Folha de S. Paulo


'Considerar Petrobras vítima da corrupção é rasgar leis', diz advogada

Karime Xavier - 3.ago.2015/Folhapress
Advogada Érica Gorga chega ao Brasil para reunir argumentos para defender acionistas minoritários da Petrobras
Érica Gorga chega ao Brasil para reunir argumentos para defender acionistas minoritários da Petrobras

A advogada Érica Gorga, que atuou como parecerista da ação coletiva na corte federal de Nova York em defesa dos acionistas minoritários americanos que pedem ressarcimento por perdas geradas com corrupção na Petrobras, acaba de chegar ao Brasil.

Após ajudar a reunir argumentos que orientaram a decisão da corte nova-iorquina, que negou o pedido da Petrobras para encerrar tal ação coletiva, Gorga desembarca no Brasil para atuar em defesa dos investidores minoritários do país, que foram excluídos da proteção do juiz americano.

Ela conta que os minoritários brasileiros já estão se organizando para entrar com uma ação civil pública para se defender dos danos sofridos e pede que a Previ (fundo de pensão dos empregados do Banco do Brasil) se una a tais investidores para zelar pelo interesse de seus pensionistas.

Para Gorga, se nada for feito no Brasil, o acionista brasileiro perderá duas vezes: a primeira pelos danos das fraudes e a segunda ao arcar com os custos da indenização que deverá ser paga pela Petrobras aos acionistas americanos com os recursos que sairão do caixa da companhia. "Considerar a Petrobras como vítima significa rasgar as leis americanas e brasileiras que regulam as corporações e o mercado de capitais e protegem o investimento acionário", afirma.

ABAIXO, LEIA TRECHOS DA ENTREVISTA:

Folha - Que estratégia pode ser usada na defesa dos investidores brasileiros?
Érica Gorga - O caso Petrobras é paradigmático e mostra que o ativismo na defesa dos investidores minoritários no Brasil deve ser intensificado. A melhor solução jurídica é que associações de investidores ingressem com ação civil pública para obter o ressarcimento dos prejuízos dos acionistas minoritários e pensionistas que investiram FGTS e aposentadoria por meio de fundos de pensão na Petrobras. A Associação de Investidores Minoritários está se organizando para ingressar com tal ação. Num segundo momento, para que a companhia fosse indenizada, seria preciso que ela ingressasse com ação de responsabilidade civil regressiva contra os administradores responsáveis pelos ilícitos. Uma amarra é que a lei brasileira das sociedades anônimas exige que somente o acionista controlador ou acionistas minoritários com no mínimo 5% do capital total da empresa proponham tal ação em nome da companhia. Na Petrobras, o acionista majoritário é a própria União Federal e os principais minoritários são o BNDES e a Previ. Nenhum deles, por evidentes conflitos de interesses, propôs tal ação de responsabilidade em prol da companhia até o momento. É fundamental que a Previ se junte com as associações de investidores na ação civil pública, já que é dever da Previ zelar pelo interesse de seus próprios pensionistas, e depois ingresse com ação regressiva contra os administradores culpados.

Os investidores da Petrobras aqui correm o risco de ir parar na arbitragem? E qual é a desvantagem de arbitragem nesse caso?
Não no caso da ação civil pública movida por associações de investidores. Não existe arbitragem para processos coletivos no Brasil. Nas ações individuais, a nova reforma da arbitragem na prática dá poder a um único acionista controlador de retirar de milhares de investidores o acesso ao Judiciário quando o controlador aprova a cláusula de arbitragem do estatuto social em assembleia de acionistas, como fez a Petrobras. Tal arbitragem sem o consentimento expresso dos investidores é inconstitucional pois fere a norma pétrea da Constituição que assegura o direito ao Judiciário a qualquer cidadão. As desvantagens são que a arbitragem é muito mais cara que o Judiciário, não sendo viável para a maioria dos minoritários porque árbitros cobram por hora e juízes não. Além disso, há o mito de que árbitros são sempre independentes, mas, vários deles, diferentemente de juízes, advogam, criando e escrevendo teses que muitas vezes defendem interesses de acionistas controladores. Depois julgam como se independentes fossem. No Judiciário, o processo é público, mas na arbitragem é secreto, ficando o mercado sem saber informações sobre quem é processado e o andamento do processo arbitral. A falta de transparência da arbitragem acaba protegendo a reputação de companhias e administradores perpetradores de fraudes.

