Folha de S. Paulo


Autores premiados apontam lado aproveitador do mercado

A recente descoberta de fraude do grupo Volkswagen no âmbito internacional, bem como de corrupção (de caráter público e privado) da Petrobras e de grave displicência na gestão do risco ambiental e social da Samarco, no nacional, convencem boa parte das pessoas de que homens de negócios nem sempre são confiáveis.

A constatação, óbvia para qualquer leitor desta Folha, é estudada pelos Prêmios Nobel de Economia George Akerlof e Robert Shiller, autores de "Phishing for Phools, The Economics of Manipulation and Deception" [fisgando os tolos, a economia da manipulação e enganação].

O cerne da tese é que vivemos um momento de riqueza e prosperidade sem precedentes, mas a base da teoria econômica (formulada por Adam Smith) está errada.

Os autores questionam a noção liberal de que, buscando o que é melhor para nós mesmos, ajudamos a sociedade a ter o seu melhor, uma vez que existem indivíduos ou grupos dedicados a fisgar vantagens de pessoas sujeitas a tomar decisões (econômicas) não inteligentes.

Como muitos otimistas aprenderam, investir dinheiro é algo complexo e frágil, e as narrativas dos corretores de imóveis ou de ações estão aí para comprovar o fracasso que foram estes investimentos nos últimos cinco anos.

Os autores analisam esses casos, adotando aclarações de finanças comportamentais para uma série de ações dos investidores, o que não é exatamente inédito, levando em conta a expectativa dos leitores para a obra de dois Nobel.

De certa forma, o livro discorda de premissas neoliberais de que o livre mercado provê os bens do modo mais eficiente, pregando a necessidade de regular e criar incentivos para que os agentes econômicos adotem as atitudes corretas.

Segundo os autores, uma elevação rápida de preços usualmente reflete exuberância irracional, e este comportamento é capturado pelos "phescadores" (os que estão "phishing"). A recomendação é que as autoridades financeiras estejam preparadas para intervir a fim de evitar estas manipulações.

Grande parte da obra é voltada a temas financeiros, uma especialidade dos autores. Porém, além da economia de forma geral e das finanças pessoais, os economistas navegam em temáticas aquém de suas especialidades, como escolhas envolvendo alimentos, tabaco, saúde e até qualidade dos governantes.

Utilizam exemplos conhecidos, narrando casos como o de mortes causadas pelo Vioxx (promissor anti-inflamatório, até que veio à tona que ele aumentava o risco de infartos), franquia de doces vendidos nos aeroportos (estrategicamente posicionadas em locais em que as pessoas estão mais ansiosas) e academia de ginástica (com planos com renovação automática camuflada).

Todos esses exemplos são tratados sem grande profundidade e, arrisco, até sem grandes novidades ao leitor, que ainda recebe uma dose de exemplos óbvios, como a exortação de que a publicidade às vezes engana os consumidores (sério mesmo??!).

A parte mais interessante e aprofundada fica para a análise das crises financeiras e da regulação, especialidade de fato dos autores. Afinal, os conceitos fundamentais de economia, escassez e competição definindo preços com base no custo marginal, trazem consigo uma "tonelada" de economistas céticos, assim como as premissas de racionalidade perfeita e mercado justo ("fair play").

Vale notar que não é a primeira vez que os mesmos autores se manifestam contra essa base teórica. Os autores também ignoraram temas econômicos mais atuais, como a economia da reputação e do compartilhamento, representada pelas empresas Uber, Airbnb e Kickstarter. Assim, não se pode condenar o leitor que esperava receber algo conclusivo e inovador dos Prêmios Nobel. O livro repete teses e não possui proposta nova para a resolução dos problemas apresentados.

LUIZ CALADO é economista, com pós doutorado na Universidade da Califórnia. É autor de mais de 20 livros, entre eles Imóveis (Saraiva), Fundos de Investimentos (Campus) e Regulação do Mercado Financeiro (Saint Paul).

Phishing for Phools
AUTORES George Akerlof e Robert Shiller
EDITORA Princeton University
QUANTO US$ 15,20 (288 págs.)
AVALIAÇÃO ruim


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