Folha de S. Paulo


Livro aponta surrealismo em debate econômico na política brasileira

Quem lesse o manifesto do PSB (Partido Socialista Brasileiro) durante as eleições do ano passado iria se deparar com a seguinte declaração: A socialização realizar-se-á gradativamente, até a transferência, ao domínio social, de todos os bens passíveis de criar riquezas.

Se, por um lado, o texto defendia claramente a nacionalização da terra, das indústrias e do crédito, por outro, a candidata do partido, Marina Silva, foi bombardeada por acusações de querer entregar o país aos bancos.

Esse é um dos exemplos de como o debate sobre política econômica no Brasil é limitado e em muitos casos, surreal citados por Bernardo Guimarães no livro A Riqueza da Nação no Século 21.

Segundo ele, impera no país uma visão unidimensional que divide as opções de políticas econômicas entre aquelas que beneficiam as elites e as que estão do lado dos mais pobres.

Como resultado, propostas são avaliadas mais por quem são seus autores do que por seus méritos. Enquanto isso, o marketing político se encarrega de ligar ideias de adversários a regimes autoritários ou que favorecem as elites, sem que se exponha argumentos para tal conclusão.

E, quando se chega ao poder, há pouco constrangimento em fazer justamente aquilo que se condenava.

Professor da Fundação Getulio Vargas e doutor pela Universidade Yale (EUA), Guimarães compara esse pensamento unidimensional à dinâmica de poder de um grupo de chimpanzés.

Sofisticados politicamente, eles são capazes de complexas alianças e traições na disputa pelo comando, mas não sabem fazer trocas. Como consequência, sua economia rudimentar não alcança a especialização da produção nem o crescimento.

Caelio/Creative Commons
Chimpanzés machos disputam frutas em floresta africana.
Chimpanzés machos disputam frutas em floresta africana.

TEORIA

Seguem-se a essa discussão capítulos dedicados a questões básicas de política econômica. Temas como taxas de juros, inflação, distribuição de renda, direitos trabalhistas e política fiscal são explicados com linguagem acessível e certo bom humor.

De orientação liberal, o autor tem entre seus alvos políticas desenvolvimentistas de incentivo ao conteúdo local e os empréstimos subsidiados do BNDES.

A partir de especulações sobre o que aconteceria se uma lei municipal obrigasse padarias de São Paulo a usar 30% de ovos produzidos na cidade, mostra como o incentivo desenvolveria granjas pela avenida Paulista.

Porém o crescimento do setor esconderia uma perda de riqueza da cidade, na medida em que essas novas empresas estariam tomando lugar de outras que produziriam itens mais valiosos.

Quanto aos empréstimos baratos do BNDES, Guimarães aponta uma distorção do mercado de crédito. Empresas rentáveis não precisam de subsídio para ter financiamento, o mercado se encarrega de delas. Sendo assim, o banco beneficia mais os ineficientes, afirma.

INFILTRADOS

Na terceira parte da obra, o foco são os anos recentes, desde a chegada do PT à Presidência, em 2003.

Aqui vemos o discurso unidimensional dar lugar ao pragmatismo. A posse de Lula foi seguida por elevação da taxa básica de juros para combater a inflação e pela adoção de medidas que tornaram o capitalismo brasileiro mais dinâmico, escreve.

Boa parte dessas medidas, como reformas no crédito e na Previdência, teve participação fundamental de um entre os neoliberais infiltrados no governo, o economista e então secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa, considerado muito de direita por José Serra (PSDB), conta Guimarães.

Elogiando o Bolsa Família, Guimarães relaciona o programa a proposta do liberalista Milton Friedman, que defendia um Imposto de Renda negativo para dar dinheiro aos mais pobres. Com a vantagem de que a versão brasileira do plano é de operacionalização mais fácil.

Por fim, Guimarães se debruça sobre os anos em que Guido Mantega esteve à frente do Ministério da Fazenda. Nesse período, ideias desenvolvimentistas sobressaíram com resultados negativos ao país e levaram ao ajuste fiscal deste ano, também presente na obra.

De leitura fácil, o livro serve como bom ponto de partida para um debate de alto nível para quem não quer fazer política nas selvas.

A Riqueza da Nação no Século 21
AUTOR Bernardo Guimarães
EDITORA Autopublicação
QUANTO R$ 8 na Amazon (190 págs.)
AVALIAÇÃO Muito bom


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