Folha de S. Paulo


Cobra, jacaré, lagarto, avestruz e até arraia rendem sapatos de R$ 7.000

Numa cidade conhecida como a capital do calçado, com produção anual superior a 34 milhões de pares, uma empresa familiar resgatou o método antigo de se fazer sapatos, totalmente artesanal.

Usando como matéria-prima couro de cobra, jacaré, lagarto, avestruz e até arraia -além do tradicional bovino-, a empresa de apenas sete funcionários produz calçados em que uma simples secagem leva quatro dias para ser concluída e que, do pedido à entrega, o cliente espera até um mês para receber seu par.

O preço de um par pode chegar a R$ 7.000 —o modelo básico custa R$ 1.200— e, apesar disso, cresce em meio à crise no país, exporta e vende até pelo Instagram.

A história dos Paschoal no setor começou em 1967 e durou até 1981, quando uma antiga fábrica da família fechou. Todos seguiram no ramo em empresas diferentes até 2013, quando se uniram para "tentar algo velho, mas novo".

O "novo" consiste em cortar o couro, costurar, lixar a sola, pintar e colocar salto manualmente, com o calçado passando pelas mãos de três sapateiros.

Como resultado, a produção mensal da Joseph Paschoal Bootmaker chega no máximo a 120 pares, um número ínfimo em relação aos até 5.000 pares diários de grandes empresas de Franca (SP), polo de fabricação de sapatos masculinos.

Embora a produção seja modesta, o bom desempenho do ateliê fará com que a família encerre as atividades de outra empresa do grupo, que fabrica calçados comuns e foi aberta na mesma época da linha artesanal.

"O brasileiro vê o sapato como acessório, não como parte do vestuário. Isso derruba muito o preço, vira commodity. Não nascemos para fazer sapato industrial. Foi um erro termos tentado isso também. O que sabemos é o artesanal. Ele só resiste à crise por ser uma linha diferente, que as outras fábricas não fazem", disse o empresário Fernando Paschoal, neto de Joseph, patriarca que dá nome à marca.

Segundo o Sindifranca (sindicato das indústrias), não há na cidade nenhum outro fabricante do gênero.

Para Paschoal, o que tem atraído consumidores é a possibilidade de fazer o sapato a partir do molde dos pés do cliente. O público padrão é formado por executivos, "emergentes", profissionais liberais, empresários e até cantores sertanejos.

Munhoz, da dupla com Mariano, e César Menotti são alguns dos nomes que estampam carimbos personalizados existentes na fábrica. Cada par de sapato sai com o nome do comprador na sola.

Um dos artesãos é Sebastião Paschoal, 61, tio de Fernando, na área desde os 11 anos e que executa hoje a mesma função na qual iniciou. "Cada par que faço é diferente do outro. É um desafio diferente a cada cliente."

FOCO

Ao contrário da oficina artesanal, a outra fábrica da família, que produz cerca de 3.000 pares por mês, amarga os efeitos da crise econômica e viu os negócios despencarem 50% neste ano.

Já a linha artesanal, além de ser mais lucrativa, dobrou a produção no ano.

"Pensamos em exportar mais, mas nosso produto é muito específico, por isso o foco até aqui tem sido vender de forma direta, par a par."

Apesar da especificidade, a empresa integra um grupo de 21 fábricas unidas num projeto do Sindifranca para estudar o mercado chinês.

O polo de Franca deve produzir neste ano 34,4 milhões de pares, ante os 37,1 milhões de pares de 2014. Embora a cidade tenha 25 mil empregados no setor, segundo o Ministério do Trabalho, a dificuldade da empresa é obter mão de obra para o negócio crescer. "As técnicas usadas são anteriores à industrialização do mercado local."

Com isso, todos os funcionários são membros da família -alguns deles com mais de 60 anos de idade.


Endereço da página:

Links no texto: