Folha de S. Paulo


Mercosul desistiu de livre-comércio, diz ex-embaixador do Brasil

Julio Bittencourt/Revista da Indústria
Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington
Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington

Para evitar o isolamento no novo cenário comercial mundial em que predominarão grandes acordos regionais como o TTP (Tratado Transpacífico), assinado entre EUA, Japão e outros dez países, o Brasil precisa liderar um processo de revisão das práticas e estratégias do Mercosul.

A opinião é de Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e em Washington durante o governo FHC e presidente do conselho da Sobeet (Sociedade de Estudos de Empresas Transnacionais) e do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp.

Em entrevista à Folha, Barbosa disse que o Mercosul virou um fórum de discussão política e social no qual o protecionismo impera. Além de garantir que as regras internas do bloco funcionem, também é necessário que os sócios busquem mais acordos com países desenvolvidos.

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Folha - O ministro Armando Monteiro (Desenvolvimento) disse que o Brasil poderá no futuro aderir ao TTP. Como o sr. vê essa possibilidade?

Rubens Barbosa - O acordo é aberto, qualquer país pode tentar aderir. No caso do Brasil, com a baixa competitividade da economia, a adesão é muito difícil porque você não pode mais modificar as regras, que preveem a eliminação das tarifas [de importação] na quase totalidade.

TRATADO TRANSPACÍFICO
Saiba mais sobre o acordo entre 12 países
PARCERIA TRANSPACÍFICO

O acordo também prevê a adesão a uma série de normas, que vão desde vistos ao comércio eletrônico, passando pela propriedade intelectual, pelos investimentos, pela competitividade. E essas regras em sua maioria vão além do que é tratado pela OMC [Organização Mundial do Comércio], e o governo brasileiro tem se recusado a discuti-las. Então, teoricamente é possível, mas na prática as regras do acordo e a perda da competitividade do Brasil tornam muito difícil a adesão a curto prazo.

Como o Brasil deve agir então para evitar o isolamento?

Internamente temos que voltar com toda a força a discutir uma agenda microeconômica e facilitar a redução do custo Brasil, dos problemas que incidem diretamente na competitividade dos produtos brasileiros. Agora estamos muito concentrados na agenda conjuntural, do ajuste fiscal, mas temos de pensar a médio e longo prazo, em uma agenda estrutural que passa passa por reforma tributária, da Previdência, da trabalhista, a questão dos juros. É muito difícil hoje qualquer governo enfrentar uma abertura rápida da economia brasileira sem pensar no restabelecimento da competitividade.

Do ponto de vista externo, como o país pode se posicionar?

Temos de mudar a estratégia de negociação comercial, que nos últimos 13 anos ficou voltada para a negociação multilateral na rodada de Doha, da OMC, que infelizmente fracassou. Significa examinar acordos comerciais não só com a região, mas fora, com países mais desenvolvidos.

Além disso, temos que rever a política do Brasil em relação ao Mercosul, que deixou de ser instrumento de liberalização comercial. As regras não são seguidas e o protecionismo é que impera. E as dificuldades vão aumentar agora porque, além da Venezuela, entrou a Bolívia e depois vai entrar o Equador. O Equador, a Bolívia, a Venezuela, não pensam como o empresariado brasileiro, que quer ampliar mercados, abrir para exportação os seus produtos no exterior.

O Brasil deve parar de negociar como bloco e partir para entendimentos bilaterais?

Não, eu acho que o Brasil tem de liderar um processo de revisão das práticas e estratégias do Mercosul. O bloco tem que funcionar. O Mercosul se transformou hoje em um fórum de discussão política e social. No início do Mercosul já havia, ninguém era contra, mas prevalecia a prioridade econômica e comercial.

O acordo tarifário em discussão entre Mercosul e União Europeia pode minimizar perdas que o TTP ameaça trazer?

Dependendo da maneira como a coisa for negociada, mas tem que ver se a UE vai aceitar um acordo. O TTP vai gerar desvio de comércio. O Brasil exporta para os países do tratado US$ 54 bilhões, 35% dos quais são manufaturados, para os EUA, para o Peru, México, Chile. Esses produtos certamente vão enfrentar uma competição dos EUA e do Japão. Sem falar dos produtos agrícolas que vão enfrentar a competição da Austrália e da Nova Zelândia. Se o Brasil conseguir avançar com a UE, será muito positivo.

A resistência da Argentina contribuiu para o atraso das negociações com a UE. O Mercosul tem sido um entrave?

O último obstáculo do lado do Mercosul foi a Argentina, por causa de medidas protecionistas e da relutância em aumentar o volume de comércio na negociação. Mas também não descarto a má vontade de negociação por parte de muitos países da UE, porque a negociação implica uma série de vantagens para o setor agrícola brasileiro. Os dois lados têm dificuldades em avançar nessa negociação, a decisão agora vai ser política.

O governo fechou um acordo automotivo com a Colômbia, começou a negociar com o México a ampliação do comércio com tarifa zero e acertou com os EUA um esforço para harmonizar normas técnicas. Está havendo uma reação?

O governo resolveu se mexer, o que é positivo. Mas temos de lembrar que os acordos da Aladi (acordo de liberalização comercial entre países da América do Sul) preveem que em 2019 todos os países da região vão passar a negociar com tarifa zero a maioria dos seus produtos. Aí o Mercosul praticamente desaparece. O Brasil tem que exigir que os países cumpram o tratado.

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  • RAIO-X RUBENS BARBOSA, 77

Carreira: diplomata, foi secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e embaixador do Brasil em Londres (1994-1999) e Washington (1999-2004)

Cargos: preside o Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp e o conselho deliberativo da Sobeet


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