Folha de S. Paulo


Escândalo da Volkswagen avança para além do diesel

Qualquer sensação de que a Volkswagen tinha conseguido colocar sob controle o grande escândalo relacionado às emissões de poluentes por seus veículos se evaporou, em dois dias desta semana.

Na segunda-feira (5), a Porsche, subsidiária da Volkswagen para veículos de luxo, foi envolvida no escândalo depois que surgiram acusações de que seu utilitário esportivo Cayenne registrava resultados inferiores aos reais na emissão de óxidos de nitrogênio, uma substância nociva. Mais tarde, na terça-feira (6), a montadora alemã revelou um novo problema quanto a registros de emissões inferiores às reais em 800 mil veículos fabricados por ela.

Fraude da Volkswagen
Empresa tentou esconder poluição
Poster do

Os preços das ações da Volkswagen voltaram a cair acentuadamente uma vez mais, ontem, em quase 10%, enquanto os investidores tentavam avaliar as escassas informações fornecidas pela companhia.

As ações da Volkswagen caíram em 38% desde 18 de setembro, quando uma agência regulatória dos Estados Unidos acusou a companhia de trapacear nos testes de emissões de óxidos de nitrogênio. A companhia subsequentemente admitiu ter instalado dispositivos de manipulação, um software ilegal que serve para registrar emissões inferiores às reais em testes de poluição, em até 11 milhões de veículos acionados por motores diesel Volkswagen. Todos eles estão sujeitos a recall.

Boa parte dos detalhes quanto às revelações da Volkswagen sobre emissões de dióxido de carbono ainda não estão claros. Mas um ponto importante já é conhecido: o escândalo de emissões se estende para além dos veículos diesel da Volkswagen e inclui alguns de seus modelos acionados a gasolina.

No entanto, a Volkswagen afirma que sua revelação sobre os 800 mil veículos e suas emissões de dióxido de carbono - que surgiu de investigações internas da empresa para expor quaisquer outros delitos - não envolve dispositivos manipuladores, e que um recall não será necessário.

O problema não está nos motores, mas no processo de teste e certificação dos carros, e tem por centro a questão de como os 800 mil veículos da Volkswagen conseguiram obter um índice de consumo de combustível quase 15% melhor em testes de laboratório do que o obtido nas ruas. Ao fazê-lo, os veículos também registraram emissões de carbono inferiores às reais, nos testes.

"Não podemos fechar os olhos a isso", disse um porta-voz da Volkswagen. "É uma manipulação ofensiva... e temos de revelá-la".

O anúncio pode ser interpretado como um esforço para divulgar más notícias por conta própria antes que elas surjam por outros meios, depois da revelação, segunda-feira, de que mais 10 mil carros fabricados pelo grupo Volkswagen e vendidos nos Estados Unidos estavam emitindo mais óxidos de nitrogênio nas ruas do que em testes de laboratório. Esse número de 10 mil vem se somar aos 482 mil veículos a diesel vendidos pela Volkswagen nos Estados Unidos e identificados pela Agência de Proteção Ambiental (EPA) norte-americana em 18 de setembro.

Mas, juntas, as recentes notícias reforçam a crescente convicção de que, longe de serem obra de um pequeno grupo de engenheiros operando sem ordens, os problemas da Volkswagen são endêmicos.

"Em minha opinião, jamais foi crível que tudo se devesse apenas a um pequeno grupo de engenheiros', diz Max Warburton, analista da Bernstein Research. "Dada a complexidade dos carros modernos e o número de engenheiros envolvidos no desenvolvimento de produtos, argumentei desde o começo que teríamos de estar falando de centenas de pessoas".

Com base nos montantes reservados pela Volkswagen até agora para enfrentar a crise - dois bilhões de euro para os problemas do dióxido de carbono e 6,7 bilhões de euros para o problema dos óxidos de nitrogênio - o impacto financeiro por veículo envolvido é muito mais grave na primeira questão do que na segunda.

