Folha de S. Paulo


TCU aponta falta de pessoal para fiscalização e contrabando cresce

Apu Gomes -22.jan.13/Folhapress
AMERICANA, SP, BRASIL, 22-01-2013, 10h00: BOLIVIANOS EM TRABALHO ESCRAVO. Etiquetas de camisas fabricadas na confeccao durante fiscalizacao do Ministerio Publico do Trabalho de Campinas, que recebeu denuncias da Policia Federal sobre uso de trabalho degradante de mao de obra boliviana em uma oficina de tecelagem de Americana, a 126kms de Sao Paulo. (Foto: Apu Gomes/Folhapress, Mercado ) *** EXCLUSIVO***
Agendas da Polícia Federal em Americana (SP); Brasil não tem pessoal suficiente para fiscalização

Para controlar os 17 mil quilômetros de fronteiras com outros países, o Brasil não tem lei, recursos, pessoal nem equipamento.

A constatação é dos próprios órgãos governamentais responsáveis por controlar essa área do território para evitar a entrada de produtos contrabandeados, armas e drogas e consta de relatório de uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre o controle de fronteiras do Brasil que será analisado nesta quarta-feira (9).

Segundo estimativas do setor industrial, a perda do país com o contrabando é de R$ 65 bilhões por ano. O valor é o dobro do déficit no orçamento federal, de R$ 30,5 bilhões, enviado ao Congresso.

A auditoria realizou entrevistas com autoridades de dezenas de órgãos responsáveis pelo controle da região e também visitas de campo a locais onde deveriam funcionar centros de operação que reuniriam os agentes responsáveis pelo controle de entrada e saída de pessoas e mercadorias no país.

Além disso, foram analisados os normativos legais e os recursos orçamentários para esse controle. E é nesse ponto que, segundo os auditores, o problema começa. O controle das fronteiras não tem políticas formais definidas. O trabalho é feito com base em três decretos que especificam pouco as responsabilidades e de onde virão os recursos para executá-las.

Sem uma política definida, não há rubricas orçamentárias específicas para as ações necessárias. Por causa disso, os técnicos sequer conseguiram avaliar quanto o país gasta no controle desse imenso espaço, onde vivem 10 milhões de habitantes em 588 municípios.

A falta de recursos e de política levou dois de cada três órgãos que estão no trabalho a informarem que não têm efetivo adequado para o controle das fronteiras. Mais da metade também aponta que os equipamentos não são adequados.

A falta de pessoal e equipamento se agrava pelo fato de que a coordenação das ações é inexistente na opinião de 82% dos órgãos entrevistados. De acordo com a auditoria, cada órgão tem um nome para sua operação de fronteira –Sentinela (Polícia Federal), Fronteira Blindada (Receita) e Ágata (Defesa). No fundo, elas fazem a mesma coisa, mas cada uma a seu jeito, sem coordenação entre elas.

"Essa condição não permite que sejam auferidos resultados oriundos de uma efetiva atuação integrada (...) Ao contrário, acirra a disputa entre os órgãos pela autoria e êxito das operações isoladamente consideradas", diz o relatório do ministro Augusto Nardes.

PRESSÃO

Além de problemas de segurança, os efeitos das falhas de fiscalização são sentidos por diversos setores da indústria, devido à entrada de contrabando, como mostrou em março uma reportagem multimídia da Folha. Esses setores têm pressionado o governo.

O deputado federal Efraim Filho (DEM-PB), líder da Frente Parlamentar de Combate ao Contrabando e à Falsificação, afirmou que a previsão das empresas prejudicadas pela concorrência dos produtos contrabandeados é fechar fábricas ainda este ano. Segundo ele, aumentar os impostos, como o governo vem fazendo, sem combater o contrabando é reduzir ainda mais a competitividade da indústria nacional.

