Folha de S. Paulo


Em grampo, suspeitos se alegram com volta de Rachid à chefia do fisco

Sergio Lima/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL 08-03-2012, 15h30: Predio da Receita Federal no Setor de Autarquia Sul. (Foto: Sergio Lima/Folhapress PODER) FOTOS PARA FOLHAPRESS.
Prédio da Receita Federal no Setor de Autarquia Sul, em Brasília

Em interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal, com autorização da Justiça, suspeitos de corrupção na Receita e na Casa da Moeda comemoram a nomeação do atual secretário da Receita Federal, Jorge Rachid.

Na operação batizada de Vícios, deflagrada em julho, a PF levantou indícios de que cerca de R$ 100 milhões foram pagos em propina a servidores dos dois órgãos para fraudar concorrência bilionária de um sistema de medição de produção de bebidas frias, como refrigerantes e cervejas, chamado Sicobe.

O principal alvo da apuração da PF, o ex-coordenador-geral de Fiscalização da Receita Marcelo Fisch, era homem de confiança de Rachid.

O esquema do Sicobe, segundo a PF, começou no início de 2008, quando Fisch era coordenador-geral de Fiscalização, na primeira gestão de Rachid na Receita.

A empresa escolhida foi a suíça Sicpa, já contratada anos antes na parceria fisco/Casa da Moeda, sem licitação, para o sistema Scorpios, de colocação de selos fiscais nos maços de cigarros.

Em março de 2008, Fisch solicitou à Casa da Moeda "estudo de viabilidade" para o controle de bebidas frias. Segundo o MPF, o pedido não fazia sentido, pois o serviço não previa um selo fiscal impresso, como nos cigarros.

Três meses depois, ainda na administração de Rachid, o governo editou uma MP obrigando fabricantes de bebidas a instalar equipamento de controle de produção.

Segundo a PF e o MPF, Fisch manobrou para que a Sicpa fosse contratada sem licitação. Os investigadores suspeitam também de direcionamento para a escolha da Sicpa no caso do Scorpios.

"As evidências expostas [...] convergem e se complementam, levando à fatal conclusão de que Marcelo Fisch corrompeu-se em troca de conduzir a Sicpa à contratação bilionária em foco", diz documento dos investigadores, obtido pela Folha.

O contrato entre a Casa da Moeda e a Sicpa para a implantação do Sicobe supera R$ 1 bilhão por ano.

Entre os investigados estão Daniel Borges de Menezes, funcionário da Casa da Moeda encarregado do contrato com a Sicpa e suspeito de corrupção, e Alexandre Correa Riedel, engenheiro da Sicpa lotado na Casa da Moeda, apontado como um dos corruptores. São eles que, na gravação da PF, comemoram a nomeação de Rachid.

Um dos diálogos, de acordo com documentos aos quais a Folha teve acesso, foi em 5 de janeiro, dia em que o ministro Joaquim Levy (Fazenda) anunciou o novo secretário. "Pra gente foi ótimo, né? [nomeação de Rachid]", diz Menezes. Riedel responde: "...maravilhoso! Essa notícia foi maravilhosa!". "Pro Marcelo [Fisch] também...", conclui Menezes.

Por meio de sua assessoria, Rachid disse que "não compactua com desvios de conduta" e que, "havendo provas, servidor envolvido tem que ser punido, seja quem for" (leia abaixo).

O processo corre na Justiça Federal do Rio, onde a Casa da Moeda está instalada.

Após a saída de Rachid, em 2008, Fisch perdeu o cargo de coordenador-geral de Fiscalização, mas permaneceu na Divisão de Controles Fiscais Especiais, setor responsável pelo Sicobe e pelo Scorpios.

Segundo o Ministério Público, "recentemente, com o retorno de seu antigo companheiro Rachid ao comando da Receita, Fisch foi nomeado chefe dessa divisão".

A PF cita como indício de ligação entre corruptores e Fisch outro diálogo, entre Charles Finkel, identificado como vice-presidente e lobista da Sicpa, e Alexandre Riedel. "Agora, o Peixe está querendo sair do Scorpios. Não deixa, não, hein!", diz Riedel. "Não, já não deixei, já não deixei", responde Finkel.

Segundo a PF, "peixe" é Marcelo Fisch, num trocadilho de peixe em inglês, "fish".

OUTRO LADO

Se houver prova, servidor será punido, diz Rachid

O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, disse, por meio de sua assessoria, que "não compactua com desvios de conduta". "E, havendo provas, servidor envolvido tem que ser punido, seja quem for." Ele disse esperar que os trabalhos que estão sendo realizados pela Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda e pelo Ministério Público Federal esclareçam as supostas irregularidades.

Rachid disse também que não conhece as pessoas que o citam em diálogo que consta de relatório da investigação. A assessoria afirmou que Marcelo Fisch só foi nomeado como chefe da Divisão de Controles Fiscais por ser o único servidor lotado naquela área na ocasião.

"E, ao tomar conhecimento de que este constava como investigado no caso, o secretário o exonerou da função em 1º/7/2015, mesmo dia da Operação Vícios." Segundo a assessoria de Rachid, Fisch foi transferido para a Escola de Administração Fazendária, não subordinada à Receita.

A Casa da Moeda afirmou que a investigação da PF teve início após a comunicação da atual presidência da empresa, que suspeitou de direcionamento na contratação do Sicobe. A CMB acrescentou que está conduzindo investigações internas.

A Folha deixou recado na Sicpa, mas ninguém ligou de volta. A reportagem não conseguiu entrar em contato com Marcelo Fisch.


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