Folha de S. Paulo


Economistas veem com preocupação pessimismo do governo sobre contas

A redução da meta fiscal para quase zero surpreendeu economistas, que viram um pessimismo preocupante (alguns viram exagero) do governo em relação à trajetória das contas públicas nos próximos anos, indicando a possibilidade da existência de algum "esqueleto" ou "pedalada" ainda desconhecida que precisará ser desfeita.

O alerta maior veio com a possibilidade de o país ter um deficit de R$ 17,7 bilhões (cerca de 0,3% do PIB) se fracassarem as concessões, a repatriação de dinheiro de brasileiros no exterior e o programa de recuperação de débito tributário em litígio. O governo espera obter R$ 26,4 bilhões nessas três frentes.

"Isso é preocupante porque sinaliza que não haverá cortes adicionais nos gastos, caso o governo não obtenha essas receitas extraordinárias e que não dependem dele. Lembra quando retiraram os investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) da meta fiscal", disse Fabio Klein, economista da consultoria Tendências.

"Apesar de ter sido largamente esperado, minha avaliação é que foi uma chamada para abrir os olhos sobre as dificuldades severas do país na frente fiscal. Nada de bom pode vir, fora isso", disse o economista Alexandre Schwartsman.

Infográfico Projeções para o PIB

AJUSTE DO AJUSTE

Para o economista Luiz Gonzaga Belluzo, o governo foi obrigado a fazer o "ajuste do ajuste" em relação a suas projeções para a meta fiscal.

"O governo está sendo mais realista em relação ao desempenho negativo da economia. A desaceleração foi intensa e agora perceberam que era impossível alcançar a meta anterior. A recessão provocada foi muito forte, e o resultado não podia ser outro."

Para ele, o comportamento dos ministros na apresentação demonstrou uma "certa decepção" de resultados que já eram esperados.

"A pergunta que fica é se o governo não foi muito pessimista reduzindo tanto a meta fiscal, abrindo a possibilidade para mais tarde superá-la e ganhar credibilidade com isso. Ou se, de fato, tem informações de que o desempenho será muito pior", completou Fabio Klein.

DÍVIDA EM 70% DO PIB

Para o economista Mansueto de Almeida, especialista em contas públicas, o Brasil caminha para ter o maior endividamento entre os países emergentes, superando a Índia. Nas contas de Mansueto, a dívida bruta do setor público poderá passar de 67% do PIB neste ano, superando os 64,4% previstos pelo FMI para a Índia.

Em junho, a dívida bruta (não inclui as reservas) do país atingiu R$ 3,539 trilhões, o equivalente a 62,5% do PIB. Na apresentação, os ministros mostraram que contam com um aumento do endividamento para perto de 65% neste ano até se estabilizar em 66% em 2016.

Segundo Schwartsman, a estabilização do endividamento do governo em 66% do PIB em 2016 é uma "piada de mau gosto". "A menos que as taxas de juros sejam severamente cortadas, não há simplesmente nenhuma maneira de entregar esse resultado."

"Mudar a meta fiscal em um ano não é um problema, mas sim o que ocorre nos próximos anos. A redução neste ano e no próximo terá como consequência um esforço muito maior em 2017 e 2018, no final do governo Dilma", disse Mansueto.

Infográfico Superavit menor

1. O que é a meta fiscal?

É a economia que o governo promete fazer para controlar a dívida pública

2. O que houve com ela?

Foi reduzida, de R$ 66,3 bi (1,1% do PIB) para R$ 8,7 bi (0,15%). Criou-se, porém, uma brecha para fechar o ano no vermelho em R$ 17,7 bi

3. Por que a mudança?

A meta levava em conta estimativas feitas em 2014 para receita e gastos, mas a arrecadação está muito menor e as despesas subiram

4. O corte era obrigatório?

Pela lei, a cada bimestre é preciso reavaliar a receita e ajustar as despesas para assegurar a poupança prometida. A reavaliação deve ser submetida ao Congresso

5. Qual o efeito da redução da meta fiscal?

Normalmente, indica mais espaço para gastos do governo. Mas a equipe econômica anunciou que fará cortes extras de R$ 8,6 bilhões

6. Como isso afeta o país?

No curto prazo, mais cortes afetam obras e serviços públicos. A poupança menor do governo elevará a dívida pública, e o país terá que pagar juros mais altos. A atividade do país levará ainda mais tempo para se recuperar


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