Folha de S. Paulo


'A resposta dos EUA à crise na China é a nova grande questão'; leia análises

Kim Kyung-Hoon - 6.jul.2015/Reuters
A man watches a board showing the graphs of stock prices at a brokerage office in Beijing, China, July 6, 2015. Chinese stocks rose on Monday after Beijing unleashed an unprecedented series of support measures over the weekend to stave off the prospect of a full-blown crash that was threatening to destabilise the world's second-biggest economy. REUTERS/Kim Kyung-Hoon ORG XMIT: PEK702
Homem olha gráfico em corretora em Pequim

O mercado acionário chinês causou pânico no início da semana, apelidado de "segunda-feira negra". A Bolsa de Xangai desabou 8,5%, após uma queda acumulada de 11,5% no decorrer da semana passada.

Na terça, a queda foi de 7,63% na terça-feira (25). Em resposta, o governo chinês anunciou a injeção de recursos na economia.

As medidas foram tomadas antes da abertura dos pregões no ocidente, onde foram bem recebidas na terça. Não impediram, no entanto, uma nova queda, mesmo mais tênue, da Bolsa de Xangai, que recuou 1,27% nesta quarta (26). As Bolsas europeias responderam com instabilidade.

Veja abaixo a análise de economistas sobre a situação do mercado acionário chinês após as medidas do governo.

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Comentários de especialistas na quarta-feira (26)

Variação da Bolsa de Xangai em 2015 - Em pontos

"As autoridades chinesas decidiram arriscar recursos substanciais e até mesmo a sua autoridade política em seu (sem surpresa, sem êxito) esforço para parar o colapso da bolha. (...) eles devem ter sido levados a fazer isso por preocupação com a economia. Se estão preocupados o suficiente para apostar em uma economia tão desamparada, o resto de nós deve se preocupar também. (..) Segundo dados oficiais, o investimento fixo bruto foi de 44% do PIB em 2014. (...) Mas faz sentido econômico para uma economia investir 44% do PIB e ainda crescer a apenas 5%? Não. Estes dados sugerem retornos marginais ultrabaixos. (...) Se assim for, o investimento poderia cair drasticamente. Isso pode não reduzir o potencial de crescimento, dado que o desperdício de investimento foi cortado em primeiro lugar. Mas isso causaria um colapso na demanda. Tudo que as autoridades chinesas têm feito sugere que estão preocupadas exatamente com isso."

Martin Wolf, comentarista chefe de economia do jornal britânico "Financial Times" publicado todas as quartas no site da Folha.

"Parte importante da atual onda de incertezas vindas da China se origina das complexas intersecções entre a economia financeira e a economia real. (...) A desglobalização, que mantém contidos os fluxos globais de comércio, complexifica a conversão suave do modelo de crescimento chinês para um formato mais baseado em consumo. Dificulta também o aumento do perfil de financeirização da economia chinesa. A grande indagação quanto ao estado de saúde da economia global nos próximos dias não virá, contudo, da China, mas de como o Fed responderá a um cenário externo mais desafiador."

Marcos Troyjo, economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas, e escreve na Folha às quartas

"Segundo dados oficiais, o investimento fixo bruto foi de 44% do Produto Interno Bruto em 2014. Os números de investimento são mais propensos a estar corretos do que aqueles do PIB. Mas faz sentido econômico para uma economia investir 44% do PIB e ainda crescer a apenas 5%? Não. Estes dados sugerem retornos marginais ultrabaixos, se não, negativos. Se assim for, o investimento poderia cair drasticamente. Isso pode não reduzir o potencial de crescimento, dado que o desperdício de investimento foi cortado em primeiro lugar. Mas isso causaria um colapso na demanda. Tudo que as autoridades chinesas têm feito sugere que estão preocupadas exatamente com isso."

"Sob quase qualquer indicador, o mercado se mostra vendido em excesso —as distorções de amplitude são extremas, 95% das ações do S&P 500 [considerado um bom indicador das tendências do mercado] estão abaixo de sua média dos últimos 50 dias, e o ritmo da queda certamente rivaliza com o da correção de 2011. Diante desse pano de fundo, a probabilidade de um salto positivo é alta em curto prazo",

Strategas Research, em nota a clientes antes da abertura da Bolsa de valores de Nova York, reproduzida nesta quarta (26) pelo jornal britânico "Financial Times".

"Analistas não estão convencidos de que as medidas [anunciadas pelo governo chinês] irão conter a turbulência que tem dominado os mercados financeiros globais nos últimos dias."

Celson Plácido, analista da XP Investimentos

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Comentários de especialistas na terça-feira (25)

"Eu creio que é muito cedo para declarar que o pior já passou. Do jeito que eu vejo, há uma correção técnica após as vendas se tornarem um pouco exageradas."

Piotr Matys, especialista em mercados emergentes da Rabobank.

"O dilema é: os caminhos principais da China para impulsionar o PIB nominal também tendem a estimular mais aqueles setores estendidos em excesso. Por exemplo, conceder mais crédito através de bancos estatais para empresas estatais favorecidas. Ou considere a política fiscal. No limite, isso poderia significar municípios gastando mais naquilo que eles sabem fazer melhor: construir mais infraestrutura física. (...) Analistas preveem não uma, mas várias reduções na taxa de reserva e de juros.

(...) Provavelmente, o movimento mais sensato para o governo neste ponto seria sair de cena e permitir que calotes e falências ocorram. (...) Parece que o mais imediato é se afastar do mercado acionário."

Anne Stephenson-Yang, da JCap, para o jornal britânico "Financial Times".

