Folha de S. Paulo


Maiores obstáculos à união entre AB InBev e SABMiller estão nos EUA

Siphiwe Sibeko/Reuters
Bottles of beer move along a production line at South African Breweries, owned by SABMiller, in Alrode, South Africa in this April 2, 2009 file photo. Anheuser-Busch InBev has approached rival SABMiller about a takeover that would form a brewing colossus which makes around a third of the beer consumed globally. Belgium's AB InBev - the world's biggest brewer - makes Budweiser, Stella Artois and Corona, while Britain-based SABMiller - the No. 2 player - owns Peroni, Grolsch and Pilsner Urquell beers. REUTERS/Siphiwe Sibeko/Files ORG XMIT: LONX302
Garrafas em linha de produção de uma cervejaria da SABMiller, em Alrode, África do Sul

As duas maiores fabricantes de cerveja do planeta —Anheuser-Busch InBev e SABMiller— têm sede na Europa. Mas os maiores obstáculos a uma potencial fusão entre as proprietários de marcas como a Budweiser e Miller Lite, respectivamente, devem aparecer nos Estados Unidos.

Richmond, Virgínia, na costa leste dos Estados Unidos, abriga a sede da Altria, a companhia de tabaco que fabrica os cigarros Marlboro. Como maior acionista da SABMiller, com participação de 27%, sua decisão será crucial para o sucesso da tentativa de tomada de controle pela AB InBev que emergiu na semana passada.

O mesmo se aplica à posição da BevCo Ltd, uma companhia sediada em El Salvador que controla os investimentos da família Santo Domingo, da Colômbia, e detém 15% das ações do grupo.

Também é nos Estados Unidos que a possível união enfrenta os maiores problemas em termos de competição, ainda que autoridades antitruste de todo o planeta devam avaliar cuidadosamente a proposta.

Os termos da oferta da AB InBev não foram revelados. Nem a AB InBev e nem a SABMiller comentaram no domingo se negociações quanto à transação recomendada que a AB InBev diz desejar estão ou em curso, ou se, como alguns analistas acreditam, a SABMiller está preparando uma rejeição, possivelmente com o objetivo de obter melhores termos.

A Altria também está mantendo o silêncio, mas contratou o Credit Suisse e o Perella Weinberg como consultores financeiros.

Com base em suas recentes declarações públicas, porém, parece que a Altria estaria aberta a se tornar parte de uma companhia maior, desde que ela produza contribuição para seus lucros igual, ou superior, àquela que sua fatia da SABMiller propicia.

Como disse Howard Willard, o vice-presidente de operações da Altria, em fevereiro, "a participação contribui muito positivamente para o lucro por ação" da empresa. A receita gerada pela participação cresceu em ritmo composto de 11% ao ano nos últimos cinco anos e contribuiu com US$ 1 bilhão para os lucros anteriores aos impostos da Altria em 2014.

Michael Lavery, analista da CLSA, diz que, dadas estrutura e termos financeiros adequados, o fluxo de caixa da Altria poderia se beneficiar do rendimento de dividendos da AB InBev, que atinge os 3% e é mais alto que os 2,2% da SABMiller.

Mesmo que os acionistas da SABMiller venham a concordar com uma fusão, o acordo estaria sujeito a meses de escrutínio pelas autoridades de defesa da competição.

A AB InBev já vende 20% da cerveja do planeta, e a SABMiller responde por 10% do mercado. Um grupo combinado ficaria com metade do lucro que a cerveja propicia no mercado mundial.

Nos Estados Unidos, o grupo combinado controlaria 78% do mercado, o que torna inevitável que algumas marcas ou unidades tenham de ser vendidas. A Molson Coors, parceria da SABMiller em sua joint venture MillerCoors nos Estados Unidos —que tem uma opção de compra sobre a parte da parceira na empresa—, receberia "uma oportunidade única" de adquirir os 58% da SABMiller na MillerCoors, de acordo com a agência de classificação de crédito Fitch, que avalia o valor da participação em US$ 9 bilhões.

