Folha de S. Paulo


Em nome dos valores da marca, empresários rejeitam clientes

Jim Adkinson, contador em Orlando, Flórida, tem um teste para determinar que é hora de dispensar um cliente: se ele decidir não atender a ligação quando vê na tela do telefone quem está ligando.

Outro fator que pode decidir uma dispensa: caso o cliente rejeite repetidamente as suas recomendações, ou atendê-lo se torne muito frustrante, ele opta por encerrar o relacionamento.

Descartar faturamento pode parecer sacrilégio para os donos de empresas, especialmente se a companhia é nova e o fluxo de caixa é apertado. Mas empreendedores veteranos afirmam que ser seletivo quanto às pessoas com quem você trabalha, e os termos desses relacionamentos profissionais, é um passo crucial para a construção de um negócio de sucesso - e um passo cada vez mais complexo.

Jordhy Ledesma, consultor de Internet em Charlottesville, Virgínia, cujo foco é o mercado latino, paga US$ 50 mensais pelo uso do sistema Mention.com, um serviço de busca que ele emprega para pesquisar as contas sociais de potenciais clientes em busca de termos problemáticos como "hispânico" ou "latino" combinados a palavras como "processo judicial" e "discriminação". Se o potencial cliente tem um histórico de maus tratos a minorias raciais, Ledesma provavelmente recusará o contrato.

"Fazemos muitos trabalhos para clientes como a primeira dama da República Dominicana e a Fundação Clinton. Se você presta serviços a governos, é uma área muito, muito, muito delicada", ele diz. "Como agência, você precisa buscar positividade, para qualquer associação de marca. Não há como trabalhar com pessoas que apresentem esse tipo de questão".

Ledesma recentemente recusou um cliente que era parte do ranking "Fortune 1000" [as mil empresas de maior faturamento dos Estados Unidos], depois que suas buscas identificaram mais de três mil exemplos de comportamento dúbio de parte da empresa. "Você se pergunta que tipo de companhia deseja criar", ele diz. "O que importa é só a conta bancária ou mais do que isso?"

As empresas em geral têm liberdade para recusar potenciais clientes por muitas razões - exceto quando haja discriminação envolvida. Tribunais no Colorado e Oregon recentemente decidiram contra proprietários de padarias que se recusaram a vender bolos de casamento para casais homossexuais.

Os tribunais decidiram que os confeiteiros haviam violado as leis estaduais de acomodação pública, nos dois Estados. Elas proíbem empresas de recusar serviço a clientes por motivo de raça, sexo ou opinião religiosa, entre outros fatores. Em 22 Estados norte-americano, entre os quais Colorado e Oregon, a orientação sexual está incluída nesses estatutos.

Quase todos os Estados dos Estados Unidos têm leis de acomodações públicas, mas aquilo que essas leis cobrem varia amplamente. As leis pesam mais sobre empresas que prestam serviços essenciais, como os de assistência médica, e as que atendem consumidores diretamente. O setor de varejo, por exemplo, quase sempre está sujeito a esse tipo de lei.

"Coisas que são consideradas como necessidades ficam sujeitas a escrutínio mais intenso", disse Charles Bowen, advogado de empresas em Savannah, Geórgia.

Os casos quanto aos bolos de casamento atraíram atenção nacional, mas em quase 30 Estados, as ações dos donos de empresas teriam sido legais, disse Bowen. Ele recomenda que os proprietários de empresas se familiarizem com as leis de seus Estados.

"Se uma pessoa chega e se comporta de forma rude, agressiva ou desordeira, uma empresa privada tem absoluto direito de recusar serviço a essa pessoa. Já expulsei pessoas do meu escritório de advocacia", ele disse.

"A única proteção é que não se pode fazê-lo por conta de alguma forma ilegal de discriminação".

A linha entre ser seletivo e ser discriminatório pode ser bem difícil de distinguir.

Nas semanas posteriores ao furacão Sandy, em 2012, Jane Parmel, fundadora e coproprietária da Events by TFL, uma empresa de planejamento de eventos em Coney Island, estava desesperada por obter clientes. O furacão havia atingido com força o edifício de três andares que abriga sua sede, destruindo todos os seus estoques: US$ 12 mil em balões, fitas de cetim, coberturas para cadeiras e outros acessórios.

Nicole Bengiveno/The New York Times
Jane Parmel, fundadora da Events by TFL, prepara local de festa em Nova York, nos EUA
Jane Parmel, fundadora da Events by TFL, prepara local de festa em Nova York, nos EUA

Na época, ela estava começando a estudar os antecedentes de um potencial cliente - uma organização de base religiosa cujo nome ela prefere não citar - e decidiu inequivocamente dispensar a oportunidade.
"Eles eram muito avessos aos LGBT, e isso me enervava", ela disse, se referindo à comunidade dos gays, lésbicas e transgêneros. Ela se orgulha da diversidade de sua equipe e clientela.

O cliente ficou "muito confuso" quando ela recusou o serviço, até que Parmel delicadamente explicou que "acredito que não compartilhemos do mesmo sistema de crença".

As leis de Nova York proíbem discriminação com base em religião ou credo, mas Bowen disse duvidar que a escolha de Parmel pudesse ser definida como violação dessa normal.

"É uma linha difícil de definir", ele disse. "E se alguém declarar que sua religião o proíbe de conviver com negros? Você estaria discriminando essa religião ao se recusar a fazer negócios com a pessoa? Creio que não. Se a pessoa está envolvida em algo que seria considerado ilegal, acho que é legal recusar fazer negócios com ela".

Rejeitar vendas se torna mais fácil quando uma empresa cria uma base de clientes, reconhecem alguns donos de empresas. Adkinson, o contador, abriu seu escritório há cinco anos e foi se tornando mais seletivo com o tempo. Ele tem dois filhos pequenos e cinco funcionários de tempo integral, e por isso recursar propostas é algo que ele não faz com leviandade.

"No começo eu aceitava qualquer cliente que pudesse pagar", disse.

Os problemas de curto prazo causados pela rejeição de uma oferta lucrativa podem ter retorno positivo no futuro. Ledesma, o consultor de Internet, não se arrepende de sua seletividade. Os funcionários apreciam o fato, ele diz - e o mesmo se aplica aos clientes que ele opta por aceitar.

"As pessoas gostam de trabalhar com um consultor que mantém padrões elevados", disse Ledesma.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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