"As ações pontuais do governo chinês não vêm surtindo efeito em estacar a sangria e as vendas de ações se acentuam dia a dia. Para o Brasil, produtor de itens primários que tem na China um dos maiores mercados consumidores, há uma preocupação maior dado que a desaceleração da economia do gigante asiático tem derrubado os preços das commodities que, em última instância, pode comprometer nossa balança comercial, mesmo com esse dólar. (...) Diferentemente da Grécia, uma crise da China tem efeitos práticos sobre a nossa economia real e não só sobre os investimentos de portfólio."

Marco Aurélio Barbosa, da CM Capital Markets.

"A China está muito vulnerável. Há muita dívida. (...) Desestruturação financeira leva a desestruturação social, que leva a desestruturação política. Esse é o verdadeiro temor. (...) Olhe para a Rússia, é incrível que eles não tenham tido uma crise financeira ainda.

(...) Se você tivesse que apostar, você ainda apostaria que eles [China] vão conseguir sair dessa."

Kenneth Rogoff, professor de economia da universidade de Harvard e autor do livro "This Time Is Different", que trata de crises financeiras em oito séculos, comentando para o jornal "The New York Times" sobre a crise chinesa e a vulnerabilidade de países produtores de commodities (como Rússia e Brasil).

Comentários de especialistas na segunda-feira (24)

Infográfico: Segunda-feira Negra - Fechamento das bolsas pelo mundo, em %

"O resto do mundo não parece estar tão fortemente atado à China quanto nós temíamos. Vamos ver quanto tempo isso se segura e em quais direções o mercado nos leva."

Jack Ablin, investidor-chefe do Harris Private Bank, em entrevista ao jornal americano "The New York Times" publicada na segunda-feira.

"A verdadeira bolha não é a China, mas sim o ocidente. A China vive uma bolha no seu mercado acionário e isso não é segredo algum. Muita gente leu errado o recado do governo de Pequim ao desvalorizar o yuan. Acreditaram que era uma medida para incentivar a economia. Sem dúvida ajuda, mas o verdadeiro motivo foi contrapor uma possível alta dos juros nos EUA. Se os EUA sobem os juros e Pequim não faz nada, o dólar se aprecia e leva na garupa o yuan. Como o BC chinês não pode cortar os juros (o que iria incentivar outras bolhas), preferiram alterar o câmbio. Só que a questão não é mais dinheiro. Dinheiro não falta no mundo, o que falta é sentido. Os BC dos EUA, Japão e Europeu estão num processo de afrouxamento quantitativo [estímulo financeiro] que perdeu qualquer tipo de critério há algum tempo. Não há forma objetiva de avaliar a eficiência desses programas a não ser um critério difuso de um mix de inflação (que cai na esteira da desaceleração econômica) e de emprego (que melhora através da precarização). Depois dos últimos desdobramentos na China me parece impossível os EUA subirem os juros e a Europa vai continuar injetando euros. Essa liquidez abundante criou um descolamento da bolsa dos seus fundamentos.

André Perfeito, economista da Gradual Investimentos

"A intervenção do governo chinês no mercado acionário se não for temporária é temerária. seria mais produtivo anunciar medidas estruturais ao invés de ações conjunturais para segurar o preço das ações. Todos os dados da atividade da economia chinesa apontam para uma desaceleração maior do que vem indicando o PIB oficial."

Marco Aurélio Barbosa, CM Capital Markets

"As coisas estão cada vez mais parecidas com a crise financeira na Ásia no final dos anos 90. Os investidores estão se desfazendo de aplicações que parecem mais vulneráveis ao contágio."

Takako Masai, Shinsei Bank de Tóquio

"Em curto prazo, a disparidade entre o PIB oficial e as demais percepções vão aumentar ainda mais. Em nossa visão, a desaceleração estrutural do crescimento chinês está apenas no meio do caminho. Sob o peso do endividamento e do excesso de capacidade, o enfraquecimento da demanda continuará sendo o principal motivador dessa desaceleração. Nesse caso, temos duas sugestões para os participantes do mercado: 1) sigam os indicadores que importem para seus investimentos e não se atentem para boreal crescimento do PIB chinês; 2) sejam pacientes com o crescimento dos setores de serviço e de consumo na China".

Weidi Yao, Societe Generale, Cross Assets Research

"A grande lição que tivemos nos últimos três meses com a China foi que o governo não tem o controle da situação. Isso ficou claro pela forma como o governo lidou com os mercados, o pânico causado e a desvalorização que não foi uma desvalorização. Será pior do que qualquer que seja a sua previsão. Os mercados vão para baixo; ninguém tem a menor ideia do que está acontecendo [com a China]."

Jim Chanos, gestor do fundo Kynikos Associates, no Fast Money/CNBC

"A forte queda da Bolsa chinesa alimenta preocupações com o estouro de uma bolha e com a instabilidade da economia do país. O governo chinês vinha tentando segurar a queda da Bolsa chinesa, mas após o mercado americano ter queda expressiva na sexta-feira, não conseguiu impedir a desvalorização de hoje."

Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco Mizuho do Brasil.

A recente queda nos preços dos ativos reflete as preocupações crescentes sobre o crescimento na China e o impacto nos preços das commodities. Os ratings [notas] soberanos já incorporam um ambiente de perspectivas alteradas para o crescimento global, contando com uma expansão mais lenta, mas, ainda assim, sólida em partes da Ásia, incluindo a China. A previsão da Moody´s é de crescimento entre 6% e 7% em 2015 e 2016, ainda maior do que na maioria dos países.

Alastair Wilson, diretor-gerente da Moody´s

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