e subestimou as dificuldades regulatórias de fazer negócios na maior economia da Europa.

"Se você deseja fazer sucesso na Alemanha, precisa compreender a regulamentação", disse Martin Fassnacht, professor na Escola Otto Beisheim de Administração de Empresas, em Vallendar, Alemanha. "O Uber deveria tê-la encarado com mais seriedade."

O Uber não se retirou completamente da Alemanha. Continua a operar serviços licenciados em Berlim e Munique, e executivos da empresa afirmam que existe demanda reprimida, da parte de passageiros frustrados com os serviços de táxi atuais.

A companhia argumentou que poderia criar milhares de empregos novos na Alemanha se fosse autorizada a operar livremente, ainda que um porta-voz tenha se recusado a informar quantos motoristas alemães estão ativos em sua plataforma.

O Uber também solicitou que a Comissão Europeia, o ramo executivo da União Europeia, interviesse, e uma investigação europeia oficial sobre a proibição do UberPop na Alemanha —e decisões semelhantes na França e Espanha— deve ser concluída este ano.

"Cometemos erros? Com certeza", disse Mark MacGann, o diretor de políticas para o mercado europeu da Uber. "Mas o sistema alemão atual protege artificialmente os operadores já instalados, que acreditam ter direito a controlar esse mercado."

Para compreender por que o Uber se expandiu para Frankfurt em maio de 2014, basta visitar a movimentada estação ferroviária central da cidade. Multidões de passageiros passam pela estação a caminho dos muitos bancos e do bairro central de comércio da cidade.

E, como em muitas outras cidades alemãs, o número de táxis licenciados em Frankfurt é limitado, a pouco mais de 1.700 carros, o que significa que nos horários de pico há muitas vezes mais demanda por corridas do que táxis disponíveis para atendê-las.

Depois da chegada do Uber, muitos motoristas não licenciados que prestavam serviços via UberPop começaram a circular pelas proximidades da estação ferroviária, atraindo possíveis passageiros com a oferta de descontos nas corridas, oferecidas por preços um terço mais baixos que os dos operadores licenciados da cidade, de acordo com os sindicatos de taxistas de Frankfurt.

Mas tarifas reduzidas como essas logo geraram oposição. Thomas Gratz, presidente da Associação de Táxis e Carros para Locação, um sindicato alemão, afirmou que os motoristas não licenciados do Uber não haviam passado pelos mesmos testes complicados a que os taxistas se submetem, e não estavam sujeitos a custos compulsórios tais como o seguro para motoristas profissionais requerido das operadoras tradicionais de táxis na cidade.

O Uber afirma que seus motoristas passam por seleção rigorosa e contam com seguros adequados.

Benjamin Kilb - 19.dez.2015/The New York Times
Taxistas em frente à estação central de Frankfurt, Alemanha
Taxistas em frente à estação central de Frankfurt, Alemanha

Diante do crescente número de concorrentes gerado pelo UberPop, o Taxi Deutschland, outro sindicato alemão, apresentou contestação judicial ao Uber na metade de 2014, afirmando que os motoristas da empresa não tinham licença para operar nacionalmente. Isso levou a uma longa odisseia judicial de decisões e recursos.

Com o agravamento da tensão legal, a pequena equipe do Uber em Frankfurt tentou atrair mais interesse dos moradores locais, muitos dos quais jamais haviam chamado um carro por meio de um app em seus smartphones, ou usado um cartão de crédito para pagar por um táxi.

Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos e em outros países europeus, a Alemanha ainda apresenta baixo uso de cartões de crédito, de acordo com estatísticas setoriais.

Para mudar esses hábitos, o Uber começou a oferecer corridas gratuitas e outros incentivos a novos usuários. Isso ajudou a atrair pessoas como Dan Miner, 32, pesquisador norte-americano que vive em Frankfurt e se tornou usuário do serviço depois de ouvir amigos de Nova York falando sobre ele.

Para Miner, chamar um táxi por meio de um app em seu smartphone, especialmente de madrugada, era mais fácil do que buscar um táxi licenciado nas ruas, e pagar tarifa adicional por coisas como o uso do porta-malas.

"Acima de tudo, o Uber era mais barato", disse Miner.

Mas o empuxo ganho por meio desses recursos não durou muito. Em março de 2015, um juiz de Frankfurt determinou que todos os motoristas do Uber precisavam de licenças oficiais para poder trabalhar.

A despeito da decisão, o Uber continuou a oferecer seu serviço de custo mais baixo —por algum tempo. Em maio, porém, a companhia fechou o UberPop em toda a Alemanha, e decidiu oferecer apenas serviços licenciados. (O Uber também oferece um serviço de carros de luxo com motoristas em Frankfurt, desde o começo de 2014.)

Foi nesse momento que a alienação de operadores de táxis como Kurt prejudicou o Uber. Porque a companhia já havia antagonizado os motoristas locais de táxis por oferecer seu serviço de baixo custo, não conseguiu convencer número suficiente de motoristas licenciados a aderir à sua nova plataforma, mesmo depois que se ofereceu para pagar pelas licenças e ajudar com outros custos regulatórios, que podem chegar a US$ 400 para novos motoristas, de acordo com diversos grupos locais de taxistas e com as autoridades da cidade.

As táticas agressivas do Uber também geraram rejeição da parte de potenciais clientes, como Andreas Müller, analista financeiro que tentou o serviço da companhia em Frankfurt depois de usar o Uber em uma viagem a Chicago.

Müller disse que gostou da conveniência de pagar com o smartphone, mas que logo se voltou contra a empresa depois de ler que ela continuava operando apesar de ordens judiciais em contrário, e que não empregava diretamente os seus motoristas —que são prestadores terceirizados de serviços.

"Isso pode funcionar nos Estados Unidos, mas não é como as coisas são feitas aqui na Alemanha", disse Müller. "Todos precisam respeitar as regras".


Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: