Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Há duas economias na China, e PIB não é a melhor bússola

A economia chinesa cresceu 6,9% no terceiro trimestre, o pior resultado desde a crise de 2009. Essa é a manchete nos jornais no mundo, onde não faltaram alertas para os impactos negativos na economia mundial.

Todo esse ruído tira o foco para o que realmente deve ser visto: os números indicam que existe uma China com duas economias em diferentes velocidades.

Existe a China em desaceleração, cada vez mais, com menor peso no PIB. Esta engloba o valor gerado a partir da produção industrial (crescimento de 8,3% em 2014 e 5,7% até setembro de 2015), exportações (de 5,5% para -3,7%) e importações (de 0,9% para -20,4%).

Além disso, deve-se notar a mudança estrutural em vigor na área de investimento em ativos fixos. O dado apresenta uma desaceleração do crescimento de 15% para 10% em 2015. No entanto, quando se comparam novos projetos com aqueles em expansão há, pela primeira vez, menor crescimento em nova construção.

Participação no PIB da China, em %
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NOVA DECOLAGEM

Há também a nova economia, que ainda não decolou, porém apresenta sólido crescimento ao longo dos últimos anos. O carro-chefe desta é o consumo, representado por dados de vendas do varejo (crescimento entre 10-11%).

As vendas foram impulsionadas pelo aumento da renda disponível das famílias, que sofreram aumentos reais entre 7-8%.

Para essa economia decolar de vez, o governo ainda precisa realizar reformas como a liberação da taxa de depósito que trará maior rendimento às poupanças das famílias, a implementação de novas medidas de expansão da rede de proteção social, e o detalhamento do plano de urbanização (hukou), que ainda carece de critérios dos governos locais.

Crescimento do investimento, em %
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Em ativo fixo, ante o ano anterior

E O BRASIL?

E como fica a relação do Brasil com a China?

Os mercados internacionais posicionam o Brasil no grupo de países que são dependentes de commodities, indicando que qualquer variação negativa do PIB afeta a economia brasileira. Isso tem impacto na avaliação do valor de mercado das empresas, que estão cada vez mais à mercê de pequenas flutuações do PIB da China.

Uma análise detalhada, porém, indica que o Brasil tem, dentro do possível, conseguido se beneficiar dessas duas economias. A economia em desaceleração, apesar de ter impactado os preços das commodities que são exportadas pelo Brasil ainda não foi suficiente para reverter o volume exportado.

De acordo com dados do governo, o Brasil praticamente manteve constante o volume de minério de ferro e dobrou o volume de petróleo exportado para a China. Resta saber por quanto tempo será possível manter o patamar.

Por outro lado, a nova China demandará mais produtos agrícolas. Entretanto, não é tudo maravilha nessa relação. Ainda existem importantes barreiras não tarifárias que impendem o avanço das exportações agrícolas, e a estratégia das empresas chinesas de importar a matéria prima e processá-la para o mercado local é outro obstáculo.

Por fim, fato é que o número do PIB não serve mais como uma proxy para a interpretação do que está acontecendo com a economia chinesa. Principalmente, para o Brasil, para o qual o impacto pode tanto ser positivo quanto negativo, dependendo da dinâmica de cada setor.

ANDRÉ SOARES é economista especialista em China e ex-coordenador de pesquisa do Conselho Empresarial Brasil-China


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