Folha de S. Paulo


Deficit fiscal puxa o dólar para cima e pressiona inflação em 2016

Nacho Doce - 6.ago.2015/Reuters
A woman holds a giant U.S. $1 banknote and a five reais banknote inside a shop, in the town of Itu, northwest of Sao Paulo, Brazil August 6, 2015. Brazil's 12-month inflation rate rose more than expected in July, to the highest in nearly 12 years, as electricity rates continued to increase sharply. A severe economic downturn and widening corruption scandal that involves dozens of lawmakers has undercut confidence in President Dilma Rousseff's leadership and raised public support for her impeachment just six months into her second term. These political tensions have dragged the Brazilian real to its weakest in more than 12 years against the U.S. dollar and prompted doomsday warnings from big investors. Picture taken August 6, 2015. REUTERS/Nacho Doce ORG XMIT: NAC01
Mulher segura nota de 'dólar de Itu' em Itu, no interior de São Paulo

A trajetória explosiva e sem solução no curto prazo para o deficit público vem sendo seguida de perto pela disparada na cotação do dólar.

O movimento tende a levar o repasse da alta da moeda norte-americana para a inflação, com reflexos negativos na popularidade da presidente Dilma Rousseff, especialmente entre os mais pobres.

Nos últimos dias, bancos e consultorias revisaram para cima as expectativas de inflação para 2016. Há apostas superiores a 7,5%, percentual maior que o teto da meta do Banco Central (6,5%).

Isso apesar da expectativa de uma recessão que pode derrubar o PIB em quase 3% neste ano e mais 1% em 2016.

O que se teme é um círculo vicioso: o deficit nominal (que inclui juros da dívida pública) sobe e pressiona o dólar (confira quadro acima).

A cotação da moeda americana encarece importados e piora a expectativa de inflação. O BC mantém ou eleva os juros para conter os preços. A dívida sobe, pressionando o dólar e a inflação.

Em tese, essa dinâmica poderia ser quebrada por uma forte recessão como a atual, provocada por expectativas negativas de consumidores e empresários e por juros altos.

O problema, segundo especialistas, é que não existe um ajuste fiscal do setor público em curso capaz de reduzir a trajetória do deficit.

Para esses analistas, Dilma não tem apoio no Congresso para aprovar sequer uma agenda fiscal mínima, quanto mais algo estrutural, com mudanças constitucionais.

O temor agora é que a taxa de juro não dê conta, sozinha, de segurar expectativas inflação de uma economia pouco competitiva como a brasileira. E com uma forte memória inflacionária, que tende a mecanismos de indexação como a cotação do dólar.

DOMINÂNCIA FISCAL

"Estamos às portas da dominância fiscal. Se não fizermos um ajuste nessa área, talvez não faça mais sentido combater a inflação só com os juros", diz o economista Samuel Pessoa, da FGV/Ibre e colunista da Folha.

"Seguir com os juros em alta contra a inflação só piora o quadro. O mercado antecipa que o governo vai emitir moeda à frente para rolar a dívida, o que é inflacionário."

O chamado deficit público nominal do setor público (que pressiona o dólar) inclui o que o governo gasta com os juros pagos pelo BC para financiar sua dívida.

A Selic atual, em 14,25% ao ano, custa quase R$ 500 bilhões anuais ao Tesouro –8% do PIB e 18 vezes o gasto anual do Bolsa Família).

"Como já vem ocorrendo, a deterioração fiscal no Brasil será acompanhada pela elevação do dólar, com reflexo na inflação", diz Ramón Aracena, economista-chefe para a América Latina do IIF (Instituto de Finanças Internacionais), de Washington.

"O que falta ao país é uma âncora fiscal que corte gastos públicos e que contenha esse ciclo negativo. Não estamos vendo isso acontecer."

Para o economista José Márcio Camargo, da PUC-RJ, muitos já pensam: "Nessa trajetória, não tem como pagar a dívida". "Há cada vez mais gente preocupada com o risco de insolvência e considerando sair de papéis do governo e se refugiar no dólar."

A busca pela moeda norte-americana não é necessariamente física, mas em contratos futuros referenciados em dólar e garantidos pelo BC.

Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, além do câmbio, outro incentivo à inflação, apesar da recessão, é a atual regra para o reajuste do salário-mínimo (a soma da inflação do ano anterior e da variação do PIB dos últimos dois anos).

Além de indexar benefícios da Previdência à inflação, o reajuste impacta muito no preço dos serviços. O setor soma 70% do PIB e não tem concorrência externa.

Em janeiro, Dilma desautorizou o ministro Nelson Barbosa (Planejamento) de propor regra que condicionaria o aumento do mínimo a ganhos de produtividade.

O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves, também vê, por conta do deficit e do dólar, "muita gente trabalhando com inflação para 2016 entre 1,7 e 2 pontos acima da última previsão" do Boletim Focus do BC (5,7%). "É um círculo vicioso. O fundo disso é muito difícil de imaginar", afirma ele.

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