Folha de S. Paulo


Reforma é saída para Brasil sufocar ceticismo, dizem investidores

Duas das maiores referências globais para o investimento em mercados emergentes perderam o tom de otimismo em relação ao Brasil diante do aprofundamento da crise no país.

Agora, eles adotam cautela e recomendam reformas urgentes para a superação das dificuldades. Mas, no passado, suas decisões de apostar no mercado brasileiro motivaram investimentos bilionários no país.

Em entrevistas por e-mail à Folha, Mark Mobius, 78, e Mohamed El-Erian, 56, admitem que, mesmo antes de uma esperada perda do selo de bom pagador, o país já sofre consequências do ceticismo que tomou os investidores.

Mobius é presidente da área de mercados emergentes da gestora de recursos Templeton e administra US$ 39 bilhões em ativos, US$ 1,6 bilhão dos quais estavam no Brasil em fevereiro.

El-Erian é consultor-chefe de economia do grupo Allianz e presidente do conselho de desenvolvimento mundial do governo Barack Obama (EUA).

Nesta semana, a agência de classificação de risco Moody's rebaixou a nota de crédito do país à última categoria antes do grau especulativo. O Brasil também está no limite de perder o atestado de bom pagador na avaliação da Standard & Poor's.

"O Brasil precisa urgentemente romper o ciclo prejudicial de baixo crescimento e alta da inflação. Isso vem complicando a situação fiscal, desencorajando investimentos e segurando a criação de empregos", afirma El-Erian.

Para Mobius, a superação da crise exige "reformas agressivas para reduzir o tamanho do governo e promover uma melhora no ambiente de negócios".

Ele afirma que políticos acusados de envolvimento em escândalos de corrupção precisam ser julgados para restabelecer a confiança no sistema judicial e, consequentemente, no ambiente de negócios no Brasil.

Patrick T. Fallon/Bloomberg/Getty Images
Mohamed El-Erian,consultor-chefe de economia da Alianz
Mohamed El-Erian,consultor-chefe de economia da Alianz

Mohamed El-Erian, 56
É presidente do conselho de desenvolvimento mundial do presidente Barack Obama (EUA) e consultor-chefe de economia da Allianz, grupo multinacional alemão de seguros e serviços financeiros. Foi presidente-executivo da Pimco, administradora de investimentos especializada em renda fixa controlada pela Allianz. Também é autor do best-seller "When Markets Collide"

Em 2002, quando os mercados temiam a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, Mohamed El-Erian apostou na solidez da economia nacional e comprou títulos da dívida brasileira. Inúmeros investidores seguiram sua decisão e depositaram centenas de bilhões de dólares no país.

Entusiasta do governo Lula, que, segundo ele, apresentou uma "espetacular recuperação econômica, com crescimento acelerado e fortalecimento das reservas internacionais", ele se tornou crítico da gestão Dilma Rousseff, "que retomou velhos hábitos estatistas".

Leia abaixo sua avaliação das perspectivas do país.

GRAU ESPECULATIVO

Infelizmente, o risco [de perder o selo de bom pagador] é considerável –pode e deve ser mitigado. O Brasil precisa urgentemente romper o ciclo prejudicial de baixo crescimento e alta da inflação.

Isso vem complicando a situação fiscal, desencorajando investimentos e segurando a criação de empregos. O país tem as ferramentas para romper com isso. O que é preciso é ter comprometimento político, uma visão da economia de médio prazo e uma política de implementação sustentável.

IMAGEM DO PAÍS

A imagem do Brasil internacionalmente tem duas facetas. Primeiro, investidores estão preocupados com os recentes acontecimentos na economia e o impacto desfavorável que isso tem em preços de ativos e oportunidades de investimento. Segundo, a percepção geral das economias emergentes como um todo tem sido solapada pela preocupação com os danos colaterais do enfraquecimento da economia chinesa, da queda dos preços de commodities e com a perspectiva de um aumento na taxa de juros pelo Federal Reserve (o banco central americano) nos próximos meses.

RECUPERAÇÃO

É absolutamente possível. Eu suspeito que muitos no Brasil se surpreenderiam com a rapidez com que a confiança internacional se restabeleceria se as autoridades começassem reformas estruturais renovadas de médio prazo.