A revelação da montadora pode disparar alarmes em outras montadoras porque as emissões de dióxido de carbono de seus veículos estão sofrendo escrutínio de grupos de ativistas.

"A principal questão [na Volkswagen] é, de novo, determinar se isso é uma fraude ou compatível com aquilo que o setor todo faz", disse Thomas Besson, analista da Kepler Chevreaux.

Como no caso das emissões de óxidos de nitrogênio por veículos, os resultados de laboratório para o dióxido de carbono são reconhecidamente distintos da realidade registrada nas estradas.

Isso acontece em parte porque as montadoras de automóveis da Europa podem explorar - de maneira perfeitamente legal - as flexibilidades de um regime de testes obsoleto, a fim de obter índices ótimos de emissões de dióxido de carbono, posteriormente alardeados no material de vendas dos veículos.

Mas grupos de ativistas apontam que as montadoras de automóveis melhoraram muito em termos de explorar a distância entre os testes de laboratório e o mundo real. Em média, os veículos das montadoras europeias emitiram 35% mais dióxido de carbono nas ruas do que em laboratório, no ano passado, ante 10% em 2002.

Embora algumas montadoras de automóveis tenham sido multadas pelas autoridades regulatórias norte-americanas por subestimarem as emissões de dióxido de carbono - especialmente a Hyundai e Kia -, não há exemplos comparáveis na Europa, a despeito de os limites para emissões serem muito mais rigorosos na União Europeia do que na América do Norte.

Mas as autoridades europeias estão mais resolutas, agora. Elzbieta Bienkowska, comissária europeia responsável por fiscalizar o mercado unido, diz que o escândalo da Volkswagen demonstrou a necessidade de as potências da União Europeia supervisionarem o trabalho das autoridades nacionais de aprovação de automóveis.

O sistema de testes de carros existente "não vem funcionando como devia, e isso é muito visível", disse a comissária ao "Financial Times".

Para dissipar o nevoeiro do escândalo, respostas são necessárias

Nos últimos dias, o escândalo dos testes de emissões na Volkswagen se expandiu em duas direções. As autoridades regulatórias dos Estados Unidos anunciaram que estavam estendendo sua investigação para determinar se as linhas de luxo da montadora também estavam equipadas com software que registra uma redução artificial nas emissões de poluentes. Em seguida, a segunda maior montadora de automóvel do planeta
revelou que havia descoberto irregularidades nas emissões de dióxido de carbono de alguns veículos.

Eis o que se sabe sobre as mais recentes revelações, até agora:

P. Achei que o problema era nos carros menores a diesel da Volkswagen; o que mudou?

R. Muita coisa. Os proprietários de 11 milhões de veículos diesel da Audi, Volkswagen, Seat e Skoda (com motores de 2.000cc ou menos), construídos de 2009 em diante, já estavam sujeitos a um recall para remoção do software de manipulação. Agora parece que o problema é maior.

A Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos anunciou na segunda-feira que estava investigando software instalado em motores diesel de 3.000cc instalados em carros do grupo Volkswagen, entre os quais o Porsche Cayenne, o Audi A6 Quattro 2016 e o Volkswagen Touareg 2014. A agência informou que testes mostram emissões de óxidos de nitrogênio até 900% superiores às autorizadas.

A Volkswagen rejeitou a asserção de que isso se devia ao uso de um dispositivo manipulador semelhante ao empregado em modelos menores, mas posteriormente anunciou que suspenderia as vendas do Cayenne nos Estados Unidos.

P. Como, então, a questão subitamente se expandiu de trapaça da Volkswagen quanto a emissões de óxidos de nitrogênio para um problema com as emissões de dióxido de carbono?

R. A companhia afirmou que uma investigação interna lançada pelo novo presidente-executivo Matthias Müller registrou "inconsistências inesperadas" nos níveis reportados de emissões de dióxido de carbono em 800 mil veículos.

