Folha de S. Paulo


'Nova China' exigirá mais que trocar soja por carne, diz diretor da OCDE

"Os países da América Latina precisam entender que o boom de commodities acabou, aquela época não vai mais voltar. Mas também que estão sendo abertas novas oportunidades que precisam ser aproveitadas."

Assim define o atual momento econômico da região Ángel Melguizo, diretor de América Latina e Caribe da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), que lançou, durante encontro de ministros das Relações Exteriores, em Cartagena (Colômbia), o relatório "Perspectivas Econômicas da América Latina em 2016", que aborda as novas relações com a China.

Para a entidade, a perspectiva de crescimento da América Latina no ano que vem ficará em torno dos 2% ou 3% e será necessário se adaptar ao novo contexto global.

"O cenário externo com o qual a região vai se enfrentar nos próximos três anos não é bom. Ninguém prevê um aumento dos preços das commodities nem dos investimentos nem perto do que se teve nos anos 2000. Mas o crescimento da China vai manter-se", afirmou Melguizo à Folha.

SEM CRISE NA CHINA

O relatório da OCDE recomenda que os países adotem estratégias para relacionar-se com "uma nova China". "Essa nova China não é uma China em crise. É uma China que muda, a taxas de crescimento mais baixas, porém mais sustentáveis. Agora há ali uma classe média urbana emergente que muda a demanda do país. Por exemplo, por alimentos de mais qualidade. Menos soja e mais carne é um dos efeitos", explica.

Na última década, as exportações relacionadas a matérias-primas para a China, como minerais e energia, representaram ao redor de 16%. Agora, esse índice é de 4%.

O EXEMPLO URUGUAIO

Para o economista, há países que estão se adaptando às novas necessidades, como o Uruguai. "Não adianta apenas vender mais carne que soja, é preciso agregar valor à marca, mostrar que a sua carne tem valor agregado, que é um produto sofisticado."

O documento também recomenda mais atenção ao setor de serviços como uma possibilidade de crescimento, mas prevê que as economias cujas exportações dependem da mineração e da energia desacelerarão mais.

"A desaceleração em alimentos é menor, mas é pronunciada, daí a importância de identificar novos produtos à ideia de qualidade."

Para Melguizo, a crise político-econômica do Brasil é uma "metáfora da região". "Vimos tanto entusiasmo com o país sendo capa da 'Economist' e sendo tão celebrado e quatro ou cinco anos depois a economia se degradando desse jeito. Mas nós não éramos tão otimistas naquela época como não somos tão pessimistas agora."

PRODUTIVIDADE

Para a OCDE, o fator que mais preocupa no país hoje é a produtividade. "Quando vemos que em média um trabalhador no Brasil tem uma produtividade entre 30% e 40% de um trabalhador nos EUA e que é assim desde há 50 ou 60 anos, isso nos preocupa, porque determina muitas coisas, como a necessidade de continuar financiando programas sociais para reduzir a pobreza."

Com relação à integração, Melguizo crê que, apesar de a região "ter quase tantos blocos comerciais como países, é preciso preparar-se mais, com políticas para negociar em bloco com outras forças e investir na questão do valor agregado do que se exporta".

Para o economista, os países que melhor estão se adaptando aos novos tempos são a Colômbia e a Costa Rica, porque estão se diversificando cada vez mais.

Ainda sobre a crise no Brasil, que ele vê refletida em outras sociedades da América Latina, afirma que "há uma nova classe média na política, a que no Brasil foi às ruas em 2013 para pedir melhor transporte a um preço justo".

"Se um governo não for capaz de unir essa classe média, propondo um modelo social mais robusto, o cenário exterior não vai salvá-lo", afirmou o economista.

A jornalista viajou a convite da Segib (Secretaría General Iberoamericana)


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