Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Perspectivas do yuan são enigma para os investidores

Quando a China interveio para conter a queda dos mercados de ações em julho, foi criticada no Ocidente por sua abordagem bruta, desprovida de sutileza. Pequim tampouco recebeu muitos elogios pela maneira com que conduziu a desvalorização do yuan em agosto, apanhando o mercado de surpresa.

Mas os investidores que subestimam a China o fazem por sua conta e risco: na semana passada, a embaraçosa disparidade nas taxas de câmbio interna e externa do yuan diante do dólar desapareceu súbita e surpreendentemente —suspeita-se que por intervenção. As autoridades econômicas chinesas em seguida partiram prontamente para uma semana de feriado —encerrado na quinta-feira— deixando os mercados externos no vácuo, durante a adaptação a essa nova realidade.

Em termos gerais, existem duas escolas de pensamento quanto à desvalorização de agosto na China, e as mudanças concomitantes na maneira pela qual o yuan é administrado. A primeira é que ela representou uma ofensiva fracassada na guerra cambial esporádica que existe entre os países exportadores, e revelou uma economia interna chinesa muito mais fraca do que os dados oficiais sugerem.

A segunda é que o Banco Popular da China, o banco central do país, foi apanhado de surpresa pela reação ao seu novo regime porque não compreendia a força considerável do ceticismo internacional quanto à economia chinesa. Sob essa interpretação, as mudanças tinham na verdade menos a ver com questões econômicas concretas e mais com um esforço para satisfazer o Fundo Monetário Internacional (FMI), como parte da campanha de Pequim para fazer do yuan uma moeda oficial de reserva.

Minimizar a disparidade entre as duas taxas de câmbio do yuan sustenta essa segunda explicação. As taxas dispares complicavam as coisas, porque no mundo mais sensível aos mercados que o banco central chinês alardeou dois meses atrás, as duas taxas deveriam se mover juntas. Esse também era um dos objetivos declarados das mudanças de agosto.

A ironia é que, antes da desvalorização, as duas taxas se acompanhavam de perto, e a taxa externa de câmbio do yuan era relativamente mais fraca —o que sugeria que os operadores antecipavam ligeira queda do yuan diante do dólar, mas não mais que isso. Da metade de agosto à semana passada, a disparidade entre as duas taxas de câmbio saltou para uma média de 12 vezes seu nível usual.

Além da falta de confiança no banco central chinês, um yuan perceptivelmente mais barato no exterior indica que novas desvalorizações estão sendo incorporadas aos preços —e essa postura cautelar pode ser tornar presságio, caso venha a causar fuga de capitais.

Os indicadores claramente indicam que há uma fuga em curso. O dólar de Hong Kong vem esbarrando na ponta mais alta de sua faixa de flutuação diante do dólar dos Estados Unidos já há cinco semanas, forçando as autoridades a intervir. Em agosto, os depósitos em yuan no território caíram em 1,5%, seu primeiro declínio desde março. Cerca de 10% dos depósitos bancários em Hong Kong são feitos em yuan. Essas posições funcionam como aposta em uma valorização da moeda, e assim não muita coisa seria necessária para convencer os poupadores de Hong Kong a convertê-las. Os números quanto aos depósitos de setembro devem sair no final do mês.

As ações da China mesma sugerem que alguma calma esteja retornando depois da tempestade de agosto. Dados divulgados na quarta-feira mostram que as reservas cambiais da China caíram em US$ 43 bilhões no mês passado. Isso significa que o banco central controlou a moeda com metade do esforço requerido em agosto, quando o recorde de US$ 94 bilhões em reservas foi consumido —ainda que os gastos reais sejam calculados em bem mais de US$ 100 bilhões se forem computados os mercados futuros e outras medidas.

Mesmo com o feriado na China, a taxa externa do yuan continuou a subir. Isso ajudou o banco central chinês a intervir em apoio à taxa interna de câmbio sustentando uma cotação de 6,3512 yuan por dólar na quinta-feira —a mais alta desde o tumulto sobre a desvalorização.

O que os investidores acreditam acontecerá a seguir depende do que consideram ter acontecido previamente. Aqueles que acreditam que a desvalorização sinalizava fraqueza econômica muito maior do que as autoridades reconhecem anteciparão mais fraqueza no câmbio chinês, à medida que as autoridades chinesas ponderam se devem ou não continuar queimando reservas para sustentar o yuan.

Quem quer que se incline a pensar que a moeda é acima de tudo parte de uma agenda mais ampla de política econômica chinesa destacará a reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Lima esta semana e, logo depois dela, a plenária política do Partido Comunista chinês em Pequim - para as quais a China desejará mercados calmos e controlados. E em novembro, o conselho do FMI deve teoricamente votar sobre a inclusão do yuan na lista de moedas de reserva da instituição, em companhia do dólar, euro, libra e iene.

O curso mais provável deve ficar entre esses dois extremos. A China realmente quer que sua moeda se torne uma divisa de reserva internacional, mas depois de agosto não confia em que os investidores internacionais compreendam o fato —da mesma maneira que estes não confiam na China, no momento. A alta acentuada da taxa externa de câmbio do yuan pode resultar de intervenção, não do clima entre os investidores, mas provavelmente é a jogada certa para evitar a dor nos próximos meses - afinal, para que servem US$ 3,5 trilhões em reservas se não para garantir proteção em momentos de desgaste indesejado?

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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