Folha de S. Paulo


Dependentes de uma única empresa, cidades vivem síndrome de abstinência

Dewson Pereira, 29, percorre dia e noite as ruas de Ipojuca, região metropolitana de Recife, com seu mototáxi em busca de passageiros.

Ele perdeu, há um ano, o emprego de caldeireiro na refinaria Abreu e Lima —como outros 1.500 operários demitidos em uma única semana.

Com a mudança, sua renda mensal caiu de R$ 3.100 para R$ 1.000, e agora ele tenta adaptar o orçamento para sustentar a mulher, Thalya do Nascimento, 18, e a filha Ana Clara, de dois anos.

MAPA DO DESEMPREGO

Com a economia totalmente dependente das atividades da empresa e do estaleiro Atlântico Sul, a cidade —e seus moradores— sentem agora a síndrome de abstinência provocada pela crise das duas companhias.

"Os municípios menores são mais vulneráveis, principalmente quando dependem mais de alguma empresa, setor específico da economia ou grande obra", afirma Marcel Caparoz, economista da RC.

"Se normalmente comprava dez quilos de arroz, agora compro cinco. A gente vai moderando", diz Thalya.

A dificuldade financeira do casal se repete em municípios do topo da lista de 1.149 cidades com mais de 30 mil habitantes que mais perderam vagas em relação à população.

Onde fica Ipojuca

Dados da RC Consultores mostram que o saldo de vagas fechadas em Ipojuca em 12 meses (28.226) equivale a 31% da população (91.341).

A crise da Petrobras também afeta Maragogipe (BA), onde a paralisação das obras do estaleiro Enseada do Paraguaçu (controlado por Odebrecht, OAS e UTC, atingidas pela Operação Lava Jato) fechou 4.489 vagas em 12 meses, quase 10% da população.

Três Lagoas (MS), onde seria construída a UFN3, unidade de fertilizantes da Petrobras, e Itaboraí (RJ), sede do complexo petroquímico Comperj, também foram afetadas.

Procurada, a Petrobras disse que busca parceiro para concluir a UFN3 e que parte do Comperj segue em obras.

MINÉRIO DE FERRO

Foi a dependência da atividade de mineração que colocou Itabirito, Nova Lima e Itabira (MG) no alto do ranking.

Elas foram afetadas por demissões com o fim de obras da Vale. Segundo Maurício Martins, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Itabira, os cortes ocorrem por causa da queda do preço do minério de ferro.

"A preocupação é aumento de violência", disse.

Em Promissão, no interior de São Paulo (a 451 km da capital), a Marfrig parou uma unidade de abate e fechou 500 postos de trabalho, 30% do corte líquido de vagas da cidade nos últimos 12 meses.

Quem também sofre com a parada de uma grande obra é Altamira (PA). Com o início da desmobilização do canteiro de obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, foram 10.229 demissões.

A Vale disse que não fez demissões, apenas aproveitou a rotatividade de profissionais para não repor vagar.

A Marfrig não comentou o caso porque está em "período de silêncio" —proibição de dar entrevistas às vésperas da divulgação de indicadores financeiros.


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