JUROS NOS EUA

O aumento da taxa de juros nos Estados Unidos, em si mesmo, não é um risco de instabilidade para o Brasil. No entanto, oferece riscos potenciais de efeitos em cascata decorrentes da diminuição de liquidez nos mercados financeiros nas economias avançadas.

Há vários anos, muitos dos grandes mercados financeiros têm contado com a injeção de liquidez pelos bancos centrais, como se os BCs fossem os melhores amigos do mercado financeiro. Com isso, o preço de muitos ativos perderam a correlação com os seus fundamentos.

Se os fundamentos não melhorarem suficientemente rápido e validarem os preços exagerados, fazendo com que portfólios diversificados precisem se reposicionar, muitos investidores podem descobrir que o mercado oferece liquidez insuficiente, no momento exato em que eles mais precisam.

Se esse risco se materializar –e estou dizendo que é um cenário de risco, mais do que um cenário-padrão–, o efeito adverso será sentido em muitos mercados pelo mundo, inclusive no Brasil. Portanto, é importante continuar a construir resiliência tanto financeira quanto econômica.

Leo Pinheiro/Valor/Folhapress
RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL, 06-02-2014: Mark Mobius, presidente-executivo da empresa Templeton, durante entrevista no escritório da empresa, no bairro do Botafogo, no Rio de Janeiro (RJ). (Foto: Leo Pinheiro/Valor)
Mark Mobius, presidente-executivo da empresa Templeton, durante entrevista no escritório da empresa,, no Rio de Janeiro

Mark Mobius, 78
Presidente executivo da área de mercados emergentes da Templeton, gigante global na área de gestão de recursos, tem graduação e mestrado pela Universidade de Boston (psicologia social, arte e jornalismo); doutorado em economia e ciência política pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts)

Depois de uma visita ao Brasil em fevereiro, durante a qual pôde conferir "o humor dos brasileiros nas festividades pós-Carnaval", Mark Mobius se disse mais otimista com a economia nacional do que nos meses anteriores, "em parte porque todo mundo está pessimista", escreveu em seu blog.

Em março, ele incentivou investimentos no país. Hoje, ele defende uma "reforma agressiva" que reduza o peso do governo na economia e melhore o ambiente de negócios.

GRAU ESPECULATIVO

Parece que a presidente Dilma não tem apoio político para promover as reformas de que o país precisa para recuperar o crescimento e o controle das contas do governo. Se as coisas continuarem assim, o país estará em vias de perder o grau de investimento, de fato. É preciso lembrar que, mesmo que não haja ou antes de eventual um rebaixamento oficial, os atores do mercado, pessoas que investem em instrumentos da dívida brasileira, vão chegar às próprias conclusões.

INVESTIMENTOS

Riscos estão sempre no radar dos investidores, assim como as oportunidades. Investidores precisarão diferenciar e ser seletivos para decidir quais são as aplicações certas.

IMAGEM DO PAÍS

O Brasil ainda tem enorme potencial, mas políticos e mesmo parte da população precisam perceber que o governo não pode nem deve ser tão grande e responsável por programas de benefícios com os quais ele não tem capacidade de arcar.

RECUPERAÇÃO

Seria necessário fazer reformas agressivas para reduzir o tamanho do governo e promover uma melhora no ambiente de negócios. Com um governo mais enxuto, os impostos podem ser diminuídos e essa é a maneira mais efetiva de mostrar os benefícios da reforma à população. Ultimamente, quando o governo vê a possibilidade de obter novos recursos com, por exemplo, o pré-sal, sempre aparece alguém encontrando um outro uso para o dinheiro. É uma dinâmica insustentável. Toda família sabe os seus limites de gastos; eles se perguntam, então, por que com o governo seria diferente.

CORRUPÇÃO

É um elemento-chave. Se for possível processar até mesmo autoridades de alto escalão do governo por eventuais envolvimentos em escândalos, então a confiança no sistema judicial será fortalecida, levando confiança também aos negócios.

JUROS NOS EUA

O Brasil já aumentou seus juros, então a esperada elevação da taxa nos Estados Unidos não deve ter um impacto significativo exceto psicologicamente. Não obstante, o sentimento internacional será impactado, e é preciso estar ciente disso. É possível que isso tenha impacto no custo da dívida brasileira.


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