P. Isso significa que existem quase 12 milhões de carros com problema, agora?

R. Isso não está claro. A Volkswagen continua a contestar as asserções da EPA sobre seus veiculos diesel de maior porte, e depois de confessar o problema de emissões de dióxido de carbono pouco acrescentou sobre que modelos eram afetados pelo mais recente problema.

A Volkswagen revelou ao "Financial Times" que todos os veículos afetados pelo problema nas emissões de dióxido de carbono tem motores de 1.400cc e em sua maioria representam modelos Volkswagen Polo e Golf, mas também incluem alguns Audis, Seats e Skodas. A montadora informou que os 800 mil carros afetados eram "em sua maioria movidos a diesel".

O governo alemão revelou que 98 mil dos carros com problemas de emissão de dióxido de carbono têm motores a gasolina.

P. O que acontece a seguir?

R. Todos os carros afetados podem ser dirigidos em segurança. No caso dos 11 milhões de veículos com motores diesel de menor porte, a Volkswagen já está trabalhando para desenvolver uma série de soluções. Para a maioria desses carros, as mudanças devem envolver simplesmente a remoção do software irregular, sem qualquer outro impacto sobre o carro.

Não está claro se alguns veículos precisarão de reparos adicionais que possam reduzir sua potência ou piorar seu consumo de combustível.

No caso dos veículos de luxo com motores diesel, é cedo demais para dizer que reparo, se algum, a Volkswagen teria de implementar. Grupos ambientais documentaram repetidamente casos em que carros produzidos por diferentes montadoras emitiam mais dióxido de carbono nas ruas do que em testes de laboratório. Há boa chance de que a questão exponha todo o setor a escrutínio mais severo.

P. Haverá impacto financeiro para os proprietários de automóveis?

R. Em alguns países, entre os quais o Reino Unido, os impostos sobre os carros se baseiam em suas emissões; por isso, se um veículo emitir mais que o declarado, o proprietário poderia ter de pagar mais impostos.

Mas a Volkswagen afirmou, em conexão com o problema dos óxidos de nitrogênio, que cobriria qualquer custo adicional para os proprietários. Também constituiu uma provisão de dois bilhões de euros para cobrir custos relacionados aos 800 mil carros afetados pelo problema do dióxido de carbono.

CAVANDO MAIS FUNDO

Se Matthias Müller, o novo presidente-executivo da Volkswagen, precisava de qualquer confirmação de que está sujeito a grande pressão, esta semana a ofereceu.

Revelações surgidas na segunda-feira de que veículos produzidos pela Porsche, subsidiária da Volkswagen, foram apanhados no escândalo de emissões que vem abalando o grupo alemão colocaram o seu nome no centro da questão pela primeira vez. Ele foi presidente-executivo da Porsche de 2010 até setembro.

A resposta inicial da Volkswagen a essas mais recentes acusações de uma agência regulatória norte-americana também causou preocupação.

A Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos disse que a Volkswagen havia instalado um dispositivo manipulador ilegal em 10 mil carros a diesel a mais do que a empresa havia admitido anteriormente - entre os quais alguns utilitários esportivos da Porsche - em um esforço para trapacear durante testes de emissões de óxidos de nitrogênio.

A Volkswagen, que não foi informada sobre as acusações com antecedência, rapidamente divulgou um comunicado negado que tivesse instalado qualquer software que alterasse "as características de emissões de maneira proibida".

O diário financeiro alemão "Handelsblatt" afirmou que Müller se havia colocado "em rota de colisão com os investigadores e acionistas".

Mas a revelação, na noite de terça-feira pela Volkswagen, de uma grande segunda frente no escândalo, envolvendo emissões de dióxido de carbono por 800 mil veículos, resultou em algo de quase tão chocante: elogios de analistas a Müller.

Arndt Ellinghorst, da Evercore ISI acrescentou que "o presidente-executivo Müller aponta corretamente que se trata de um processo doloroso. A Volkswagen está cavando fundo e identificando muita coisa desagradável".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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