Folha de S. Paulo


Fundo de pensão da Caixa fez investimentos de risco, e culpa Vale

Lalo de Almeida/Folhapress
Obra na hidrelétrica de Belo Monte, construída com investimento do Funcef
Obra na hidrelétrica de Belo Monte, construída com investimento da Funcef

Mesmo com alertas emitidos por suas áreas técnicas, a Funcef –fundo de pensão patrocinado pela Caixa Econômica Federal realizou investimentos com "riscos de natureza grave" que podem trazer "prejuízos à entidade", aponta relatório de fiscalização obtido pela Folha.

O documento foi elaborado pela autarquia responsável pela regulação e fiscalização dos fundos de pensão, a Previc, e avaliou a gestão do terceiro maior fundo de pensão do país entre 2009 e 2013.

Desde 2012, a Funcef vem acumulando deficit anuais e isso deve se repetir em 2015. O desequilíbrio atuarial do fundo já ultrapassa R$ 10 bilhões, se somados os resultados até agora.

Por já ter registrado três deficit seguidos, o fundo foi obrigado a apresentar um plano para reverter o cenário e reequilibrar suas contas.

Segundo assessores do governo com acesso à fiscalização da Previc, a "fotografia da Funcef é ruim" e está "batendo no limite da não performance".

Os investimentos de alto risco da fundação, avaliam técnicos, equivalem a 10% do patrimônio, de R$ 54,3 bilhões em 2014.

Aplicações de risco são normais em fundos de pensão, mas podem ameaçar a solvência das entidades e o pagamento de benefícios aos participantes.

Quando um fundo registra deficit atuarial significa que, se fosse obrigado a pagar hoje todos os benefícios futuros, faltariam recursos para cumprir os compromissos. É um retrato do momento, em que seus ativos estão descasados das suas dívidas.

RISCOS GRAVES

No relatório de 150 páginas, a fiscalização da Previc afirma, entre outras conclusões, que "verificou-se que, em parte dos investimentos da amostra, [...] ficou caracterizada a existência de riscos de natureza grave, e mesmo assim a Funcef realizou as aplicações".

O texto acrescenta que "essas aplicações já vêm representando prejuízo para a entidade, podendo não ser revertido no longo prazo".

Diretor de Investimentos da entidade, Maurício Marcellini Pereira disse à Folha que "todos os riscos dos investimentos foram observados" e alegou que o deficit não está relacionado a eles, mas a questões conjunturais.

Em um dos trechos, o documento da Previc relata que a Funcef informou que usa relatórios de risco de mercado "para auxiliar os gestores no gerenciamento das carteiras de investimento".

Tais relatórios evidenciariam fatores relacionados ao risco de mercado por ativos e por planos de benefícios.

"No entanto, nas atas da Diretoria Executiva da Funcef, não se identificou qualquer remissão aos aludidos relatórios de risco de mercado", diz o documento da fiscalização.

Entre os exemplos de que os pareceres técnicos estariam sendo desconsiderados na Funcef, a Previc cita a aplicação de R$ 260 milhões no projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte.

O relatório da fiscalização não explicita qual seria o risco da operação, mas diz que, "da amostra analisada, não ficou evidente se os gestores da entidade baseiam suas decisões de investir nos apontamentos das áreas técnicas, uma vez que, apesar dos riscos apontados nos ativos da amostra, os investimentos foram realizados".

O relatório da autarquia cita dois casos como aplicação de risco grave e que já representariam prejuízo: um investimento em debêntures de uma usina térmica no Estado de Pernambuco e um outro voltado para um FIP no setor de portos.

CPI

Os fundos de pensão são alvo de uma CPI na Câmara dos Deputados que investiga influência política e irregularidades na aplicação das entidades patrocinadas por estatais federais.

Membro da comissão, o deputado Raul Jungmann (PPS-PE) diz que o relatório sobre a Funcef mostra que essas entidades precisam ser reguladas por uma agência independente para garantir que elas evitem investimentos de risco realizados por influência política do governo.

"Os fundos são usados politicamente, colocando em risco os pagamentos para seus beneficiários e deixando de cumprir a função de ajudar no crescimento do país", afirmou Jungmann.

OUTRO LADO

O diretor de Investimento da Funcef, Maurício Marcellini Pereira, disse que todos os questionamentos feitos pela Previc no relatório 005/2014 foram "devidamente respondidos" e que a entidade "não sofreu nenhum auto de infração" devido aos casos apontados pelo órgão.

Marcellini afirma que os últimos autos aplicados contra a Funcef são de 2007 e 2008.

Ao ser informado de que a fiscalização das operações avaliadas no relatório ainda estão em curso, o diretor disse que "até agora eles não pediram esclarecimentos adicionais" depois que "respondemos a todos os questionamentos há quase um ano".

Marcellini disse que todos os investimentos de risco do fundo foram realizados dentro das regras de boa governança e que, na época, eram vistos como bons negócios.

"Estamos num processo de aprimoramento de governança. Já temos 64 normas para isso. Cada investimento tem cinco pareceres de áreas técnicas. Mas não são os pareceres que definem se vai ou não haver o investimento", diz.

Segundo a Funcef, a dinâmica das análises dos investimentos leva de seis meses a um ano e meio. Entre 2012 e junho deste ano, 318 propostas de investimentos chegaram ao fundo e 253 foram descartadas; 37 foram repassadas à gestão terceirizada; e 28 foram analisadas. Dessas, apenas sete foram aprovadas e já viraram investimento.

Marcellini reconhece que alguns investimentos apresentaram prejuízo. Citou como exemplo a aplicação na Sete Brasil, de R$ 1,386 bilhão. A empresa criada para fornecer sondas para a Petrobras é um dos alvos da Operação Lava Jato.

"Na época, com a descoberta do pré-sal, investir numa empresa que teria a garantia de fornecer as sondas para a exploração do petróleo do pré-sal era visto como excelente negócio. Mas depois veio a Operação Lava Jato e mudou todo o cenário."

O diretor insiste que, apesar do relatório da Previc apontar riscos que não teriam sido considerados pela Funcef, o maior motivo do deficit atual é a questão conjuntural, que derrubou as ações da Bolsa e o preço dos papéis da Vale. Entre 2012 e 2014, a aplicação na Vale registrou uma desvalorização de 40%, contribuindo em R$ 3,7 bilhões para o deficit do fundo. "O maior problema no período dos deficit é a Vale.


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