Mas existe, além disso, a questão de se mais vendas de marcas ou unidades seriam requeridas, e se o volume de vendas compulsórias poderia se tornar grande a ponto de desafiar a lógica da combinação entre as duas empresas.

Isso acontece porque o Departamento da Justiça consideraria também os acordos de distribuição, vendas, engarrafamento e outras operações que afetam o controle de preços e da oferta.

Em 2013, o departamento inicialmente bloqueou a aquisição do Grupo Modelo, do México, fabricante da cerveja Corona, pela AB InBev, em uma tomada de controle acionário de valor muito mais baixo, US$ 20 bilhões.

A AB InBev ficou surpresa com a linha dura adotada pelo Departamento da Justiça, de acordo com pessoas conhecedoras de detalhes da negociação. A AB InBev teve de vender as operações do Grupo Modelo nos Estados Unidos, que incluíam licenças para a produção de suas marcas de cerveja, abrindo mão de uma importante fabricante de cerveja e vendendo a participação do Grupo Modelo na Crown Imports à Constellation Brands.

O outro país em que existe sobreposição significativa é a China, onde a AB InBev e a SABMiller controlam mais de 40% do mercado de cerveja.

No entanto, não é necessariamente inevitável que Ministério do Comércio chinês, responsável por regulamentar fusões e aquisições no país, venha a exigir a venda da participação da SABMiller na Snow, a cerveja mais vendida da China, com 21% do mercado.

Isso acontece porque o mercado chinês de cerveja é relativamente não consolidado - as cinco maiores fabricantes de cerveja do país respondem por 70% do volume, de acordo com Tristan Van Strien, analista do Deutsche Bank.

Um advogado especialista em questões antitruste, que pediu que seu nome não fosse citado, disse que se a agência regulatória chinesa tomar a posição de que o número de grandes fabricantes no mercado está sendo reduzido de cinco para quatro, "existe uma boa chance de que nenhuma correção seja imposta".

Mas se for necessário vender unidades ou marcas, a China Resources Enterprise (CRE), parceira da SABMiller na joint venture Snow, com 51% do capital, teria vantagem para adquirir a parcela da parceira, sobre a qual ela tem direitos de opção.

A CRE é uma empresa estatal que recentemente vendeu suas problemáticas participações no mercado de varejo, entre as quais uma joint venture com a rede britânica de supermercados Tesco, à controladora da companhia, a China Resources Holdings, com a intenção de concentrar suas operações na cerveja.

A CRE afirma que "não podemos comentar. Temos um acordo de confidencialidade com nossos ótimos parceiros na China, a SABMiller".

Também existe sobreposição em certas partes da Europa, entre as quais a Itália e a Polônia, mas em Bruxelas os advogados estão otimistas quanto a uma fácil resolução das questões de competição na Europa.

A SABMiller, que produz as cervejas Peroni, Grolsch e Pilsner Urquell, não tem uma marca dominante como a Stella Artois, da AB InBev. O que resultará em poucos obstáculos quando a Comissão Europeia considerar os efeitos da transação sobre o mercado da cerveja como um todo.

Mas ela pode optar por concentrar suas atenções em segmentos de mercados específicos, como as lagers engarrafadas categoria premium.

"O que é difícil prever é o que acontece quando você chega a um nível mais granular", diz Christopher Bright, advogado especialista em questões de competição no escritório Shearman & Sterling. "A SABMiller tem muitas cervejas premium em garrafa e algumas delas podem ter de ser vendidas".

Abandonar uma ou duas marcas menores de cerveja lager na Europa provavelmente não torpedearia o acordo —especialmente porque o crescimento da SABMiller na Ásia e África é um dos principais atrativos para a AB InBev.

Por fim, mesmo que a AB InBev consiga superar os obstáculos regulatórios, ainda enfrentará o desafio de quase certamente ter de renegociar os termos de joint venture com os muitos parceiros da SABMiller, entre os quais a Castel, na África, aliança que, de acordo com analistas do banco Berenberg, "foi essencial para a história de crescimento da SABMiller no continente".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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