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análise

FMI aprova 'com cautela' o novo regime chinês para o câmbio

China Daily/Reuters
Prédio em formato de moeda de yuan no setor financeiro de Guangzhou, na China
Prédio em formato de moeda de yuan no setor financeiro de Guangzhou, na China

O Fundo Monetário Internacional (FMI) ofereceu um endosso cauteloso à decisão chinesa de permitir que o mercado desempenhe papel mais importante na definição do valor da moeda do país, sinalizando que o passo pode ajudar na campanha de Pequim para obter o cobiçado status de moeda de reserva para o yuan, que se uniria ao dólar, euro, iene e libra esterlina nesse papel.

Em, comunicado divulgado na quarta-feira enquanto Pequim baixava o valor do yuan pela segunda maior proporção em duas décadas —atrás apenas da desvalorização de 1,9% da terça-feira—, o FMI declarou que o novo regime de câmbio da China era "um passo bem vindo porque permitiria que as forças de mercado tivessem papel mais importante na determinação da taxa de câmbio".

O Fundo acautelou, porém, que "o impacto exato dependerá de como o novo mecanismo venha a ser implementado na prática".

A decisão chinesa de mudar a maneira pela qual o governo estabelece a faixa diária de flutuação do yuan, em vigor desde que a paridade cambial fixa com o dólar foi relaxada em 2005, apanhou os mercados de surpresa e gerou acusações de que Pequim havia decidido desvalorizar sua moeda para ajudar a escorar uma economia cambaleante, e que com isso estava retomando as chamadas "guerras cambiais".

Embora o momento da ação da China bem possa estar ligado a recentes indicadores que apontam para uma queda nas exportações do país e a uma desaceleração no crescimento econômico, muitos viram a decisão como um esforço para promover a inclusão do yuan na cesta de moedas de elite que são usadas para definir o valor da moeda interna do FMI, os "direitos especiais de saque".

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O conselho do FMI deve decidir ainda este ano se incluirá o yuan na cesta em questão, como parte de um processo quinquenal de revisão. Uma decisão favorável, que tornaria a moeda "vermelha" da China uma das moedas de reservas mundiais, era vista por muitos como fato consumado até recentemente, mas na semana passada a equipe do FMI divulgou uma avaliação ligeiramente cética do caso da China e questionou se o uso da moeda do país era ou não livre o bastante para justificar sua inclusão.

Uma das áreas de preocupação do Fundo era determinar se a China estava preparada para permitir que o mercado desempenhasse papel mais importante na determinação do valor do yuan, e se o país resistiria à tentação de continuar gerenciando com rigor sua faixa de flutuação cambial.

Mas o Banco Popular da China, o banco central do país, anunciou na terça-feira que a partir de agora estabeleceria o ponto médio da faixa de flutuação de yuan levando em conta a cotação de fechamento da moeda no dia anterior, o que confere mais influência ao mercado do que era o caso no passado.

Isso representou uma resposta às dúvidas do FMI e voltou a firmar a tentativa chinesa de ver a moeda do país tornada moeda de reserva, disse Eswar Prasad, antigo diretor do departamento chinês do FMI e hoje professor na Universidade Cornell, nos Estados Unidos.

"O banco central na prática imobilizou os potenciais críticos, como os Estados Unidos e o FMI, ao oferecer exatamente o que lhe havia sido pedido —mais flexibilidade cambial", ele disse.

O Fundo deixou claro em seu comunicado que queria que Pequim fosse ainda mais ambiciosa. "Acreditamos que a China possa, e deva, buscar criar um sistema de livre flutuação do câmbio dentro de dois ou três anos", afirmou a instituição.

O FMI também insistiu em que as mudanças anunciadas por Pequim não tinham "implicações diretas" para os critérios que serão usados para determinar se o yuan será ou não incluído na cesta dos direitos especiais de saque.

Mas admitiu que "mesmo assim, uma taxa de câmbio de cuja determinação o mercado participe mais facilitaria a operação dos direitos especiais de saque, caso o yuan venha a ser incluído na cesta de moedas, no futuro".

A reforma da terça-feira está longe de ser a última que a China precisará empreender se deseja ver o yuan adotado pelo FMI. O país também enfrenta outros potenciais obstáculos.

Entre eles estão a política dos Estados Unidos e o persistente ceticismo de Washington sobre as intenções de Pequim. Os Estados Unidos são o maior cotista do FMI e exercem poder de veto sobre a maioria de suas decisões.

Funcionários do Departamento do Tesouro norte-americano apoiam o esforço chinês pela inclusão do yuan na cesta de moedas do FMI, argumentando que, se Pequim adotar as reformas necessárias para chegar a essa posição, isso seria positivo para a economia mundial. Eles mantiveram essa linha na terça-feira, recebendo a decisão do banco central chinês de maneira cautelosamente positiva.

CETICISMO

Mas outros observadores em Washington continuam a ter suspeitas.

Adam Posen, diretor do Instituto Peterson de Economia Internacional, uma organização de pesquisa que está em campanha há muito tempo contra a manipulação cambial, estava preocupado com a possibilidade de que a China esteja lançando uma campanha de desvalorização prolongada, em meio "a um ar de pânico intervencionista" em Pequim.

No Congresso, os críticos da China também reagiram de imediato ao anúncio do banco central chinês. Charles Schumer, senador democrata de Nova York que há muito pressiona por uma linha mais dura dos Estados Unidos quanto às políticas cambiais de Pequim, propõe que o FMI seja impedido de adicionar o yuan à sua cesta de moedas.

"Dado o histórico chinês de desvalorização da moeda do país para ganhar vantagens desleais no comércio, as ações do governo chinês [na terça-feira] provocam sérias preocupações", disse Sander Levin, o líder da bancada democrata no influente Comitê Tributário da Câmara.

"Existe motivo para ceticismo (...)quanto a aceitar a maior desvalorização cambial chinesa em duas décadas como simplesmente um passo no caminho para uma taxa de câmbio mais livre".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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