Por que o argumento de que a Petrobras é vítima das fraudes prejudica os investidores lesados? A companhia não é vítima?
Considerar a Petrobras como vítima significa rasgar as leis americanas e brasileiras que regulam as corporações e o mercado de capitais e protegem o investimento acionário. Uma companhia não pode ter só direitos em relação a investidores, ela também tem, por lei, obrigações claras. Por isso, o argumento da Petrobras ser uma pobre vítima não cola nos Estados Unidos. Lá nenhuma companhia pode captar recursos da poupança popular sem deveres e responsabilidade de ressarcimento de prejuízos em caso de ilícitos realizados contra investidores. O argumento da Petrobras como vítima somente beneficia os perpetradores de ilícitos, pois cria-se uma blindagem para a sua responsabilização. Mas prejudica os investidores da companhia e todo o mercado de capitais brasileiro, pois os investidores não se sentirão seguros para realizar investimentos em companhias no Brasil, o que é uma das causas da estagnação da economia nacional.

Você tem dito que o juiz americano, com a recente decisão dele de seguir com o processo, mostra que o mercado de capitais lá é seguro juridicamente. O Brasil perde atratividade se não der segurança aos minoritários da Petrobras nesse momento? A lei brasileira dificulta essa proteção?
Sim, preliminarmente, as leis do mercado de capitais e garantias dos investidores já existentes não estão sendo cumpridas. A fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários até agora está deixando muito a desejar. Além disso, as leis existentes não são suficientes. Não é adequado que apenas investidores com 5% do capital da empresa possam ingressar com ação de responsabilidade de administradores. Em muitos países, a porcentagem requerida é bem inferior. Também o sistema brasileiro de ressarcimento dos investidores depende em grande parte de ações de instituições públicas como o Ministério Público e autarquias. Não é assim nos Estados Unidos, lá quaisquer investidores privados podem iniciar ações de classe.

A associações de minoritários podem entrar na Justiça aqui? É necessário que as entidades tenham um ano completo?
Sim, como disse, apesar de a lei da ação civil pública brasileira dar competência muito restrita para partes privadas ingressarem com a ação de classe de investidores, as associações civis de investidores minoritários são partes autorizadas, desde que tenham um ano completo de constituição. Esse requisito temporal da lei também é anacrônico, pois impede que investidores lesados formem uma associação para lutar por seus direitos de maneira rápida.

A questão cível está ficando em segundo plano no caso da Lava Jato, em detrimento da penal? Como avalia a ação do Ministério Pública?
O trabalho do Ministério Público deve ser reconhecido pelas investigações criminais complexas que está realizando, mas, infelizmente a investigação dos crimes específicos da lei do mercado de capitais, que afetam diretamente o valor dos acionistas e investidores tem sido deixada de lado. A questão civil também está sendo ignorada. A indenização dos prejuízos financeiros dos investidores ocorre apenas na esfera cível, que é tão ou mais importante que o foco criminal dado por reguladores até o momento. Sem reparação cível de danos causados a investidores, eles se afugentam do mercado e a economia não cresce. Com as leis atuais e a falta de ações nas esfera cível por parte de reguladores, investidores minoritários praticamente nunca são indenizados no Brasil.

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RAIO- X Érica Gorga, bacharel em Direito (1999)

  • Doutora em Direito Comercial (2005) pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
  • Pós-Doutora pela Universidade do Texas (2006)
  • Professora da Fundação Getulio Vargas (2006-2015)
  • Pesquisadora associada e diretora executiva do centro de direito empresarial da Yale Law School (2013-2015).
  • Pesquisadora Visitante na Stanford Law School (2002-2003),
  • Professora Visitante nas universidades do Texas (2006) Cornell (2007-2008) e Vanderbilt (2010 e 2012)
  • Perita da ação coletiva da Petrobras na Corte Federal de Nova York (2015).
  • Autora do livro "Direito Societário Atual" e diversos artigos nacionais e internacionais sobre regulação do mercado de capitais

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