Folha de S. Paulo


Para atrair jovens aos cemitérios, setor funerário cria campanha e eventos

Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Denilson Domingues de Almeida, 38, no box de flores onde trabalha há dez anos, ao lado do cemitério do Araçá
Denilson Domingues de Almeida, 38, no box de flores onde trabalha, ao lado do cemitério do Araçá

A popularidade do Dia das Bruxas cresce entre as crianças, mas o Dia dos Mortos parece em baixa entre os jovens.

Nas bancas de flores da av. Dr. Arnaldo, estabelecidas há mais de 80 anos ao lado de um dos cemitérios mais centrais de São Paulo, o movimento tem caído ano após ano no feriado de Finados.

"A venda de flores no Dia de Finados está caindo muito porque é um costume de pessoas mais velhas. Os jovens de hoje em dia não ligam muito para isso", afirma Salvinho Rocha, 34, do box 3 da calçada do cemitério do Araçá, na zona oeste de SP.

Para compensar a mudança, os comerciantes criaram a campanha "Dê flores aos Vivos", diz seu vizinho Denilson Domingues de Almeida, 38, há dez anos do box dois.

AS DATAS MAIS FLORIDAS - Participação das principais datas comemorativas na venda de flores, em %

Banners em redes sociais e adesivos espalhados por algumas das 23 bancas estimulam a venda de flores desassociada do cemitério. Almeida estima que 90% de suas vendas não vão parar sobre os túmulos do Araçá.

Seus dias mais aquecidos são o Dia dos Namorados e o das Mães, que colocam as rosas vermelhas e as orquídeas no topo da lista das mais vendidas (veja quadro).

Em pesquisa recente realizada pela Hórtica –consultoria especializada no segmento– em parceria com o Sindiflores (sindicato do setor), 65% das floriculturas entrevistadas no país preveem queda de cerca de 20% nas vendas neste feriado.

Os lojistas também estimam que, na média, os buquês e os vasos vendidos terão preços inferiores aos do ano passado –e citam a crise e o desemprego como causa.

PRODUTO PADRÃO

Para Hélio Junqueira, um dos sócios da Hórtica, é difícil para as floriculturas serem competitivas na venda de crisântemos. "O cliente vai atrás de preço e não dá para competir com o supermercado. Também há muitos ambulantes na rua nessa data."

Ele diz que o crisântemo passou a ser culturalmente valorizado para essa homenagem por ser uma flor durável, barata e vendida em vasos com terra em vez de água –proibida em cemitérios devido ao risco de dengue.

Dois vasos dessa espécie, na variedade amarela, foram os escolhidos por Yone Raduan Lopes, 68, cliente habitual do mercado da av. Dr. Arnaldo. Ela diz que nem a crise a fará deixar de homenagear seus mortos no Araçá.

Mas não são só as flores têm escasseado no Dia de Finados, diz a administradora do cemitério, Flavia Sousa Morais, 38. Os visitantes também: "Concluo que essa geração atual não valoriza os mortos como antigamente. Há jazigos excelentes abandonados pelas famílias".

MAMONAS ASSASSINAS

Para atrair esse público de volta aos cemitérios em datas significativas, uma empresa do setor funerário de Guarulhos investiu em eventos e na comunicação.

Nas datas especiais, o Grupo Primavera faz missas e palestras de apoio às famílias.

Para este Dia de Finados, por exemplo, programaram uma homenagem aos Mamonas Assassinas (enterrados no local) e uma performance multimídia de teatro, vídeo e música, abordando os temas legado, saudades e tempo.

"Aqui a tradição se mantém e até tem crescido. Todas as faixas etárias estão representadas. Na noite do dia 1º para o 2 de novembro, por exemplo, há um evento noturno que conta com várias crianças. O tema deste ano será a cultura oriental e o legado dos antepassados", diz Priscilla Sérvulo, assessora de comunicação do grupo.

Na contramão dos floristas ouvidos pela pesquisa da Hórtica, ela espera um aumento de 5% na venda de flores em relação a 2014.

-

  • RITUAIS - Entenda o que Finados tem a ver com Halloween

O hábito de levar flores aos mortos é uma inspiração que trazemos do mundo mediterrâneo, de onde o cristianismo veio, de acordo com Leandro Karnal, professor de história da cultura da América na Unicamp.

Ele conta que gregos e romanos tinham o hábito de cultuar deuses e antepassados com guirlandas.

O uso de louros era comum e é provável que seu motivo seja para afastar o cheiro da morte.

"Levar coisas vivas aos mortos, como flores, também seria uma forma de manter a vida", comenta.

É possível que o costume de ir a cemitérios no Dia de Finados seja uma maneira de aplacar os mortos, pondera Karnal.

"No mundo católico, a negociação para a salvação é mais visível."

O ritual tem três dias: Finados, ou Dia dos Fiéis Defuntos, sucede o Dia de Todos os Santos, em 1º de novembro, no qual se comemora o triunfo da igreja —com todos seus santos.

Segundo a tradição celta, na véspera desse dia, ou seja, no dia 31 de outubro, Deus solta todos os demônios na Terra.

Por isso, o Dia das Bruxas (Halloween) antecede o de Todos os Santos, que, por sua vez, é celebrado antes de Finados.

"Significa manter a ideia de que, depois de todo o mal, vem todo o bem", diz Karnal.


Endereço da página:

Links no texto: