Folha de S. Paulo


Compra de produtora de Candy Crush dá acesso a games móveis à Activision

ACTIVISION
Kevin Spacey em seu traje de captura de movimentos durante a gravação de 'Call of Duty: Advanced Warfare
Kevin Spacey em seu traje de captura de movimentos durante a gravação de 'Call of Duty'

Tamanho importa para Bobby Kotick, cuja produtora norte-americana de videogames Activision Blizzard está pagando US$ 5,9 bilhões para adquirir a King Digital, líder europeia no segmento de games para aparelhos móveis.

Quando "Call of Duty" - talvez a série de videogames mais conhecida da Activision - obteve recordes de vendas em seus lançamentos em anos sucessivos, Kotick definiu a façanha como o maior lançamento na história do entretenimento, comparável aos filmes de grande orçamento de Hollywood.

O preço que ele pagou pela produtora de Candy Crush Saga, um dos jogos mais populares de todos os tempos, também representa uma das maiores quantias pagas por qualquer marca de entretenimento nos últimos anos. As duas recentes aquisições transformadoras da Disney, que tomou o controle da gigante dos quadrinhos Marvel e da Lucasfilm, foram ambas mais baratas, atingindo a marca dos US$ 4 bilhões cada.

Mas como Hollywood, o setor de jogos está enfrentando uma transição complicada das grandes para as pequenas telas. E quanto a isso, Kotick não hesita em admitir que a Activision deixou a desejar.

"Não tivemos sucessos nos jogos para aparelhos móveis, realmente, e não fizemos investimentos para isso", ele diz.

Há algumas pequenas exceções: Hearthstone, um derivativo para aparelhos móveis de World of Warcraft, um jogo online para múltiplos jogadores da Activision, conquistou algum sucesso desde seu lançamento em abril. Mas embora a companhia venha tentando levar o Call of Duty e Guitar Hero aos celulares e tablets, nenhum outro de seus produtos ganhou popularidade.

"Uma das coisas que realmente respeitamos nos negócios [da King] é que eles são diferentes dos nossos", disse Kotick.

Isso se aplica à maneira pela qual os jogos são projetados e à maneira pela qual jogadores são atraídos, nas movimentadas lojas de aplicativos, e se estende à maneira pela qual a empresa obtém lucro.

Ao contrário dos gastos antecipados com a compra de um console de videogame ou assinatura de World of Warcraft, as companhias de jogos móveis de maior faturamento oferecem seus produtos gratuitamente, e uma parcela pequena mas leal dos usuários opta mais tarde por pagar para obter versões estendidas ou atualizações.

"Poderíamos ter continuado a investir para explorar esse segmento como oportunidade", diz Kotick., "Mas por mais que o fizéssemos, não creio que fosse possível adquirir a experiência e a capacidade que Riccardo [Zacconi, o presidente-executivo da King Digital] e sua equipe já têm".

A transação também cria mais um número respeitável. Combinadas, as duas empresas contam com uma rede de 500 milhões de usuários ativos. A escala que esse número representa, alardeia Kotick, só é superada pelo Facebook e Google.

Mas alguns analistas pareciam intrigados com a decisão da Activision. O Candy Crush continua a ser uma força dominante no mercado de jogos para aparelhos móveis, mas atingiu seu pico dois anos atrás. Zacconi declarou em seu anúncio na segunda-feira que a King Digital registrou 474 milhões de usuários ativos por mês no terceiro trimestre de 2015, declínio de 5% ante o trimestre anterior. Isso mantém uma tendência de ligeira queda.

"O desafio com os jogos para aparelhos móveis é transformar um grande sucesso em uma linha sustentável de títulos", diz Dan Cryan, analista de mídia digital no grupo de pesquisa IHS. "Esse vem sendo o problema para a Rovio [criadora dos jogos Angry Birds] e talvez seja o maior desafio enfrentado pela King Digital".

A esperança da Activision é que ela possa atrair usuários com novas variantes do Candy Crush e dos demais formatos de jogos da King Digital, mas portando suas marcas e desenvolvendo suas séries de jogos, que remontam aos primeiros jogos para computadores, destinados aos consoles Atari, Commodore e Nintendo iniciais.

"Trazemos 35 anos de criação de propriedade intelectual", disse Kotick. "Temos mais propriedades intelectuais, que agora estarão disponíveis para Riccardo, do que qualquer outra fonte".

No entanto, alguns analistas acreditam que os jogos atuais da Activision tenham mais em comum com o mundo de fantasia de Game of War, jogo produzido pela Machine Zone, ou Clash of Clans, da Supercell - jogos conhecidos como "mid-core", que atraem uma audiência menor mas mais dedicada do que os jogadores casuais atraídos pelas açucaradas delícias do Candy Crush.

Mas Zacconi, antigo "empreendedor residente" na Benchmark, uma administradora de capital para empreendimentos no Vale do Silício, insiste em que há coisas mais importantes que a afinidade temática.

"Temos uma das maiores redes e, em minha passagem pela Benchmark, aprendi que é melhor ter acesso a uma audiência realmente ampla e, a partir disso, segmentá-la e explorar diferentes oportunidades, do que ter um negócio muito largo em termos de receitas mas com audiência muito estreita", ele diz.

Se existe um número na Activision que não é tão grande quanto parece, pode ser o preço que ela pagou pela King Digital.
Michael Pachter, analista de jogos na corretora Wedbush Securities, disse que, excluídos os US$ 900 milhões em reservas de caixa da King Digital, a Activision está pagando cerca de sete vezes o valor do fluxo de caixa operacional da empresa para adquiri-la.

Isso "não é muito caro", considerando que elevará em 60 a 75 centavos de dólar o lucro anual por ação. Além disso, o pagamento será realizado em parte por meio das reservas de caixa acumuladas pela Activision no exterior, o que evita o pagamento dos impostos em que a empresa teria incorrido caso repatriasse esse dinheiro.

A oferta, no valor de US$ 18 por ação, também representa deságio de 20% ante o preço de US$ 22,50 pelo qual a King Digital realizou sua oferta inicial de ações há 18 meses.

"Cumprimento a Activision por ter sido introspectiva o bastante para compreender que não teria condições de vencer sozinha nesse novo mercado", diz Pachter sobre o esforço da empresa para usar a King Digital como caminho para avançar dos consoles de videogames aos aparelhos móveis. "E cumprimento a King por compreender que eles não são um grande negócio caso optem por se manter independentes. Juntas, as duas companhias têm mais chance".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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