"Vamos usar esse relatório do ministro [Augusto] Nardes para mostrar que temos alternativa ao aumento dos impostos. Vamos questionar o motivo dessa inércia do governo em combater a sonegação de impostos para arrecadar mais, sem sacrificar o contribuinte que já paga muito", afirmou o deputado.

Dados recentes da indústria apontam que, em junho, 34% dos cigarros consumidos no Brasil, ou 1 em cada 3 maços, tinham vindo ilegalmente do Paraguai, sem pagar impostos nem se submeter aos controles de produção brasileiros. Em 2011, os cigarros contrabandeados representavam 16% do consumo nacional. A estimativa é que, se os cigarros paraguaios pagassem os mesmos impostos dos brasileiros, o país arrecadaria por ano R$ 4,5 bilhões a mais.

A principal porta de entrada de cigarros é a região de Foz do Iguaçu (PR), na fronteira com Ciudad del Este, mas o produto chega também por Mato Grosso do Sul.

Em Foz, a fiscalização mais crítica é a dos barcos que cruzam ilegalmente o rio Paraguai, na área urbana, e o lago da hidrelétrica de Itaipu –que, em linha reta, tem cerca de 170 km de extensão. Apesar de bem equipada, com lanchas rápidas e armamento pesado, a Polícia Federal, que fiscaliza a entrada de contrabando, armas e drogas pela água, tem apenas 18 homens para fazer esse trabalho.

Como trabalham em turnos e sempre há alguém de férias, as operações na água são esporádicas, sem periodicidade definida. De tempos em tempos há grandes apreensões, mas, na maior parte do tempo, o lago fica descoberto, e os traficantes e contrabandistas, principalmente de cigarros, passam sem ser incomodados.

Ações da PF e da PRF (Polícia Rodoviária Federal) nas fronteiras ocorrem no âmbito da operação Sentinela, criada em 2010 pelo Ministério da Justiça com o objetivo de ser permanente. Segundo agentes envolvidos, porém, esse objetivo não saiu do papel.

Para Luciano Stremel Barros, presidente do Idesf (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras), sediado em Foz do Iguaçu, é preciso que as operações na fronteira sejam permanentes e integrem os diferentes órgãos, como PF, Forças Armadas e Receita Federal.

"O Idesf sugere que as operações sejam permanentes, todos os meses, e que haja integração, desde o planejamento das ações até sua execução", afirma.

O delegado chefe da PF em Foz, Fabiano Bordignon, atribui o crescimento recente do contrabando, sobretudo o de cigarros, a fatores como os altos impostos brasileiros, a crise econômica –que causou desemprego, levando as pessoas a atuar no mercado ilegal– e as penas brandas para o crime de contrabando –que, em geral, não levam à cadeia.

"[Enquanto isso,] O efetivo da PF tem se mantido. Estamos buscando, em Brasília, dobrar o efetivo [dos 18 policiais que fiscalizam o rio e o lago]", diz.

A Receita também sofre com falta de agentes. Segundo relatório deste ano do SindiReceita (sindicato da categoria), há 31 postos de fronteira no país com 596 servidores. Ainda conforme a entidade, estudos indicam que seriam necessários, no mínimo, 1.032 funcionários. Já o Ministério da Defesa, que reúne as Forças Armadas, só fez uma operação em 2015, por apenas uma semana. Em outros anos chegou a fazer três, algumas por quase 20 dias.

O Ministério da Defesa informou que a atuação das Forças Armadas na faixa de fronteira tem se intensificado nos últimos anos, o que inclui ações com outros órgãos.

"Ações navais, terrestres e aéreas são sincronizadas a partir de um comando operacional único, responsável pela coordenação das ações e o aperfeiçoamento da interoperabilidade, evitando a duplicação de esforços e favorecendo a redução de perdas", diz nota do órgão.

Segundo o órgão, desde 2011, quase 800 mil veículos foram revistados nas operações da Defesa.

A Receita Federal não se pronunciou até o fechamento desta edição.


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