Folha de S. Paulo


Consumidor poderá evitar surpresas na conta de luz com rede inteligente

Rodrigo Dionisio/Folhapress
 Acervo do Museu da Lâmpada, em São Paulo
Acervo do Museu da Lâmpada, em São Paulo

Uma revolução está para acontecer no sistema elétrico brasileiro. Na geração, ela será dada por uma participação maior de fontes alternativas. Na distribuição, o "smart grid", ou as redes inteligentes de energia, promete dar robustez a todo o sistema.

Segundo Wilson Ferreira Jr., presidente do grupo CPFL Energia, as tecnologias estão prontas para serem implantadas e os consumidores em breve se beneficiarão delas.

Energia
Geração renovável representa 17% da matriz

No entanto, a queda das tarifas de energia, que dispararam neste ano, não está próxima. A novidade, diz Ferreira Jr. à Folha, é que o consumidor poderá gerenciar o seu consumo, evitando tomar um susto quando a conta chegar.

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Folha - Um dos grandes focos de investimentos no Brasil são projetos de geração a partir de fontes renováveis. Essa corrida é sustentável?

Wilson Ferreira Jr. - É preciso diferenciar o que são fontes renováveis do que, no Brasil, chamamos de alternativas. Nossa matriz energética sempre comportou um percentual muito grande de hidrelétricas, que, embora sejam renováveis, não ganham o caráter sustentável que o mundo dá às gerações eólica e solar. Por aqui, chamamos de fontes alternativas, para justamente dar esse caráter de menor impacto ambiental.

Existirá um dia em que as pessoas darão preferência a produtos "green energy" (energia verde), o que ajudará o país a explorar o que sempre foi uma marca, sua grande matriz energética sustentável. Sempre tivemos um potencial hidrelétrico muito grande e, agora, temos também potenciais eólico e solar, além da biomassa da cana.

Os investimentos em eólicas dispararam nos últimos anos. Não há limites para isso?

Por enquanto, estamos longe desse limite. No caso das eólicas, o potencial brasileiro é de 350 mil MW (megawatt) e temos apenas 5,9 mil MW em operação. Se juntarmos tudo o que já tem instalado No Brasil –hidrelétricas, termelétricas, eólicas, solares –, soma 130 mil MW. Ou seja, apenas o potencial das eólicas é o triplo de tudo o que já construímos. E isso é só onshore (em terra). Não estamos falando do potencial de parques eólicos no mar.

Outro potencial extraordinário é a geração solar, com capacidade para produzir até 118 mil MW. Temos 35 MW instalados. Estamos muito longe ainda.

O investimento em energia solar ainda engatinha. Por quê?

Porque, diferentemente das eólicas, que já trabalham com eficiência de 50%, a conversão de luz em eletricidade é menor que 20%. O custo dessa fonte ainda é alto. O que desenvolveu as eólicas foram os leilões, preços competitivos, financiamentos facilitados. Somente agora estão fazendo isso com a solar. Esses tipos de fontes alternativas carecem de escala.

Entrar tarde no desenvolvimento dessas fontes não coloca o país abaixo no quesito geração de tecnologia?

Não perdemos o timing da tecnologia. Quando se participa de um leilão e se financia a construção da usina pelo BNDES, o banco exige um conteúdo nacional de 65%. Isso transformou o Brasil em um polo de produção de equipamentos. Já temos tecnologia para atender o mercado nacional e o latino-americano.

Na questão da distribuição de energia, o "smart grid" caminha lentamente. Quando a tecnologia estará disponível?

O "smart grid" é uma revolução em relação ao atendimento ao consumidor, mas talvez haja uma má compreensão do que ele é de fato. Há 20 anos, fui aos EUA avaliar como eles faziam a medição do consumo à distância. Aqui, até hoje, um "leiturista" vai mensalmente à casa do consumidor. Mas na CPFL, em toda sua área de concessão, os clientes da alta tensão (grandes comércios e indústrias) são todos "telemedidos". Não vai mais um leiturista nessa fábrica ou comércio. Fazemos a medição e a fatura vai por e-mail após 1,2 segundo. Já são 700 mil contas enviadas por e-mail.

Mas será essa a revolução do "smart grid"? Enviar contas por e-mail?

O principal desafio do "smart grid" era transitar dados pela rede de distribuição. Instalamos postos repetidores de sinal em uma rede neural. Quando há a interrupção em determinado ponto, nosso sistema reconfigura automaticamente a distribuição de energia.

Esse tipo de tecnologia também permite a avaliação de fraudes ou furtos, diminui significativamente as interrupções do sistema, além de fornecer ao consumidor a capacidade de medir seu consumo de forma informatizada. Nos EUA, como o custo de produção de energia varia constantemente, inclusive durante o dia, o "smart grid" permite ao usuário gerenciar seu consumo, aproveitando momentos de energia mais barata. No Brasil, isso não acontece, mas a complexidade dos nossos sistemas vai aumentar, o que exigirá do consumidor esse gerenciamento.

Quando o sistema ficará disponível para o consumidor se proteger das tarifas?

Agora vamos implantar 2 milhões de medidores para aqueles consumidores que mostraram interesse em fazer essa gestão da energia. A tecnologia já está pronta, só falta aplicá-la. Então esse negócio de projeto piloto, P&D (pesquisa e desenvolvimento), não existe mais nada para fazer. O que era para estudar, já estudamos.

Mas é preciso entender que o sistema brasileiro é composto por duas tarifas e temos responsabilidade apenas sobre uma, sobre a qual a Aneel, em todas as revisões de ciclos tarifários, reviu para baixo [a outra é composta por impostos, encargos e pelo custo da geração]. A única coisa que contribuiu para a modicidade tarifária foi o trabalho das distribuidoras.

Hoje, com tarifas tão altas, o setor já está se reequilibrando a ponto delas voltaram a baixar ou as tarifas altas vieram para ficar?

Houve uma confluência de problemas. Foi uma coincidência infeliz a publicação da medida provisória 579, em 2012, e a crise hidrológica. Tínhamos uns seis problemas no sistema e cinco já foram endereçados, como a crise hidrológica. Infelizmente, quem tem que assumir o custo do sistema é quem se beneficia do consumo. O que chamo de realismo tarifário é isso. Enquanto nossa geração está mais cara, o consumidor paga mais caro. Entre 2013 e 2014, o Tesouro Nacional poupou esse consumidor de um custo próximo de R$ 30 bilhões. Não à toa, o consumo este ano diminuiu quando o usuário começou a pagá-lo. Hesitou-se em colocar o realismo tarifário, mas por causa dele, não haverá racionamento, pois todos se viram responsáveis.

O realismo blinda o setor?

Sim, mas blinda os consumidores também. O realismo exige que os consumidores e as empresas do setor sejam mais eficientes.

RAIO-X

WILSON FERREIRA JR

Formação Graduado em Engenharia elétrica e administração pela Universidade Mackenzie

Carreira Presidente da CPFL e presidente do Conselho da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib)


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