Folha de S. Paulo


Presidente queria fazer do HSBC líder no Brasil e rodou o país de jatinho

"What can I do for you?" ("O que posso fazer por você?").

A frase econômica e cortante, poucas vezes antecedida por um "bom dia" ou "como vai?" era frequentemente utilizada por Michael Geoghean, presidente do HSBC no Brasil, quando atendia assessores ao celular nas semanas imediatamente posteriores ao desembarque do banco inglês no país, no dia 26 de março de 1997, data em que oficialmente assumiu o falido Bamerindus.

Eu era assessor contratado para atuar na linha de frente de uma comunicação destinada a tornar rapidamente conhecido e admirado o nome da instituição que acabara de chegar ao mercado.

A atitude de Geoghean ao telefone traduzia a pressa e o ímpeto do gigante global HSBC (na época, 3.400 agências em 78 países, 105 mil funcionários e US$ 50 bilhões de valor de mercado) para atuar no mercado nacional.

jun.98/Reprodução
O piloto brasileiro Rubens Barrichello, quando corria pela equipe Stewart, com patrocínio do HSBC
O piloto brasileiro Rubens Barrichello, quando corria pela equipe Stewart, com patrocínio do HSBC

Já nos primeiros dias de sua gestão Geoghean anunciava a meta de avançar rumo à liderança do setor bancário do Brasil. O esforço para rapidamente incluir o nome da instituição no mapa mental dos brasileiros contou com grande campanha publicitária que tinha como sua principal estrela o piloto Rubens Barrichello, à época piloto da equipe Stewart Race Team de Fórmula 1, patrocinada pelo HSBC.

Durante a preparação da campanha, Geoghean insistia que os comerciais de TV deveriam mencionar o nome do banco em sua forma original, em inglês, visando sugerir ao mercado a adoção da mesma pronúncia. com relutância, aceitou os argumentos de que a grande maioria dos brasileiros teria extrema dificuldade em repetir o nome do banco, e que isso não contribuiria para os negócios.

Implacavelmente objetivo, Geoghean (que depois de atuar por anos no Brasil voltaria a Londres promovido a CEO global) costumava dizer a seus interlocutores que o sucesso do banco no país seria garantido pela decisão de correr em raia própria. Criticava fortemente as grandes filas existentes nas agências em geral e previa um atendimento de melhor qualidade de sua instituição em comparação com a concorrência.

Também planejava proporcionar um relacionamento mais próximo dos clientes, com foco em parcerias de longo prazo (esta uma marca do HSBC em seu território de origem, a então britânica Hong Kong).

Além disso, o executivo inglês argumentava que o Brasil era um mercado de baixa bancarização ("apenas um em cada quatro habitantes têm conta em banco") e que isso significava grandes oportunidades a serem exploradas.

E mencionava também o que considerava outros diferenciais competitivos do HSBC capazes de ajudá-lo a subir ao topo do ranking setorial: experiência internacional, alto poder de fogo e o fôlego financeiro.

Assim que o HSBC oficialmente assumiu o Bamerindus Michael Geoghean passou a percorrer, a bordo de um jato executivo, diversas cidades brasileiras (às vezes, mais de uma no mesmo dia).

Tinha como objetivo visitar num prazo curto de tempo agências bancárias de maior relevância da instituição recém assumida para, pessoalmente, transmitir sua mensagem de otimismo a gerentes regionais e lideranças locais. Nessas visitas era invariavelmente saudado como um líder empresarial de nível internacional, como poucas vezes aquelas cidades podiam ver em carne e osso naquele longínquo 1997.

A excelente receptividade proporcionada a Michael Geoghean em tais praças de certa forma espelhava uma sensação de inclusão em contexto de Plano Real que dominara a inflação, aumentara a confiança no futuro e a perspectiva de novas oportunidades.

O HSBC assumiu o Bamerindus no dia 26 de março de 1997, mas a costura para viabilizar esse movimento começou bem antes ancorada em uma britânica discrição. Naquele momento o mercado começava a assimilar o que viria a ser uma radical mudança do cenário da indústria financeira do país, composta por vários ingredientes.

Um desses ingredientes era a quebra de players de atuação nacional como os bancos Nacional e Econômico (1995) e de forças regionais tais como o Banorte (1996). Outra variável era a situação de endividamento praticamente insustentável de grande parte dos bancos pertencentes aos governos estaduais, cuja privatização começava a se desenhar (Banerj em 1997; Bemge em 1998; Banespa e Banestado em 2000).

Pano de fundo para essa rápida transformação do setor financeiro era a estabilidade trazida pelo Plano Real.

Este subitamente colocou em dificuldades instituições que sabiam operar no cenário anterior de inflação alta e indexação plena, mas eram incapazes de atuar em um mercado mais moderno e competitivo onde eficiência e inovação se transformaram em palavras chave.

CIRO DIAS REIS é presidente da consultoria de comunicação Imagem Corporativa; diretor da Associação Brasileira das Agências de Comunicação (Abracom); Co-Chairman da rede global PROI Worldwide; membro do board da International Communications Consultancy Organisation (ICCO).


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